DIREITO CONSTITUCIONAL – SAÚDE SUPLEMENTAR; PLANOS DE SAÚDE; COBERTURA; PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR; ORDEM SOCIAL; INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIÇOS PÚBLICOS; AGÊNCIA REGULADORA; AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE COMPLEMENTAR; PODER REGULAMENTAR
Planos de saúde: hipóteses excepcionais de cobertura fora do rol estabelecido pela ANS - ADI 7.265/DF
Teses fixadas:
“1. É constitucional a imposição legal de cobertura de tratamentos ou procedimentos fora do rol da ANS, desde que preenchidos os parâmetros técnicos e jurídicos fixados nesta decisão. 2. Em caso de tratamento ou procedimento não previsto no rol da ANS, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) prescrição por médico ou odontólogo assistente habilitado; (ii) inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em proposta de atualização do rol (PAR); (iii) ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol de procedimentos da ANS; (iv) comprovação de eficácia e segurança do tratamento à luz da medicina baseada em evidências de alto grau ou ATS, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível; e (v) existência de registro na Anvisa. 3. A ausência de inclusão de procedimento ou tratamento no rol da ANS impede, como regra geral, a sua concessão judicial, salvo quando preenchidos os requisitos previstos no item 2, demonstrados na forma do art. 373 do CPC. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do art. 489, §1º, V e VI, e art. 927, III, §1º, do CPC, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de cobertura de procedimento ou tratamento não incluído no rol, deverá obrigatoriamente: (a) verificar se há prova do prévio requerimento à operadora de saúde, com a negativa, mora irrazoável ou omissão da operadora na autorização do tratamento não incorporado ao rol da ANS; (b) analisar o ato administrativo de não incorporação pela ANS à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, sem incursão no mérito técnico-administrativo; (c) aferir a presença dos requisitos previstos no item 2, a partir de consulta prévia ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível, ou a entes ou pessoas com expertise técnica, não podendo fundamentar sua decisão apenas em prescrição, relatório ou laudo médico apresentado pela parte; e (d) em caso de deferimento judicial do pedido, oficiar a ANS para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória”.
Resumo:
Desde que observados os parâmetros jurídicos e técnicos fixados pelo Supremo Tribunal Federal, a lei pode determinar cobertura de tratamentos ou procedimentos não previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O texto constitucional conferiu à saúde a natureza de direito fundamental, impondo ao Estado o dever de assegurar sua proteção, promoção e recuperação (CF/1988, arts. 6º, caput, e 196). Em complementariedade ao sistema público, a Constituição facultou a participação da iniciativa privada na prestação de serviços de saúde, condicionando-a à atuação regulatória, fiscalizatória e de controle do poder público, por intermédio da ANS, em razão do caráter público dessas atividades e da indisponibilidade do direito à saúde (CF/1988, art. 197).
Por meio de um rol regulado e tecnicamente fundamentado, a ANS visa equilibrar o acesso a tratamentos eficazes com a sustentabilidade do sistema. A atuação regulatória baseada em evidências, com regras claras e estáveis, é indispensável para garantir a viabilidade econômica das operadoras e a proteção dos beneficiários. Nesse contexto, a obrigatoriedade de cobertura de procedimentos não previstos no rol da ANS não viola o caráter complementar da saúde suplementar (CF/1988, art. 199, § 1º) nem compromete a função reguladora da agência (CF/1988, arts. 174, 196 e 197), desde que observados critérios objetivos que assegurem a segurança jurídica (CF/1988, art. 5º, XXXVI), a sustentabilidade do sistema e a proteção dos beneficiários (CF/1988, art. 5º, XXXII).
Além disso, a ausência de inclusão do procedimento no rol da ANS impede, como regra geral, sua concessão judicial, salvo quando preenchidos, de forma cumulativa, os cinco requisitos objetivos elencados nas teses ora fixadas pelo STF, cujo ônus probatório deverá ser demonstrado (CPC/2015, art. 373). Nessas hipóteses, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de cobertura, deverá, obrigatoriamente, seguir condições específicas fixadas nas teses do STF.
Na espécie, o § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998 (com as inclusões promovidas pela Lei nº 14.454/2022) configura um mecanismo excessivamente aberto de flexibilização do rol, pois (i) sua redação não apresenta critérios técnicos objetivos e verificáveis; (ii) possibilita a cobertura fora do rol sem qualquer mediação ou avaliação prévia da ANS; e (ii) exige o preenchimento alternativo de um dos critérios fixados em seus dois incisos, reduzindo a capacidade de gestão do risco pelas operadoras e ampliando, potencialmente, a judicialização.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para conferir interpretação conforme a Constituição ao § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, incluído pela Lei nº 14.454/2022 (1), de modo a adequar os critérios que geram a obrigação de cobertura de tratamento não listado no rol da ANS, nos termos das teses anteriormente citadas.
(1) Lei nº 9.656/1998: “Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) (...) § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022)”.
ADI 7.265/DF, relator Ministro Luís Roberto Barrosos, julgamento finalizado em 18.09.2025 (quinta-feira)