DIREITO INTERNACIONAL – COOPERAÇÃO INTERNACIONAL; CONVENÇÃO DA HAIA; SUBTRAÇÃO INTERNACIONAL DE CRIANÇA; ASPECTOS CIVIS; MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA; PERSPECTIVA DE GÊNERO; INTERPRETAÇÃO CONFORME
Convenção da Haia de 1980: aspectos civis da subtração internacional de crianças e compatibilidade com a Constituição Federal de 1988 - ADI 4.245/DF e ADI 7.686/DF
Tese fixada:
“1. A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis da subtração internacional de crianças é compatível com a Constituição Federal, possuindo status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, por sua natureza de tratado internacional de proteção de direitos da criança. 2. A aplicação da Convenção no Brasil, à luz do princípio do melhor interesse da criança (art. 227, CF), exige a adoção de medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças. 3. A exceção de risco grave à criança, prevista no art. 13 (1) (b) da Convenção da Haia de 1980, deve ser interpretada de forma compatível com o princípio do melhor interesse da criança (art. 227, CF) e com perspectiva de gênero, de modo a admitir sua aplicação quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica, ainda que a criança não seja vítima direta.”
Resumo:
A “Convenção da Haia” é compatível com a Constituição Federal de 1988 e possui natureza supralegal. Sua interpretação e aplicação deve ser orientada pelo princípio do melhor interesse da criança (CF/1988, art. 227) e, especificamente nos casos de violência doméstica, adotar-se-á uma interpretação com perspectiva de gênero, ou seja, de proteção à mulher (CF/1988, arts. 1º, III; e 226, § 8º), admitindo-se sua aplicação ainda que a criança/adolescente não seja vítima direta das agressões.
A referida convenção concretiza normas constitucionais de proteção à infância (CF/1988, art. 227) e de proteção da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), de modo que sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro assume natureza supralegal, por ser um tratado internacional sobre direitos humanos (proteção de direitos da criança).
O texto dessa convenção deve, de modo geral, ser interpretado conforme o princípio do melhor interesse da criança e, no tocante à exceção de risco grave à criança (1), ser interpretado com perspectiva de gênero (2), para admitir sua aplicação quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica (alegações suficientemente fundamentadas), ainda que a criança/adolescente não seja vítima direta, visto que a exposição da mãe a situações de violência pode acarretar efeitos negativos no bem-estar do menor.
No contexto internacional, o Brasil tem sido percebido como um cumpridor deficitário da convenção devido à lentidão nos processos, o que compromete a eficácia das normas protetivas e a reputação do País. A demora contribui para a consolidação de novos vínculos no Estado de acolhimento, gerando prejuízos para as crianças.
Para combater essa morosidade, o STF determinou diversas medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças. Entre as iniciativas, destacam-se (i) a criação de um grupo de trabalho interinstitucional para elaborar uma resolução que assegure decisões em, no máximo, um ano; (ii) a concentração da competência em varas especializadas dos Tribunais Regionais Federais para uniformidade e agilidade; (iii) a implementação de selos de tramitação preferencial em sistemas eletrônicos; (iv) o fortalecimento da Autoridade Central Administrativa Federal com metas de desempenho; e (v) a celebração de acordos de cooperação judiciária entre tribunais para compartilhar informações e equipes multidisciplinares.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, julgou, por unanimidade, parcialmente procedente a ADI 4.245/DF e, por maioria, parcialmente procedente a ADI 7.686/DF, para: (i) conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 13, 1-b da Convenção da Haia de 1980 (Decreto nº 3.413/2000) e, por conseguinte, reconhecer que a exceção ao retorno imediato da criança por risco grave à sua integridade física, psíquica ou situação intolerável aplica-se aos casos de violência doméstica, mesmo que o menor não seja vítima direta e desde que demonstrados indícios objetivos e concretos da situação de risco, tudo em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e da perspectiva de gênero; (ii) determinar, nos termos da respectiva ata de julgamento, uma série de medidas estruturais e procedimentais com a finalidade de combater a morosidade nos processos referentes à Convenção da Haia acerca da subtração internacional de crianças; e (iii) fixar a tese anteriormente citada.
(1) Decreto nº 3.413/2000 (Convenção da Haia de 1980): “Artigo 13. Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar: (...) b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.”
(2) CF/1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (...) Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

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