segunda-feira, 7 de abril de 2025

"Exclui-se a responsabilidade da instituição financeira por danos decorrentes de fraude praticada por terceiro, quando a compra, realizada em loja física, foi realizada com a entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo correntista, prática comumente conhecida como golpe do motoboy, caracterizando culpa exclusiva do consumidor, ainda que vulnerável em decorrência de doença grave"

 


Processo

REsp 2.155.065-MG, rel. Ministra Nancy Andrighi, rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 11/3/2025.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Fraude perpetrada por terceiro. "Golpe do Motoboy". Compra, de modo parcelado, em loja física. Entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo consumidor. Responsabilidade civil de instituição financeira. Ausência. Nexo de causalidade. Inexistência. Defeito na prestação do serviço. Não configuração. Vulnerabilidade. Doença grave. Irrelevância. Culpa exclusiva do consumidor. Configuração.

Destaque

Exclui-se a responsabilidade da instituição financeira por danos decorrentes de fraude praticada por terceiro, quando a compra, realizada em loja física, foi realizada com a entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo correntista, prática comumente conhecida como golpe do motoboy, caracterizando culpa exclusiva do consumidor, ainda que vulnerável em decorrência de doença grave.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia em definir se a instituição financeira é responsável por danos decorrentes de fraude praticada por terceiros, quando a operação foi realizada com o cartão original e senha pessoal do correntista, prática comumente conhecida como "golpe do motoboy"; bem como em definir se é possível a mitigação da responsabilidade da consumidora diante do seu estado de vulnerabilidade decorrente de tratamento médico.

De acordo com a narrativa apresentada, a autora forneceu sua senha pessoal durante a ligação com suposto representante de seu banco e, posteriormente, entregou o seu cartão bancário a terceiro que se fez passar por prestador de serviço do banco demandado.

O dano decorrente da prática fraudulenta nomeada como "golpe do motoboy" afigura-se diante da concorrência das seguintes causas: (i) o fornecimento do cartão magnético original e da senha pessoal ao estelionatário por parte do consumidor, bem como (ii) a inobservância do dever de segurança pela instituição financeira em alguma das etapas da prestação do serviço.

Conforme entendimento enunciado na Súmula nº 479/STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Em tais casos, a responsabilidade da instituição financeira somente poderá ser afastada se comprovada a inexistência de defeito na prestação do serviço bancário ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, a teor do disposto no § 3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A responsabilidade da instituição financeira tem origem no defeito em alguma das etapas da prestação do serviço, a exemplo, (i) da guarda dos dados sigilosos do consumidor e (ii) do aprimoramento dos mecanismos de autenticação dos canais de relacionamento com o cliente e de verificação de anomalias nas operações que fujam do padrão do consumidor.

Vale também lembrar, conforme destacado na apreciação do Tema nº 466/STJ, que "(...) a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço" .

A partir de tais premissas, esta Terceira Turma firmou o entendimento de que, em regra, a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada na hipótese em que as transações contestadas são realizadas com o uso do cartão original, com "chip", e o uso de senha pessoal do correntista, ressalvada a comprovação de que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia.

Posteriormente, esta Terceira Turma julgou recurso que versou sobre hipótese semelhante ao "golpe do motoboy". Na ocasião, restou consignado que "(...) a entrega voluntária do cartão magnético e da senha pessoal a terceiro, ainda que não espontaneamente, não torna a instituição financeira responsável quando provada a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros", ou seja, a fraude praticada por terceiro não teria, a princípio, aptidão para afastar a culpa da vítima para o resultado danoso.

Na espécie, a consumidora, após ser convencida de que estava falando com representante do banco demandado, compartilhou seus dados bancários sigilosos, situação que deu ensejo à compra questionada.

A operação fraudulenta consistiu em uma única compra, de modo parcelado, realizada em loja física, com a utilização do cartão da recorrente, após a inserção de sua senha pessoal, dentro dos limites pré-aprovados. Tal contexto afasta a deficiência na prestação do serviço por parte do banco e aponta para a culpa exclusiva da consumidora.

Por fim, a vulnerabilidade da consumidora, que à época do ato fraudulento se encontrava em tratamento médico, não autoriza, isoladamente, a mitigação de sua responsabilidade quanto ao dever de cuidado de seus dados sigilosos e com o cartão de acesso à conta. Tal situação, a toda evidência, é capaz de gerar grave abalo no exercício das atividades cotidianas. Isso não significa, no entanto, que sua capacidade para os atos da vida civil possa ser desconsiderada de modo a mitigar sua responsabilidade pelo compartilhamento de dados bancários sigilosos.

domingo, 6 de abril de 2025

Indicação de livro: "Direito privado: estudos em homenagem ao Min. Paulo de Tarso Sanseverino", coordenado por Ana Frazão e Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (ed. Quartier Latin)

 


