REsp 2.155.065-MG, rel. Ministra Nancy Andrighi, rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 11/3/2025.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Fraude perpetrada por terceiro. "Golpe do Motoboy". Compra, de modo parcelado, em loja física. Entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo consumidor. Responsabilidade civil de instituição financeira. Ausência. Nexo de causalidade. Inexistência. Defeito na prestação do serviço. Não configuração. Vulnerabilidade. Doença grave. Irrelevância. Culpa exclusiva do consumidor. Configuração.
Exclui-se a responsabilidade da instituição financeira por danos decorrentes de fraude praticada por terceiro, quando a compra, realizada em loja física, foi realizada com a entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo correntista, prática comumente conhecida como golpe do motoboy, caracterizando culpa exclusiva do consumidor, ainda que vulnerável em decorrência de doença grave.
Cinge-se a controvérsia em definir se a instituição financeira é responsável por danos decorrentes de fraude praticada por terceiros, quando a operação foi realizada com o cartão original e senha pessoal do correntista, prática comumente conhecida como "golpe do motoboy"; bem como em definir se é possível a mitigação da responsabilidade da consumidora diante do seu estado de vulnerabilidade decorrente de tratamento médico.
De acordo com a narrativa apresentada, a autora forneceu sua senha pessoal durante a ligação com suposto representante de seu banco e, posteriormente, entregou o seu cartão bancário a terceiro que se fez passar por prestador de serviço do banco demandado.
O dano decorrente da prática fraudulenta nomeada como "golpe do motoboy" afigura-se diante da concorrência das seguintes causas: (i) o fornecimento do cartão magnético original e da senha pessoal ao estelionatário por parte do consumidor, bem como (ii) a inobservância do dever de segurança pela instituição financeira em alguma das etapas da prestação do serviço.
Conforme entendimento enunciado na Súmula nº 479/STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Em tais casos, a responsabilidade da instituição financeira somente poderá ser afastada se comprovada a inexistência de defeito na prestação do serviço bancário ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, a teor do disposto no § 3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A responsabilidade da instituição financeira tem origem no defeito em alguma das etapas da prestação do serviço, a exemplo, (i) da guarda dos dados sigilosos do consumidor e (ii) do aprimoramento dos mecanismos de autenticação dos canais de relacionamento com o cliente e de verificação de anomalias nas operações que fujam do padrão do consumidor.
Vale também lembrar, conforme destacado na apreciação do Tema nº 466/STJ, que "(...) a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço" .
A partir de tais premissas, esta Terceira Turma firmou o entendimento de que, em regra, a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada na hipótese em que as transações contestadas são realizadas com o uso do cartão original, com "chip", e o uso de senha pessoal do correntista, ressalvada a comprovação de que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia.
Posteriormente, esta Terceira Turma julgou recurso que versou sobre hipótese semelhante ao "golpe do motoboy". Na ocasião, restou consignado que "(...) a entrega voluntária do cartão magnético e da senha pessoal a terceiro, ainda que não espontaneamente, não torna a instituição financeira responsável quando provada a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros", ou seja, a fraude praticada por terceiro não teria, a princípio, aptidão para afastar a culpa da vítima para o resultado danoso.
Na espécie, a consumidora, após ser convencida de que estava falando com representante do banco demandado, compartilhou seus dados bancários sigilosos, situação que deu ensejo à compra questionada.
A operação fraudulenta consistiu em uma única compra, de modo parcelado, realizada em loja física, com a utilização do cartão da recorrente, após a inserção de sua senha pessoal, dentro dos limites pré-aprovados. Tal contexto afasta a deficiência na prestação do serviço por parte do banco e aponta para a culpa exclusiva da consumidora.
Por fim, a vulnerabilidade da consumidora, que à época do ato fraudulento se encontrava em tratamento médico, não autoriza, isoladamente, a mitigação de sua responsabilidade quanto ao dever de cuidado de seus dados sigilosos e com o cartão de acesso à conta. Tal situação, a toda evidência, é capaz de gerar grave abalo no exercício das atividades cotidianas. Isso não significa, no entanto, que sua capacidade para os atos da vida civil possa ser desconsiderada de modo a mitigar sua responsabilidade pelo compartilhamento de dados bancários sigilosos.