sexta-feira, 31 de outubro de 2025

"Nos casos em que inexistir vínculo prévio de convivência ou afinidade com membros da família extensa e houver a formação de laço socioafetivo consistente com a família substituta, aliado à demonstração de cuidados adequados às necessidades da criança, deve prevalecer a manutenção de guarda com esta última, em observância ao princípio do melhor interesse da criança"

 


Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 18/8/2025, DJEN 22/8/2025.

Ramo do Direito

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema
 

Guarda provisória. Prioridade da família extensa. Princípio não absoluto. Análise do caso concreto. Família substituta. Laço sociafetivo e cuidados adequados. Guarda mantida. Prevalência do melhor interesse da criança.

Destaque

Nos casos em que inexistir vínculo prévio de convivência ou afinidade com membros da família extensa e houver a formação de laço socioafetivo consistente com a família substituta, aliado à demonstração de cuidados adequados às necessidades da criança, deve prevalecer a manutenção de guarda com esta última, em observância ao princípio do melhor interesse da criança.

Informações do Inteiro Teor

A manutenção da criança no seio de sua família biológica ou extensa tem razão de ser nas situações em que é adequada a preservação do laço socioafetivo anteriormente criado.

No caso, trata-se de criança nascida prematuramente, acometida por múltiplas comorbidades decorrentes do uso abusivo de drogas por sua genitora durante a gestação, circunstância que motivou sua inclusão em acolhimento institucional, posteriormente convertida em guarda provisória deferida a família acolhedora, com a qual permaneceu durante quase todo o seu primeiro ano de vida, sem quaisquer registros de condutas desabonadoras. Contudo, após a revogação da guarda provisória e a entrega da criança a sua tia-avó, verificaram-se recorrentes episódios de agravamento no estado de saúde da menor, aparentemente relacionados à ausência dos cuidados necessários à sua condição.

Insta pontuar que, é duvidosa a classificação da tia-avó como família extensa, tendo em vista a inexistência pretérita de convivência ou afinidade, segundo o disposto no art. 25, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Todavia, no que se refere à família substituta, o casal conviveu com a criança por basicamente todo seu primeiro ano de vida, construindo forte relação socioafetiva e prestando todos os cuidados necessários a sua especial condição de saúde.

Com efeito, mostrou-se inexistir alinhamento entre o melhor interesse da criança - de saúde delicadaa, e a sua retirada, abruptamente, do seio da família regularmente constante do cadastro de adoção e com a qual ela passou quase integralidade do seu primeiro ano de vida, para entregá-la a uma parente distante que, de forma incontroversa, por duas oportunidades, opôs resistência a tal entrega.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar em recente precedente a respeito da necessidade de se buscar sempre o melhor interesse da criança e não do adotante, sendo necessário analisar o caso concreto e não aplicar o princípio da prioridade da família natural ou extensa de modo absoluto (HC 933.391/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN 18/3/2025).

Neste contexto, considerando que a criança esteve durante a quase totalidade do seu primeiro ano de vida com a família substituta, o que indica a afinidade e afetividade mencionadas no art. 28, § 3º do ECA. E que qualquer relação existente com a tia-avó só foi criada a partir da decisão judicial a qual retirou de modo abrupto a guarda provisória do casal. Pode-se concluir que o melhor interesse da criança será atendido com a sua permanência, a título de guarda provisória, com a família substituta.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

"A reprodução de fato de relevância pública, ainda que sensível, quando feita em contexto acadêmico, de boa-fé, com finalidade científica, sem promover acusação pessoal, não configura abuso de direito nem enseja responsabilização civil"

 


Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/8/2025, DJEN 19/8/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Direito à informação. Artigo científico. Acusação feita por terceiro. Pedido de retirada. Carta postada em rede social. Matéria amplamente divulgada. Proteção à honra e à imagem. Colisão de direitos fundamentais. Prevalência da divulgação de conteúdo informativo e didático.

Destaque

A reprodução de fato de relevância pública, ainda que sensível, quando feita em contexto acadêmico, de boa-fé, com finalidade científica, sem promover acusação pessoal, não configura abuso de direito nem enseja responsabilização civil.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia em verificar a eventual responsabilização civil de autoras de artigos científicos que mencionarem, em suas obras, acusação de crime, feita por terceiro em rede social, sem posterior comprovação da veracidade dessa imputação.

No caso analisado, uma mulher fez uma postagem em mídia social relatando que sofreu diversos tipos de crimes de violência de gênero por parte de seu antigo professor universitário e então empregador, motivo pelo qual decidiu retirar a própria vida. Pouco tempo depois da postagem, ela cometeu suicídio.

