DIREITO CONSTITUCIONAL – REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS; DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL; POLÍTICA DE ENSINO; QUESTÕES DE GÊNERO; DIVERSIDADE SEXUAL; PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS; DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Política municipal de ensino: ideologia de gênero e educação sexual - ADPF 466/SC e ADPF 522/PE
Resumo:
São inconstitucionais — por usurparem a competência privativa da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, XXIV) e por violarem preceitos fundamentais relacionados à dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III); ao objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, e da promoção do bem de todos (CF/1988, art. 3º, I e IV); ao direito à igualdade, inclusive de gênero (CF/1988, art. 5º, caput); à vedação de censura em atividades culturais (CF/1988, art. 5º, IX); ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e ao direito de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (CF/1988, arts. 205 e 206, II e III) — leis municipais que proíbem a abordagem de temas relacionados a questões de gênero ou orientação sexual nas escolas.
Na espécie, as leis municipais impugnadas não tratam de assunto de interesse local nem possuem caráter meramente suplementar à legislação federal (CF/1988, arts. 24, IX; e 30, I e II). Essas leis, ao vedarem a veiculação de conteúdos relacionados a questões de gênero e diversidade sexual nas escolas, violaram a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e instituíram princípios próprios, em descompasso com aqueles previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996).
Além disso, as proibições nelas contidas configuram conteúdo normativo essencialmente discriminatório e que, além de contrariar preceitos constitucionais e instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, revelam-se incompatíveis com diversos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, acima elencados.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta e por unanimidade, julgou procedentes ambas as arguições para declarar a inconstitucionalidade (i) do art. 9º da Lei nº 4.268/2015 do Município de Tubarão/SC (1), bem como (ii) da Lei nº 2.985/2017 do Município de Petrolina/PE (2) e da Lei nº 4.432/2017 do Município de Garanhuns/PE (3). Por maioria, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade material (i) do parágrafo único do art. 2º e do parágrafo único do art. 3º da Lei nº 2.985/2017 do Município de Petrolina/PE; e (ii) das seguintes normas da mencionada lei do Município de Garanhuns/PE: (a) expressão “biblioteca pública”, contida no art. 1º, e (b) referência à biblioteca pública como um dos ambientes mencionados em seu art. 2º.
(1) Lei nº 4.268/2015 do Município de Tubarão/SC: “Art. 1º Fica aprovado o Plano Municipal de Educação - PME, com vigência por 10 (dez) anos (2015-2024), com vistas ao cumprimento da Emenda Constitucional nº 59/2009 e do disposto no art. 214 da Constituição Federal. (...) Art. 9º Não comporá a política municipal de ensino de Tubarão, currículo escolar, disciplinas obrigatórias, ou mesmo de forma complementar ou facultativa, espaços lúdicos, materiais de ensino que incluam a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou orientação sexual ou sinônimos.”
(2) Lei nº 2.985/2017 do Município de Petrolina/PE: “Art. 1º Fica proibida na grade curricular da rede municipal de ensino e da rede privada do município de Petrolina/PE, a disciplina denominada Ideologia de Gênero, bem como toda e qualquer disciplina que tente orientar a sexualidade dos alunos ou que tente extinguir o gênero masculino ou feminino como gênero humano. Art. 2º Fica proibido em todas as unidades escolares da rede de ensino pública e privada do município de Petrolina/PE, a utilização, elaboração, publicação, exposição e distribuição de quaisquer livros didáticos ou não, que versem ou se refiram, direta ou indiretamente, sobre ideologia de gênero, diversidade sexual e educação sexual. Parágrafo único. Fica proibido nas bibliotecas municipais a exposição e distribuição de quaisquer livros didáticos ou não, que versem ou se refiram, direta ou indiretamente, sobre ideologia de gênero, diversidade sexual e educação sexual. Art. 3º A responsabilidade direta pelo cumprimento desta lei recairá solidariamente, a Dirigente da unidade escolar, ao Diretor, na estrutura funcional hierárquica da secretaria de Educação e o Secretário Titular do Setor Educacional do Município de Petrolina/PE. Parágrafo único. A responsabilidade direta pelo cumprimento desta lei no âmbito da biblioteca pública municipal recairá, solidariamente, ao bibliotecário, diretor da biblioteca municipal e ao secretário municipal a qual as bibliotecas municipais estejam vinculadas. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
(3) Lei nº 4.432/2017 do Município de Garanhuns/PE: “Art. 1º Fica vedada no âmbito das escolas da Rede Municipal de Ensino do Município de Garanhuns e biblioteca pública a abordagem direta ou indireta, bem como a prática de atividades pedagógicas, inclusive extraclasse, sobre temática referente à teoria de gênero, questões de gênero, identidade de gênero ou ideologia de gênero. § 1º Considera-se teoria de gênero, questões de gênero, identidade de gênero ou ideologia de gênero, para efeitos desta Lei, a concepção de que os dois sexos, masculino e feminino, são considerados construções culturais e sociais e o entendimento de que existem outros gêneros sexuais além dos dois ora mencionados. § 2º Ficam resguardados como princípios educacionais, a igualdade de condições, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. Art. 2º Fica vedada nos ambientes mencionados no art. 1º a utilização, elaboração, publicação, divulgação, exposição e distribuição de qualquer texto, imagem, mídia magnética, digital ou material impresso, que versem ou se refiram, ainda que indiretamente, a teoria de gênero, questões de gênero, identidade de gênero e ideologia de gênero. Art. 3º A presente Lei entrará em vigor na data de sua publicação. Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.”

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