APRESENTAÇÃO: ANA FRAZÃO, MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: "Diante da extensão do legado intelectual do Ministro Sanseverino, foi necessário dividir a presente obra em dois volumes, sendo o primeiro deles dedicado ao direito civil, no qual o leitor poderá encontrar artigos nas áreas de contratos, danos morais, direitos reais, responsabilidade civil, família, doação e outros temas. Já o segundo volume abrange as áreas de direito empresarial, com artigos sobre contratos empresariais, societário, insolvência e recuperação de empresas e direito do consumidor e de processo civil e arbitragem."

https://www.amazon.com.br/Direito-Privado-Vol-Homenagem-Sanseverino/dp/6555752971/ref=sr_1_1?dib=eyJ2IjoiMSJ9.7fXDYcQ9dUsgLcM-__mWXNvRhJplXIA5KnUKNoqJrtk.Krf9oK2478savFuFgaPFW1ePLrI4iy-Umi7kWFfdu7o&dib_tag=se&keywords=%22Direito+privado%3A+estudos+em+homenagem+ao+Min.+Paulo+de+Tarso+Sanseverino%22%2C+coordenado+por+Ana+Fraz%C3%A3o+e+Min.+Ricardo+Villas+B%C3%B4as+Cueva+%28ed.+Quartier+Latin%29&qid=1743863895&sr=8-1&ufe=app_do%3Aamzn1.fos.a492fd4a-f54d-4e8d-8c31-35e0a04ce61e

sábado, 5 de abril de 2025

"É constitucional — por não configurar violação às cláusulas pétreas e por respeitar os limites formais e materiais da Constituição Federal de 1988 — a Emenda Constitucional nº 96/2017 (CF/1988, art. 225, § 7º), que estabelece que práticas desportivas com animais, como a vaquejada, não são consideradas cruéis, desde que sejam manifestações culturais registradas como patrimônio cultural imaterial e regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos"

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; DEVER ESTATAL DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DA CULTURA; VAQUEJADA

 

Prática da vaquejada: hipótese de manifestação cultural ADI 5.728/DF 

  

Resumo:

É constitucional — por não configurar violação às cláusulas pétreas e por respeitar os limites formais e materiais da Constituição Federal de 1988 — a Emenda Constitucional nº 96/2017 (CF/1988, art. 225, § 7º), que estabelece que práticas desportivas com animais, como a vaquejada, não são consideradas cruéis, desde que sejam manifestações culturais registradas como patrimônio cultural imaterial e regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, alçada ao status de direito fundamental. Entre as medidas previstas para garantir um ambiente equilibrado, o texto constitucional impõe ao poder público a obrigação de proteger a fauna e a flora, ao vedar, na forma da lei, práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade (1).

Por outro lado, também é garantido a todos o pleno exercício dos direitos culturais, ao determinar que é dever estatal apoiar e incentivar a valorização das manifestações culturais, além de proteger as expressões das culturas populares, indígenas, afro-brasileiras e de outros grupos que participam do processo civilizatório nacional (2).

Na espécie, a EC nº 96/2017 foi uma resposta legislativa à decisão desta Corte na ADI 4.983/CE (3), em que se declarou a inconstitucionalidade da vaquejada no Estado do Ceará, sob o fundamento da presunção de esta ser uma atividade cruel.

Essa nova regra constitucional instituiu um comando de tutela do bem-estar animal, o que contribui para que a participação de animais em práticas desportivas se harmonize ao direito a um meio ambiente equilibrado. Dessa forma, a norma não representa violação da cláusula pétrea relativa aos direitos e às garantias fundamentais, pois preservou a obrigação ético-jurídica de proteção ambiental, atribuída por expressa disposição constitucional ao poder público, ao mesmo tempo em que buscou compatibilizar as tradições culturais com o dever de proteger os animais contra qualquer ato que os submeta à crueldade.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação para assentar a constitucionalidade da EC nº 96/2017 (4).

 

(1) CF/1988: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público (...) VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

(2) CF/1988: “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.”

(3) Precedente citado: ADI 4.983.

(4) EC nº 96/2017: “Art. 1º O art. 225 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 7º: (...) ‘Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.’(NR) Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.”

 

ADI 5.728/DF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 14.03.2025 (sexta-feira), às 23:59

sexta-feira, 4 de abril de 2025

"Há direito de meação de crédito rural decorrente de valor pago a maior em contratação anuída e vencida no curso do casamento sob o regime da comunhão universal de bens, ainda que reconhecido retroativamente, após a separação judicial, para recomposição do patrimônio comum"

 


Processo

REsp 2.144.296-TO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/2/2025, DJEN 25/2/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Direito de família. Direito de crédito decorrente de expurgos inflacionários. Cédula rural pignoratícia firmada no curso do casamento. Regime da comunhão universal de bens. Direito à meação.