Posteriormente, a publicação, que citava expressamente o nome do acusado, foi retirada da mídia social. Todavia, o conteúdo da mensagem já havia se difundido nas redes sociais, chegando a diversos meios de comunicação, inclusive livro eletrônico.

Ocorre que não foram comprovadas as acusações feitas. Por essa razão, o professor requereu a exclusão de qualquer menção, direta ou indireta, ao episódio, com nova publicação do livro e retirada de circulação da versão original, entre diversos outros pedidos reparatórios.

As liberdades de informação, de expressão e de imprensa, conquanto garantias essenciais ao regime democrático, não autorizam o abuso. São vedadas, por exemplo, críticas com propósito exclusivo de atacar a honra ou a imagem de terceiros, desprovidas de interesse público legítimo.

Para o direito à informação, não se exige uma verdade absoluta, mas sim uma versão séria e honestamente construída dos acontecimentos, obtida por meio de apuração diligente. A responsabilização, nesse campo, decorre da negligência na verificação dos fatos ou da intenção deliberada de propagar falsidade.

É preciso distinguir os contornos jurídicos da liberdade de expressão quando exercida pela imprensa - notadamente por veículos jornalísticos - daqueles aplicáveis à produção acadêmica, sendo esses últimos especialmente representados pelos artigos científicos.

O interesse público, que já é presumido na divulgação de informações verídicas pela imprensa, quando divulgado com fins acadêmicos, torna-se ainda mais latente, em razão de sua função intelectual, didática e não lucrativa.

O Tema n. 995/STF, embora traga parâmetros relevantes sobre a responsabilização por reprodução de imputações falsas feitas por terceiros, não se aplica de forma automática ou integral à situação em comento, pois se discute menções feitas em produção científica voltada à análise crítica de fenômenos sociais.

Assim, embora o precedente tenha como foco a atuação jornalística, a lógica subjacente da exigência de má-fé para fins de responsabilização civil também pode ser aplicada analogicamente à hipótese, respeitadas as especificidades da atividade científica. Nesse sentido, se para fins jornalísticos, a replicação de informação dada por terceiro gera a responsabilidade da empresa jornalística de indenizar se comprovada a má-fé, somente poderia um pesquisador ser responsabilizado por citar uma afirmação feita por terceiro se houver prova inequívoca da má-fé.

Dessa forma, a simples replicação de manifestação alheia não configura abuso do direito de informação nem autoriza a responsabilização civil dos autores de artigo científico.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

"A proteção autoral exige a identificação do autor, sendo que a ausência de assinatura ou comprovação de autoria impede o exercício dos direitos patrimoniais decorrentes da obra" (REsp 2.196.790-DF)

 


Processo

REsp 2.196.790-DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/8/2025, DJEN 25/8/2025.

Ramo do Direito

DIREITO AUTORAL

Tema

Direito autoral. Obra não assinada. Anonimato. Direitos patrimoniais. Comprovação da autoria. Necessidade.

Destaque

A proteção autoral exige a identificação do autor, sendo que a ausência de assinatura ou comprovação de autoria impede o exercício dos direitos patrimoniais decorrentes da obra.

Informações do Inteiro Teor

No Brasil, é facultativo o registro de obras literárias e artísticas em geral. A lei não exige essa condição, mas é indispensável que o autor indique que a obra tem um dono, que tem um criador. É a chamada obra assinada, que se diferencia da obra anônima.

O fato de uma determinada obra, ou o seu conjunto, não estar assinada ou gravada ao nome do autor não diminui nem isenta a proteção que lhe é dada pelo ordenamento jurídico. Ao contrário, mesmo que a obra seja apresentada pelo pseudônimo do seu criador, este tem o direito de defendê-la, revelar sua autoria e usufruir das garantias estabelecidas pela lei.

Ambas as categorias são objeto de proteção, pois caberá a quem publicá-las o exercício dos direitos patrimoniais do autor. E quando o autor se revelar ou tornar-se conhecido, assumirá o exercício dos direitos patrimoniais, ressalvados os direitos adquiridos por terceiros (art. 40, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.610/1998).

As obras não assinadas se enquadram na categoria de anônimas. Sendo que a proteção jurídica do anonimato e eventuais direitos sobre a obra anônima incidem a partir do momento em que o autor se torna conhecido. O STJ já se pronunciou sobre a impossibilidade de proteção da obra intelectual, sob o ângulo do direito autoral, se o seu autor não for identificado.

