É ilegítima a recusa dos pais à vacinação compulsória de filho menor por motivo de convicção filosófica. O direito à liberdade de consciência e de crença é objeto de especial proteção pelo texto constitucional (CF, art. 5º, VI e VIII) (1), que destaca o pluralismo como um dos valores essenciais do Estado brasileiro (CF, art. 1º, V) (2). Todavia, em certas hipóteses, a liberdade de crença e de convicção filosófica precisa ser ponderada com outros direitos, entre os quais a vida e a saúde. A obrigatoriedade de tomar vacinas testadas, aprovadas e registradas pelas autoridades competentes é uma dessas situações. No caso em que estiverem em jogo direitos fundamentais de terceiros ou de toda a coletividade, a decisão do indivíduo de se submeter ou não a uma medida sanitária não produz efeitos apenas sobre a sua esfera jurídica, mas também sobre a de outras pessoas, que não necessariamente compartilham das mesmas ideias. A obrigatoriedade da vacinação está prevista em alguns diplomas legais vigentes de longa data, como a Lei 6.259/1975 (Programa Nacional de Imunizações), a Lei 6.437/1977 (relativa às infrações à legislação sanitária federal) e a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Tal previsão jamais foi reputada inconstitucional. Mais recentemente, a Lei 13.979/2020 (referente às medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19), de iniciativa do Poder Executivo, instituiu comando na mesma linha. Ademais, diversos fundamentos justificam a legitimidade do caráter compulsório de vacinas quando existentes consenso científico e registro nos órgãos de vigilância sanitária, entre os quais: a) o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade (dignidade como valor comunitário); b) a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros (necessidade de imunização coletiva); e c) o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos (melhor interesse da criança). No caso, trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que determinou que pais veganos submetessem o filho menor às vacinações qualificadas como obrigatórias pelo Ministério da Saúde, a despeito de suas convicções filosóficas. Com o entendimento acima exposto, o Plenário, por unanimidade, apreciando o Tema 1.103 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário. (1) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (...) VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;” (2) CF: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) V – o pluralismo político.” ARE 1267879/SP, relator Min. Roberto Barroso, julgamento em 16 e 17.12.2020

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