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Blog de direito civil dos professores Carlos Nelson Konder e Cintia Muniz de Souza Konder
DIREITO CONSTITUCIONAL – PESSOAS COM DEFICIÊNCIA; MOBILIDADE; DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS; PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS; PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA; LIVRE-INICIATIVA
Obrigatoriedade de adaptação de carrinhos de compras para transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida, no âmbito estadual - RE 1.198.269/SP (Tema 1.286 RG)
Tese fixada:
“É constitucional lei estadual que impõe a obrigatoriedade de adaptação de percentual de carrinhos de compras para transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.”
Resumo:
É constitucional — especialmente por não afrontar os princípios da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade e da livre-iniciativa — lei estadual que determina aos hipermercados, supermercados e estabelecimentos congêneres locais o dever de disponibilizar 5% dos carrinhos de compras adaptados com assentos para receber crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.
A respeito do princípio da isonomia, a discriminação realizada pelo legislador — não extensiva a todo o comércio varejista — possui justificativa legítima no tempo considerável que os consumidores e suas famílias passam em hipermercados, supermercados e estabelecimentos similares. Com a medida, objetiva-se efetivar a proteção de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, de modo a promover sua acessibilidade.
Conforme jurisprudência desta Corte (1), apesar de potenciais restrições da livre-iniciativa, são constitucionais as normas estaduais que buscam promover a acessibilidade de pessoas com deficiência e sua completa inclusão no tecido social.
Ademais, inexiste ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, na medida em que (i) os carrinhos de compras são aptos a transportar crianças com deficiência ou mobilidade reduzida, mesmo que isso não seja sua função principal; (ii) a lei estadual impugnada complementa o regime atual, em plena conformidade com o sistema constitucional de repartição de competências no contexto da promoção de uma maior acessibilidade dessa porção da população; e (iii) a adaptação orienta-se para apenas um percentual dos carrinhos, em proporção que se alinha a outras obrigações semelhantes.
Na espécie, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de representação de inconstitucionalidade, julgou improcedente o pedido formulado contra a Lei paulista nº 16.674/2018. Diante da posterior revogação dessa lei, o STF afastou qualquer potencial alegação de prejudicialidade, haja vista a continuidade normativa com a incorporação do teor impugnado na norma revogadora e a adoção de legislação em termos semelhantes por outros entes federados.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.286 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a tese anteriormente citada.
(1) Precedentes citados: ADI 903, ADI 2.572 e ADI 6.989.
REsp 2.104.122-MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/5/2025, DJEN 28/5/2025.
DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Bitcoins. Transferência indevida. Indenização. Uso de autenticação em dois fatores. Responsabilidade civil da plataforma de investimento em criptomoedas. Configuração.
As plataformas destinadas às transações de criptomoedas respondem objetivamente por transação fraudulenta quando verificado que a transferência de bitcoins ocorreu mediante utilização de login, senha e autenticação de dois fatores.
A controvérsia tem origem na ação de indenização ajuizada contra plataforma de investimentos em criptomoedas visando ao ressarcimento de valores por conta de transferência indevida de bitcoins e ao pagamento de indenização por danos morais, alegando-se falha no sistema de segurança da ré.
Entendeu o Tribunal de origem que (i) o desaparecimento dos bitcoins decorreu de culpa exclusiva do recorrente e de terceiros (hackers) e (ii) que a plataforma não teria apresentado falhas no seu sistema de segurança, sendo que o autor, ao negligenciar a proteção de seus dados pessoais, é que teria contribuído involuntariamente para a ocorrência da fraude.
Nesse contexto, note-se que o Superior Tribunal de Justiça entende que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias" (Súmula 479 do STJ).
Portanto, a corretora de intermediação de compra e venda de criptomoedas é instituição financeira, constando, inclusive, da lista de instituições autorizadas, reguladas e supervisionadas pelo Banco Central do Brasil - BACEN (Lei n. 4.595/1964, art. 17).
Em se tratando de instituição financeira, em caso de fraude no âmbito de suas operações, a sua responsabilidade é objetiva, só podendo ser afastada se demonstrada causa excludente da referida responsabilidade, como culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, nos termos do art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor - CDC.
No caso, as operações na plataforma se dão por meio "de login, senha, número PIN e acesso a link de confirmação enviado por e-mail", sendo que as transações somente são concluídas "caso o cliente confirme, no e-mail recebido, que realmente está ciente e de acordo com a transação, acessando o link correspondente".
Note-se que, diante da forma como se dão as transações de bitcoins na plataforma, para afastar a responsabilidade da empresa pela transferência contestada, ela deveria demonstrar que o seu cliente atuou de maneira indevida em toda a cadeia necessária para conclusão da operação, ou seja, deveria demonstrar que ele fez login e inseriu senha e seu código PIN para transferir os bitcoins e, também, que confirmou esta específica operação por meio de link enviado pela recorrida por e-mail.
Na hipótese, a corretora não apresentou o e-mail de confirmação da transação, sendo que esta prova era indispensável para afastar a sua responsabilidade pelo desaparecimento das criptomoedas.
Ainda que se admitisse, contudo, que houve invasão por terceiros (hackers), não se trataria de fortuito externo apto a ensejar a exclusão de responsabilidade da instituição financeira.
Com efeito, se a plataforma não tem segurança adequada para combater ataques cibernéticos, a responsabilidade por isso é dela, e não dos seus clientes, usuários da plataforma.
Por fim, cabe destacar que, embora a jurisprudência do STJ afaste a responsabilização de instituições financeiras por saques indevidos, na hipótese de uso de cartão magnético e senha pessoal, no caso, diante da dinâmica da operação envolvendo bitcoins, que nem sequer envolve cartão, mas dupla autenticação, esse entendimento não se aplica.