Portanto, sem a assinatura ou o registro da obra, e sem conseguir comprovar sua autoria pelos meios ordinários processuais de prova, a parte não pode auferir os lucros originados pela obra.

domingo, 26 de outubro de 2025

Indicação de livro: "Código da Propriedade Industrial: conforme os tribunais" (vol. 1, 2ª ed.), de Pedro Marcos Nunes Barbosa e Denis Borges Barbosa (Lumen Juris)

 


“Nesta alentada obra os autores tratam do Código de Propriedade Industrial e da interpretação dos Tribunais com referência à doutrina aplicável e mais: trazem à tona o debate pertinente a cada instituto sujeito à disciplina legal apropriada. (...) É trabalho único de estudo e reflexão corajosa acerca do Código de Propriedade Industrial e dos institutos jurídicos de PI em que cada um dos autores, ao seu modo de análise, interpreta a norma e o tratamento judicial do direito, num dueto harmônico”.

Gloria Marcia Percinoto
Professora Adjunta de Direito Comercial da UERJ. Procuradora de Justiça Aposentada do Estado do Rio de Janeiro.

https://lumenjuris.com.br/propriedade-intelectual-e-direitos-autorais/codigo-da-propriedade-industrial-volume-1-patentes-2a-ed--2025-4743/p

sábado, 25 de outubro de 2025

"A imunidade material dos parlamentares — que os torna invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos — afasta qualquer pretensão indenizatória em face do ente público, na medida em que consubstancia excludente da responsabilidade civil objetiva estatal" (RE 632.115/CE)

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – PODER LEGISLATIVO; IMUNIDADE PARLAMENTAR; LIMITES E ABRANGÊNCIA; SEPARAÇÃO DOS PODERES

DIREITO ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO; EXCLUDENTES

 

Responsabilidade civil objetiva do Estado por atos protegidos pela imunidade parlamentar RE 632.115/CE (Tema 950 RG

 

ODS16

 

Tese fixada:

            “1. A imunidade material parlamentar (art. 53, caput, c/c art. 27, § 1º, e art. 29, VIII, CF/1988) configura excludente da responsabilidade civil objetiva do Estado (art. 37, § 6º, CF/1988), afastando qualquer pretensão indenizatória em face do ente público por opiniões, palavras e votos cobertos por essa garantia. 2. Nas hipóteses em que a conduta do parlamentar extrapolar os limites da imunidade material, eventual responsabilização recairá de forma pessoal, direta e exclusiva sobre o próprio parlamentar, sob o regime de responsabilidade civil subjetiva.”

 

Resumo:

            A imunidade material dos parlamentares — que os torna invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos — afasta qualquer pretensão indenizatória em face do ente público, na medida em que consubstancia excludente da responsabilidade civil objetiva estatal.

            O parlamentar, enquanto agente político, exerce função de natureza eminentemente política, gozando de independência e autonomia. Nesse contexto, responsabilizar o Estado por atos integralmente cobertos pela imunidade material comprometeria a separação de Poderes e a autonomia do Poder Legislativo, além de interferir na liberdade de expressão parlamentar.

            Já nas situações em que se abusa da garantia institucional conferida ao Parlamento, a responsabilização é subjetiva, conforme previsto no Código Civil (1), exigindo-se a demonstração de culpa ou dolo na prática do ato ilícito (2). Assim, se causar danos por ofensas sem relação com o mandato ou por uso abusivo ou fraudulento de prerrogativas constitucionais, o parlamentar estará sujeito à responsabilidade civil subjetiva (3).

            Na espécie, o Tribunal de Justiça do Ceará reconheceu a responsabilidade civil objetiva do estado, condenando-o ao pagamento de indenização por dano moral causado por pronunciamento de deputado estadual na tribuna da respectiva Assembleia Legislativa, no contexto de críticas dirigidas à Administração Municipal de Canindé/CE.

            Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 950 da repercussão geral, (i) deu provimento ao recurso extraordinário para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial e (ii) fixou a tese anteriormente citada.

 

(1) CC/2002: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

(2) Precedente citado: RE 405.386.

(3) Precedente citado: ARE 1.422.919 AgR.

 

RE 632.115/CE, relator Ministro Luís Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 26.09.2025 (sexta-feira), às 23:59

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

"A utilização de imagem de pessoa pública em matéria jornalística, sem invasão da sua vida privada, ainda que apresentada em tom de crítica, não gera dano indenizável" (AgInt nos EDcl no REsp 1.824.219-SP)

 


Processo

AgInt nos EDcl no REsp 1.824.219-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por maioria, julgado em 19/8/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL

Tema

Montagem fotográfica. Capa de revista. Direito à informação. Pessoas públicas e notórias. Direitos da personalidade reduzidos. Danos morais. Não configuração.