Destaque

Há direito de meação de crédito rural decorrente de valor pago a maior em contratação anuída e vencida no curso do casamento sob o regime da comunhão universal de bens, ainda que reconhecido retroativamente, após a separação judicial, para recomposição do patrimônio comum.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia consiste em decidir se a ex-esposa ostenta direito à meação de crédito decorrente de expurgos inflacionários reconhecido após a separação judicial, referente à cédula de crédito rural anuída e vencida durante o curso do casamento sob o regime da comunhão universal de bens.

Conforme dispõe o art. 1.667 do Código Civil (CC), o regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas respectivas dívidas passivas. Existe, pois, verdadeira confusão entre o patrimônio adquirido por cada um dos cônjuges, de modo que haverá apenas um único universo de bens de propriedade do casal, com atenção ao princípio da solidariedade.

Desse modo, realizada contratação de cédula de crédito bancário ou financiamento no curso do casamento pelo regime da comunhão universal de bens, ambos os cônjuges respondem pela dívida contraída, na qualidade de coobrigados.

A regra geral do regime de bens comunheiro, portanto, pressupõe o esforço comum do casal para a aquisição do patrimônio e cumprimento das obrigações, mesmo que assumidas por um dos cônjuges. A incomunicabilidade da dívida assumida por um do casal apenas ocorrerá se comprovado que não reverteu em benefício da família (AgRg no AREsp n. 427.980/PR, Quarta Turma, DJe 25/02/2014).

Na eventualidade de ser reconhecido direito de crédito em razão de pagamento a maior de cédula de crédito ou contrato de financiamento anuído e vencido no curso do casamento, ambos os cônjuges unidos pelo regime da comunhão universal farão jus à restituição dos valores, mesmo que firmada a obrigação por um deles, tendo em vista a natureza solidária do regime.

Outrossim, por ocasião da extinção da sociedade conjugal, faz-se necessária a partilha dos bens adquiridos durante a relação. Nesse sentido, o art. 1.576 do CC estabelece que a separação judicial põe termo ao regime de bens

No entanto, verificado direito de crédito retroativamente após a separação judicial, decorrente de contratação realizada no curso do casamento, ambos os ex-cônjuges terão igualmente direito à indenização do valor pago a maior no curso do relacionamento. Isso, pois, uma vez presumido o esforço comum na aquisição do patrimônio e, desse modo, reconhecida a corresponsabilidade pelas obrigações assumidas, ambos terão direito à indenização dos valores pagos à maior, para recomposição do patrimônio comum.

Do contrário, tal fato implicaria enriquecimento sem causa daquele que receberia sozinho os valores cujo fato gerador remonta ao período do casamento, uma vez que a cédula de crédito bancário fora firmada presumindo-se o esforço comum de ambos.

Assim, constatado direito de crédito decorrente de diferença de indexador de correção monetária de cédula de crédito ou financiamento anuído e quitado no curso do matrimônio, ambos os cônjuges farão jus ao recebimento dos valores, mesmo que reconhecido retroativamente, após a separação judicial. Pois, houvesse sido aplicado o índice de correção monetária entendido como correto à época da contratação, haveria a comunicação dos valores por ocasião da separação judicial do casal.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

"A cobrança de taxa condominial em condomínios atípicos é válida quando há contrato-padrão depositado em registro imobiliário com previsão de cobrança, ao qual o adquirente anuiu"

 


Processo

AgInt no AgInt no REsp 1.975.502-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/2/2025, DJEN 13/2/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Cobrança de taxa condominial. Condomínio de casas atípico. Contrato-padrão assinado e depositado em registro imobiliário. Anuência do adquirente. Validade da cobrança.

Destaque

A cobrança de taxa condominial em condomínios atípicos é válida quando há contrato-padrão depositado em registro imobiliário com previsão de cobrança, ao qual o adquirente anuiu.

Informações do Inteiro Teor

A questão em discussão consiste em saber se é possível a cobrança de taxa condominial de adquirente de imóvel em condomínio de casas atípico, sem a associação voluntária, considerando a existência de contrato-padrão com previsão de cobrança.

A jurisprudência consolidada do STJ permite a cobrança de taxas condominiais em condomínios atípicos quando há contrato-padrão depositado em registro imobiliário, com previsão de cobrança, ao qual o adquirente anuiu.

Isso porque, a discussão acerca da livre associação não se presta, por si só, para afastar a cobrança de taxa condominial em condomínios atípicos, mas "a manifestação de vontade de anuir ao encargo pode se perfectibilizar mediante contrato, por meio de adesão do proprietário aos termos constitutivos da associação de moradores, por intermédio de previsão na escritura pública de compra e venda do lote ou, ainda, do depósito em cartório do contrato-padrão contendo as obrigações no registro de imóveis, entre outros" (REsp n. 1.955.551/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 29/3/2022, DJe 31/3/2022).

Dessa forma, uma vez constatada a existência de contrato-padrão, assinado e depositado em registro imobiliário, com previsão de cobrança pela administradora do loteamento das despesas realizadas com obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura, afigura-se legitima a cobrança das taxas condominiais.