quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Escusa de consciência por motivo de crença religiosa e fixação de horários alternativos para realização de certame público ou para o exercício de deveres funcionais inerentes ao cargo público

 Nos termos do artigo 5º, VIII (1), da Constituição Federal é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada (Tema 386).

Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição Federal é possível à Administração Pública, inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada (Tema 1.021).

RESUMO
É possível a fixação de obrigações alternativas a candidatos em concursos públicos e a servidores em estágio probatório, que se escusem de cumprir as obrigações legais originalmente fixadas por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada.

A fixação de obrigações alternativas para a realização de certame público ou para aprovação em estágio probatório, em razão de convicções religiosas, não significa privilégio, mas sim permissão ao exercício da liberdade de crença sem indevida interferência estatal nos cultos e nos ritos [CF, art. 5º, VI (2)].
O fato de o Estado ser laico [CF, art. 19, I (3)] não lhe impõe uma conduta negativa diante da proteção religiosa. A separação entre o Estado brasileiro e a religião não é absoluta. O Estado deve proteger a diversidade em sua mais ampla dimensão, dentre as quais se inclua a liberdade religiosa e o direito de culto.
Nesse sentido, o papel da autoridade estatal não é o de remover a tensão por meio da exclusão ou limitação do pluralismo, mas sim assegurar que os grupos se tolerem mutuamente, principalmente quando em jogo interesses individuais ou coletivos de um grupo minoritário.
A separação entre religião e Estado, portanto, não pode implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo. O princípio da laicidade, em verdade, veda que o Estado assuma como válida apenas uma crença religiosa.
Nessa medida, ninguém deve ser privado de seus direitos em razão de sua crença ou descrença religiosa, salvo se a invocar para se eximir de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa (CF, art. 5º, VIII).
No caso, trata-se de dois temas de repercussão geral, apregoados em conjunto e que se referem às relações entre Estado e religião. No RE 611.874 (Tema 386 da repercussão geral), discute-se a possibilidade de realização de etapas de concurso em datas e locais diferentes dos previstos em edital por motivo de crença religiosa do candidato. Já no ARE 1.099.099 (Tema 1.021 da repercussão geral), discute-se o dever, ou não, de o administrador público disponibilizar obrigação alternativa para servidora, em estágio probatório, cumprir deveres funcionais, a que está impossibilitada em virtude de sua crença religiosa.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o RE 611.874 (Tema 386 da repercussão geral), negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do min. Edson Fachin, redator para o acórdão. Na mesma sessão de julgamento, ao julgar o ARE 1.099.099 (Tema 1.021 da repercussão geral), o Plenário, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do relator.
(1) CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”
(2) CF: “Art. 5º. (...) VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
(3) CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”
RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.11, 25.11 e 26.11.2020. (RE-611874)
ARE 1099099/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.11, 25.11 e 26.11.2020. (ARE-1099099)

1ª Parte: Vídeo
2ª Parte: Vídeo



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