    Destaque

    A utilização de imagem de pessoa pública em matéria jornalística, sem invasão da sua vida privada, ainda que apresentada em tom de crítica, não gera dano indenizável.

    Informações do Inteiro Teor

    A controvérsia cinge-se à verificação de eventual dano indenizável decorrente da publicação, na capa de revista, de montagem que retrata autoridade pública como se estivesse trajando vestimenta típica de presidiário.

    A primazia da liberdade de expressão, garantia constitucional e corolário da democracia, decorre de sua dupla função: a) não oferecer obstáculo ao livre exercício do pensamento e da transmissão de informações, opiniões e críticas; e b) tutelar o direito do público ao conhecimento de informações de interesse coletivo.

    Quando se trata de pessoa pública ou notória, a esfera de proteção dos direitos à personalidade é reduzida, considerando-se a primazia do controle e da fiscalização de seus atos pela população.

    Dessa forma, as matérias jornalísticas baseadas em fatos verídicos ou ao menos verossímeis - mas não necessariamente incontroversos -, ainda que delas constem manifestações severas, irônicas, impiedosas, por si sós, não ensejam dano indenizável.

    Por outro lado, é importante frisar que a liberdade dos veículos de comunicação não é direito absoluto, podendo seu exercício ser considerado abusivo se forem ultrapassados os limites da ética e da boa-fé e houver desrespeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. A propósito, consolidou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, quanto às limitações à liberdade de expressão, de informação, de opinião e de crítica jornalística, devem ser observados: "(I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)" (REsp n. 801.109/DF, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2012, DJe de 12/3/2013).

    Assim, embora seja dispensável que os fundamentos da matéria jornalística refiram-se a fatos incontroversos, isso não desobriga a imprensa de adotar postura diligente e cuidadosa na averiguação e divulgação das notícias, analisando elementos objetivos e pautando-se pelo dever de veracidade, sob pena de manipular ilegalmente a opinião pública. Em suma, considera-se legítimo o exercício da liberdade de imprensa se o conteúdo da notícia for verdadeiro ou ao menos verossímil e sua divulgação for de interesse público, devendo ser preservados os direitos da personalidade daquele que foi exposto pela mídia.

    No caso, considerando que o dano à imagem apura-se a partir das particularidades do caso concreto e do confronto entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, a capa de revista que exibe montagem de foto de autoridade pública em traje típico de presidiário, por si só, não caracteriza dano à imagem indenizável.

    quarta-feira, 22 de outubro de 2025

    "A recusa da renovação de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, é abusiva e ofende os princípios da boa-fé objetiva e da confiança" (AgInt no REsp 2.015.204-SP)

     


    Processo

    AgInt no REsp 2.015.204-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 12/8/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL

    Tema

    Seguro de vida individual. Renovações sucessivas por longo período. Cancelamento unilateral. Abusividade. Princípios da boa-fé objetiva e da confiança.

    Destaque

    A recusa da renovação de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, é abusiva e ofende os princípios da boa-fé objetiva e da confiança.

    Informações do Inteiro Teor

    A questão em discussão consiste em saber se a recusa da renovação de contrato de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, configura prática abusiva, em violação aos princípios da boa-fé objetiva e da confiança.

    No caso, o contrato de seguro de vida individual mantido pelo segurado foi cancelado de forma unilateral pela seguradora, após mais de duas décadas de renovações sucessivas e automáticas.

    Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "se o consumidor contratou, ainda jovem, o seguro de vida oferecido pela recorrida e se esse vínculo vem se renovando desde então, ano a ano, por mais de trinta anos, a pretensão da seguradora de modificar abrutamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo" (REsp n. 1.073.595/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 23/3/2011, DJe de 29/4/2011).

    Ademais, a Quarta Turma do STJ já decidiu que, mesmo em contratos de seguro de vida em grupo, a longa duração do vínculo contratual impede que a seguradora modifique abruptamente as condições da apólice ou se recuse a renová-la (AgInt no REsp n. 1.537.916/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2018, DJe de 29/6/2018).

