terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento dos alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito

 

Processo

HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema

Alimentos decorrentes de ato ilícito. Natureza indenizatória. Prisão civil. Rito executivo próprio. Art. 533 do CPC/2015. Não cabimento.

Destaque

Não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento dos alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito.

Informações do Inteiro Teor

Os alimentos, de acordo com a causa de sua origem, podem ser classificados em três espécies, quais sejam, legítimos (devidos por força de vínculo familiar estabelecido em lei), voluntários/negociais (derivados de negócio jurídico) ou indenizatórios (em razão de ato ilícito).

O artigo 1.694 do atual Código Civil, seguindo a mesma linha da legislação civil anterior, foi expresso ao elencar como causas jurídicas do dever de prestar alimentos o parentesco natural/civil e o vínculo familiar criado por ocasião do casamento ou união estável.

Os alimentos decorrentes de ato ilícito, por sua vez, são considerados de forma expressa como indenização, conforme se verifica da leitura dos artigos 948, 950 e 951 do CC/2002.

Discute-se se o rito prescrito no art. 528 do CPC/2015, no capítulo intitulado "Do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos" - notadamente o respectivo §3º, segundo o qual se o executado não pagar no prazo assinado no caput, ou a justificativa apresentada não for aceita, o juiz "decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses" - tem aplicação às execuções de sentenças indenizatórias de ato ilícito.

Com base na distinção entre obrigação alimentar propriamente dita e obrigação de ressarcimento de prejuízo decorrente de ato ilícito, parte expressiva da doutrina sustenta que somente no primeiro caso (obrigações de direito de família) é cabível a prisão civil do devedor de obrigação de prestar alimentos. Esse entendimento é corroborado pela circunstância de que o o artigo 533 do CPC em vigor apresenta regra específica destinada a reger a execução de sentença indenizatória que incluir prestação de alimentos.

Observa-se que realmente, como acentua a doutrina que admite a prisão civil em relação a alimentos indenizatórios, o art. 528 do CPC/2015, assim como o art. 733 do CPC/1973, ao estabelecer a possibilidade de decreto de prisão em caso de não pagamento injustificado da pensão, não faz diferença entre a obrigação alimentar de direito de família e a decorrente de ato ilícito.

Todavia, é manifesta a distinção entre a obrigação de prestar alimentos derivada de vínculo familiar e a decorrente da condenação a compor os prejuízos causados por ato ilícito. Com efeito, os "alimentos" indenizatórios são arbitrados em quantia fixa, pois são medidos pela extensão do dano, de forma a ensejar, na medida do possível, o retorno ao status quo ante. Ao contrário, os alimentos civis/naturais devem necessariamente levar em consideração o binômio necessidade-possibilidade para a sua fixação, estando sujeitos à reavaliação para mais ou para menos, a depender das vicissitudes ocorridas na vida dos sujeitos da relação jurídica.

Cumpre ressaltar que o alargamento das hipóteses de prisão civil, para alcançar também prestação de alimentos de caráter indenizatório, chegando a se estender, no limite proposto por parte da doutrina, a todos os credores de salários e honorários profissionais, acaba por enfraquecer a dignidade excepcional, a força coercitiva extrema, que o ordenamento jurídico, ao vedar como regra geral a prisão por dívida, concedeu à obrigação alimentar típica, decorrente de direito de família, a qual, em sua essência, é sempre variável de acordo com as necessidades e possibilidades dos envolvidos.



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