    Assim, considera-se abusiva a recusa da renovação de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas.

    segunda-feira, 20 de outubro de 2025

    "Para que se configure o dever de indenizar por danos morais em razão do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, a pessoa que se sentiu afetada pelo acidente ocorrido deve comprovar, concretamente, ter havido ofensa, em caráter individual, aos seus direitos da personalidade, mediante demonstração de abalo psíquico, perturbação emocional relevante ou sofrimento pessoal grave, não sendo suficiente a mera alegação de transtornos genéricos devido ao aumento do percurso de trabalho como motorista profissional e à precariedade das vias de acesso durante cerca de dois meses" (REsp 2.198.056-MG)

     


    Processo

    REsp 2.198.056-MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 19/8/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO AMBIENTAL, DIREITO CIVIL

    Tema

    Danos morais. Rompimento de barragem em Brumadinho/MG. Motorista de ônibus. Alteração temporária no trajeto de trabalho e dificuldades operacionais. Dano moral não configurado.

    Destaque

    Para que se configure o dever de indenizar por danos morais em razão do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, a pessoa que se sentiu afetada pelo acidente ocorrido deve comprovar, concretamente, ter havido ofensa, em caráter individual, aos seus direitos da personalidade, mediante demonstração de abalo psíquico, perturbação emocional relevante ou sofrimento pessoal grave, não sendo suficiente a mera alegação de transtornos genéricos devido ao aumento do percurso de trabalho como motorista profissional e à precariedade das vias de acesso durante cerca de dois meses.

    Informações do Inteiro Teor

    A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece que a responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, baseada na teoria do risco integral, não dispensando a comprovação do dano, a fim de garantir às supostas vítimas a indenização pleiteada.

    Na origem, trata-se de pedido de reparação de danos morais decorrentes do rompimento de barragem de rejeitos de mineração da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, fato ocorrido no dia 25 de janeiro de 2019. Relata o motorista de ônibus que, em razão do rompimento, foi obrigado, por dois meses, a fazer baldeação pela ponte de Melo Franco, em condições precárias, o que teria acarretado o aumento da sua jornada de trabalho diária, além de profundo estresse. Afirma, ainda, que recebe horas extras devido ao aumento de tempo gasto e recebe o auxílio emergencial concedido pela recorrente.

    Para que haja dever de indenizar por danos morais, em virtude do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, a pessoa que se sentiu afetada pelo acidente ocorrido deve comprovar, concretamente, ter havido ofensa, em caráter individual, aos seus direitos de personalidade.

    Danos ambientais e morais coletivos, como a alteração da rotina, que inevitavelmente ocorreram, de uma forma ou de outra, para todos os que residem ou trabalham próximo ao local do acidente, devem ser discutidos em outras vias, administrativas e judiciais, pelas entidades a tanto legitimadas.

    No caso, o autor não alegou ter sofrido abalo psíquico, perturbação emocional relevante ou sofrimento pessoal grave, limitando-se a relatar transtornos genéricos devido ao aumento do percurso de trabalho como motorista profissional e à precariedade das vias de acesso durante cerca de dois meses, o que não caracteriza prejuízo de ordem moral.

    domingo, 19 de outubro de 2025

    Indicação de livro: "Direito Tributário e Direito Privado", coordenada por Sergio André Rocha e Carlos Nelson Konder (Casa do Direito)

     


    O Direito Privado e o Direito Tributário têm ligações inquestionáveis, as quais foram disciplinadas normativamente nos artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional. Este volume traz um conjunto de artigos interdisciplinares, elaborados por professores e pesquisadores das duas disciplinas. O livro teve origem em matéria do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ministrada pelos Professores Titulares Carlos Nelson Konder e Sergio André Rocha, e inclui artigos que buscaram analisar não só a relação entre o Direito Privado e o Direito Tributário, segundo o disposto no CTN, mas também conceitos e institutos que são relevantes nos dois campos de estudo.

    https://www.editoracasadodireito.com.br/direito-tributario-e-direito-privado

    sábado, 18 de outubro de 2025

    "É constitucional — e não ofende os princípios da isonomia (CF/1988, art. 5º, caput), da liberdade religiosa (CF/1988, art. 5º, VI a VIII) e da laicidade estatal (CF/1988, art. 19, I) — norma estadual que permite a aquisição e a manutenção de exemplares da Bíblia Sagrada no acervo das bibliotecas públicas. O que é vedado ao legislador é obrigar (determinar) que se adquiram e/ou se mantenham livros religiosos em espaços públicos" (ADI 5.255)

     

    DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; LIBERDADE RELIGIOSA; LAICIDADE ESTATAL; BÍBLIA SAGRADA; ACERVO DAS BIBLIOTECAS PÚBLICAS

     

    Bíblia Sagrada: inclusão no acervo de bibliotecas públicas estaduais ADI 5.255/RN 

     

    ODS: 4 e 16

     


    Resumo:                                                 

    É constitucional — e não ofende os princípios da isonomia (CF/1988, art. 5º, caput), da liberdade religiosa (CF/1988, art. 5º, VI a VIII) e da laicidade estatal (CF/1988, art. 19, I) — norma estadual que permite a aquisição e a manutenção de exemplares da Bíblia Sagrada no acervo das bibliotecas públicas. O que é vedado ao legislador é obrigar (determinar) que se adquiram e/ou se mantenham livros religiosos em espaços públicos.

    A jurisprudência desta Corte vem se consolidando pela impossibilidade de normas estaduais que preveem a obrigatoriedade da presença de exemplares da Bíblia em espaços públicos, tais como escolas e bibliotecas, compreendendo pela posição de estrita neutralidade axiológica do Estado brasileiro em matéria confessional (1). Contudo, a Constituição Federal de 1988 adota o modelo de “laicidade colaborativa”, sem hostilidade às diversas confissões (2).

    Nesse contexto, não se pode impedir, sob o fundamento de um pretenso laicismo, que a Bíblia ou qualquer outro livro considerado sagrado ou religioso seja adquirido ou conste nos acervos de bibliotecas ou espaços públicos. Não se pode desconsiderar que os principais textos religiosos moldaram grande parte da cultura mundial e que as obras religiosas contribuíram sobremaneira ao desenvolvimento das diversas áreas de conhecimento das ciências.

    Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria e nos termos do voto médio do Ministro Cristiano Zanin, julgou parcialmente procedente a ação para conferir interpretação conforme a Constituição aos dispositivos da Lei nº 8.415/2003 do Estado do Rio Grande do Norte (3), para permitir (e não obrigar) o ente federado a adquirir e manter a Bíblia Sagrada em bibliotecas públicas.

     

    (1) Precedentes citados: ADI 5.258 e ADI 5.256, bem como ARE 1.014.615 (decisão monocrática).

    (2) Precedente citado: ARE 1.249.095 (Tema 1.086 RG).

    (3) Lei nº 8.415/2003 do Estado do Rio Grande do Norte: “Art. 1º Fica determinada a inclusão, no acervo de todas as bibliotecas públicas do Estado do Rio Grande do Norte, pelo menos, dez exemplares da Bíblia Sagrada, sendo quatro delas em linguagem Braile. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

     

    ADI 5.255/RN, relator Ministro Nunes Marques, redator do acórdão Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado em 26.09.2025 (sexta-feira), às 23:59

    sexta-feira, 17 de outubro de 2025

    "É possível a manutenção do pagamento de pensão alimentícia por prazo indeterminado, na hipótese em que o ex-marido, mesmo exonerado, optou voluntariamente por continuar realizando o pagamento de alimentos por duas décadas, em razão da configuração dos institutos da supressio para o alimentante, que deixou de exercer seu direito de cessar os pagamentos, e da surrectio para a alimentanda diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-cônjuge"

     


    Processo

    Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025, DJEN 27/6/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL

    Tema
     

    Ação de exoneração de alimentos. Alimentos entre ex-cônjuges. Pagamento de pensão alimentícia por mais de duas décadas após o termo final da obrigação. Liberalidade. Expectativa legítima de continuidade da prestação. Supressio configurada.

    Destaque

    É possível a manutenção do pagamento de pensão alimentícia por prazo indeterminado, na hipótese em que o ex-marido, mesmo exonerado, optou voluntariamente por continuar realizando o pagamento de alimentos por duas décadas, em razão da configuração dos institutos da supressio para o alimentanteque deixou de exercer seu direito de cessar os pagamentos, e da surrectio para a alimentanda diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-cônjuge.

      Informações do Inteiro Teor

      Cinge-se a controvérsia em decidir se o pagamento de pensão alimentícia pelo ex-marido, por mais de duas décadas após o termo final da obrigação, configura a incidência do instituto da supressio, fazendo nascer para a ex-esposa a expectativa legítima de continuidade da prestação, em homenagem à boa-fé objetiva.

      A confiança, no contexto das relações privadas, desempenha papel fundamental ao assegurar proteção qualificada ao comportamento humano, sendo expressão concreta da solidariedade social constitucionalmente albergada. Essa confiança impõe a todos o dever jurídico de não frustrar, injustificadamente, as legítimas expectativas de terceiros. No âmbito das relações familiares, a noção de confiança deve ser especialmente protegida, de forma que as condutas contrárias à confiança serão, em regra, também contrárias à boa-fé objetiva.

      A tutela da confiança assume relevância ética nas relações privadas ao proibir comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium) e ao reconhecer efeitos decorrentes da inércia prolongada (supressio) ou da prática constante (surrectio). Tais figuras jurídicas operam como mecanismos de estabilização das expectativas, impedindo mudanças abruptas de conduta que contrariem a confiança anteriormente depositada.

      Identifica-se a supressio como a perda de determinada faculdade jurídica em razão do não exercício prolongado desse direito, o que leva ao seu esvaziamento. Em contrapartida, a surrectio consiste no surgimento de uma vantagem para determinada pessoa, justamente porque a outra parte deixou de exercer o direito ao qual faria jus, criando, assim, a expectativa de que esse direito não mais seria reivindicado futuramente.

      supressio aproxima-se, sem dúvida, do venire contra factum proprium, pois ambas as figuras atuam como fatores de preservação da confiança alheia. Mas dele se diferencia primordialmente pois, enquanto no venire, a expectativa do outro decorre de uma conduta ativa anterior, que não pode ser desmentida posteriormente; na supressio, a expectativa nasce da omissão prolongada do titular do direito, cuja inércia, associada a elementos objetivos que indiquem o desuso, conduz à convicção de que tal direito não será mais exercido.

      Assim, a inércia prolongada do credor de alimentos em promover a execução da pensão em débito pode gerar, no devedor, a legítima expectativa de que a prestação não é mais necessária, conduzindo à estabilização da situação de inadimplemento. Em sentido inverso, o alimentante que, mesmo exonerado, opta voluntariamente por continuar realizando os pagamentos, conduz ao alimentando a expectativa de continuidade da prestação, a qual pode tornar-se juridicamente relevante, especialmente diante da reiterada e sistemática manifestação de vontade.

      A aplicação da boa-fé no âmbito do Direito de Família reforça a dimensão ética e funcional da confiança, reafirmando seu papel como vetor interpretativo e integrativo. A eventual violação de justa expectativa deverá ser verificada na situação em concreto, devendo o julgador buscar a melhor forma de concretização das expectativas e esperanças criadas no ambiente familiar.

      O caráter de transitoriedade dos alimentos entre ex-cônjuges parece traduzir o conteúdo da boa-fé objetiva, uma vez que deve a obrigação alimentar garantir o fornecimento de auxílio material ao cônjuge depreciado em razão de sua vulnerabilidade social e econômica, até que possa retomar sua autonomia financeira.

      Os alimentos transitórios não serão cabíveis, entretanto, quando as necessidades são permanentes, em decorrência da incapacidade perene do alimentando de promover seu próprio sustento.

      A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a perenidade da obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges em situações excepcionais, como na impossibilidade prática de reinserção do alimentando no mercado de trabalho; em hipótese de idade avançada do alimentando; ou de condição de saúde fragilizada.

      Dessa forma, constatando-se, na espécie, a incapacidade laboral do alimentando, saúde fragilizada, idade avançada ou qualquer impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho, ou de adquirir autonomia financeira, a pensão alimentícia entre ex-cônjuges poderá ser fixada por prazo indeterminado.

      No caso, é incontroverso que as partes se encontram divorciadas há mais de 30 (trinta anos), tendo firmado acordo para pagamento de pensão alimentícia pelo ex-marido à ex-esposa, correspondente a 5% dos seus rendimentos líquidos, além de pagamento de plano de saúde, pelo prazo de um ano. Referido acordo fora homologado judicialmente em 1993.

      Dois anos depois, as partes peticionaram nos autos da ação de divórcio requerendo a alteração do acordo, para que o pagamento da pensão alimentícia fosse prorrogado por prazo indeterminado. Embora não tenha o juízo conhecido do pedido, em razão da necessidade de ajuizamento de ação própria, o ex-marido permaneceu alcançando a pensão alimentícia à ex-esposa por mais de 25 (vinte e cinco) anos, até o ajuizamento da ação de exoneração, em julho de 2018.

      O fato de a ex-esposa ter recebido pensão alimentícia por mais de 25 (vinte e cinco) anos, no entanto, não demonstra sua inércia em retomar a independência financeira. Do contrário, a inércia do ex-marido em permanecer realizando os pagamentos mensais acordados por longo período, mesmo que exonerado, provocou na alimentanda a expectativa de que o direito de exoneração não seria mais por ele exercida.

      Portanto, evidencia-se, da conduta do alimentante, o instituto da supressio, visto que deixou de exercer seu direito de cessar o pagamento dos alimentos por mais de duas décadas, conduzindo à estabilização da situação de fato. Lado outro, surge para a alimentanda a surrectio, diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-marido.

      Com efeito, o alimentante que, mesmo exonerado, opta voluntariamente por continuar realizando os pagamentos, conduz ao alimentando a expectativa de continuidade da prestação, a qual pode tornar-se juridicamente relevante, especialmente diante da reiterada e sistemática manifestação de vontade.

      Some-se a isso o fato de que a ex-esposa teve de abdicar de seu trabalho em razão de mudança da família para a cidade de Petrópolis, em função do emprego do ex-marido. A realidade vivenciada pelo casal ao tempo da constância da sociedade conjugal deve ser considerada quando da fixação da pensão alimentícia.

      Ademais, tendo em vista que a alimentanda é pessoa idosa, possui doença grave e se encontra impossibilitada de se reinserir no mercado de trabalho; e o alimentante aufere renda suficiente para permanecer cumprindo a obrigação constituída; deve-se manter o pagamento da pensão alimentícia por prazo indeterminado.

      quarta-feira, 15 de outubro de 2025

      “São inconstitucionais as leis que obrigam supermercados ou similares a fornecer gratuitamente sacolas ou embalagens para as compras, por violação do princípio da livre iniciativa (arts. 1º, inciso IV, e 170 da Constituição)” (ADI 7.719/PB)

       


      Fornecimento obrigatório e gratuito de embalagem ao consumidor no âmbito estadual - ADI 7.719/PB 

       

      ODS: 111213 e 16

       

      Tese fixada:

       “São inconstitucionais as leis que obrigam supermercados ou similares a fornecer gratuitamente sacolas ou embalagens para as compras, por violação do princípio da livre iniciativa (arts. 1º, inciso IV, e 170 da Constituição)”.

       

      Resumo:

      É inconstitucional — por violar o princípio da livre iniciativa (CF/1988, arts. 1º, IV, e 170) — lei estadual que impõe aos estabelecimentos comerciais a obrigação de fornecer gratuitamente sacolas ou embalagens para acondicionamento de produtos adquiridos pelos consumidores. 

      Segundo jurisprudência desta Corte (1), não são válidas as leis que, a pretexto de proteger o consumidor, impõem ônus desproporcionais à atividade empresarial, como a obrigatoriedade de prestação gratuita de serviços acessórios, em especial quando não se demonstram necessários à tutela de consumidores em situação de vulnerabilidade.

      Na espécie, a lei estadual impugnada obriga o fornecimento gratuito de embalagens sem especificar o tipo de material, inclusive quando biodegradável ou reutilizável. Embora não haja contrariedade direta aos princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente (CF/1988, arts. 170, VI e 225, caput, V e VI), ou o afastamento de práticas sustentáveis, ela interfere indevidamente na liberdade de organização da atividade econômica, ao impor obrigação que não se revela adequada nem necessária à proteção do consumidor (CF/1988, art. 5º, XXXII).

      Além disso, o fornecimento de embalagens constitui comodidade que pode ser ofertada pelo fornecedor como diferencial competitivo, de modo que sua gratuidade ou onerosidade deve ser definida no âmbito da liberdade contratual, conforme estratégia de mercado. Assim, a exigência legal, além de não atender ao princípio da vulnerabilidade do consumidor, representa prática equiparável à venda casada (2), ao embutir o custo das embalagens no preço dos produtos, independentemente da necessidade ou da vontade do consumidor.

      Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.771/2012 do Estado da Paraíba (3) e fixou a tese anteriormente citada.

       

      (1) Precedentes citados: RE 839.950 (Tema 525 RG) e ADI 907.

      (2) CDC/1990: “Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.”

      (3) Lei nº 9.771/2012 do Estado da Paraíba: “ Art. 1° Ficam os supermercados, hipermercados e demais estabelecimentos comerciais do Estado da Paraíba, obrigados a fornecer ao consumidor gratuitamente embalagens para acondicionamento de produtos comprados em seu comércio. Art. 2" A substituição de embalagem de natureza não sustentável ao meio ambiente, de material polietileno para os de material biodegradável ou reutilizável, não será motivação, em nenhuma hipótese, para a cobrança do fornecimento de recipiente que acondicione os produtos adquiridos pelo consumidor no estabelecimento comercial. Art. 3° O descumprimento a esta Lei acarretará ao infrator a sanção de 100 (cem) UFR/PB. Art. 4° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."

       

      ADI 7.719/DF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 18.08.2025 (segunda-feira), às 23:59