Destarte, constatada a violação ao art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor, além do art. 373, caput, II e § 1º, do Código de Processo Civil, deve ser reconhecida a responsabilidade da corretora/plataforma pela transferência indevida de bitcoins no presente caso.
RO 289-DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/4/2025, DJEN 6/5/2025.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Passagem aérea cancelada. Emissão equivocada de passagem aérea. Reembolso. Estado estrangeiro contra empresa de turismo brasileira. Falha na prestação do serviço. Responsabilidade objetiva do fornecedor.
A empresa de turismo é responsável pela falha na prestação do serviço ao emitir passagem em classe diversa da solicitada, devendo indenizar o consumidor pelos prejuízos decorrentes.
Trata-se de ação de indenização movida por embaixada estrangeira contra empresa de turismo brasileira. No caso, a embaixada, por meio de seu representante diplomático, solicitou a cotação de uma passagem aérea de ida e volta do Brasil, em classe executiva. No entanto, após a compra, o bilhete de retorno foi emitido em classe econômica, sem qualquer aviso prévio, fato percebido apenas na conferência do horário do voo internacional. A embaixada destacou que, por motivos de segurança e protocolo diplomático, seus agentes e familiares somente realizam viagens aéreas em classe executiva, sendo-lhes vedado realizar voos em classe econômica, o que foi devidamente informado à empresa de turismo antes da compra.
Nos termos do art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o fornecedor de serviços responde objetivamente (ou seja, independentemente de culpa ou dolo) pela reparação dos danos suportados pelos consumidores, decorrentes da má prestação do serviço.
Além disso, o § 3º do referido dispositivo legal prevê que o fornecedor só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Sendo que a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro deve ser cabalmente comprovada pelo fornecedor de serviços, a fim de romper o nexo de causalidade e, consequentemente, ilidir a sua responsabilidade objetiva.
Na hipótese, a embaixada solicitou a compra de passagem aérea, ida e volta do Brasil, em classe executiva, por questões de segurança e protocolo diplomático. Não obstante, o bilhete de volta foi emitido na classe econômica.
Nesse caso, a empresa de turismo tinha a obrigação de verificar se os bilhetes foram emitidos em conformidade com o solicitado pelo consumidor. Então, ela não cumpriu com essa obrigação e ocasionou o cancelamento da passagem, sujeitando a autora a adquirir novo bilhete em outra companhia aérea. Dessa forma, deve arcar com os prejuízos materiais sofridos.
Art. 1º Ficam proibidas, em todo o território nacional, a realização de tatuagens e a colocação de piercings em cães e gatos, com fins estéticos.
Art. 2º O art. 32 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, passa a vigorar acrescido do seguinte § 1º-B:
“Art. 32. .....................................................................................................
....................................................................................................................
§ 1º-B. Incorre nas mesmas penas quem realiza ou permite a realização de tatuagens e a colocação de piercings em cães e gatos, com fins estéticos.
..........................................................................................................” (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 16 de junho de 2025; 204º da Independência e 137º da República.
REsp 1.891.844-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 16/5/2025.
DIREITO CIVIL, DIREITO INTERNACIONAL
Dívida de jogo. Las Vegas. Cobrança em solo pátrio. Possibilidade. Art. 9º da LINDB. Enriquecimento sem causa. Vedação.
Admite-se a cobrança em solo pátrio de dívida de jogo contraída por brasileiro em país onde a prática é legal.
A questão em discussão consiste em saber se a cobrança de dívida de jogo contraída em Las Vegas, onde a prática é legal, viola a ordem pública e os bons costumes brasileiros, conforme o artigo 814 do Código Civil e o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
No caso concreto, empresa estrangeira, constituída sob as leis de Nevada, EUA, propôs uma ação de execução de título extrajudicial contra brasileiro, em razão de uma nota promissória no valor de US$ 1.000.000,00, emitida em Las Vegas e não paga na data de vencimento.
A jurisprudência do STJ admite a cobrança de dívidas de jogo contraídas em países onde a prática é legal, enfatizando a vedação ao enriquecimento sem causa e a importância da boa-fé. Aplicando a lei estrangeira conforme o artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
O STJ enfatiza que a ordem pública é um conceito mutável e que, na hipótese, não há vedação para a cobrança, pois existe equivalência entre a legislação estrangeira e a brasileira.
Dessa forma, o STJ entende que "aquele que visita país estrangeiro, usufrui de sua hospitalidade e contrai livremente obrigações lícitas, não pode retornar a seu país de origem buscando a impunidade civil. A lesão à boa-fé de terceiro é patente, bem como o enriquecimento sem causa, motivos esses capazes de contrariar a ordem pública e os bons costumes" (REsp 1.628.974/SP, rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/6/2017, DJe 25/8/2017).
REsp 2.208.310-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/5/2025.
DIREITO CIVIL
Responsabilidade civil. Estelionato sentimental. Decréscimo patrimonial da vítima. Configuração de ato ilícito. Danos materiais e danos morais.
O estelionato sentimental configura ato ilícito que gera o direito à indenização a título de danos morais e de danos materiais pelas despesas extraordinárias decorrentes do relacionamento.
A controvérsia consiste em saber se a prática do chamado "estelionato sentimental" configuraria ato ilícito que daria ensejo à responsabilidade civil nos termos do art. 186 e 927 do CC.
O denominado estelionato sentimental ocorre com a simulação de relação afetiva, em que uma das partes, valendo-se da vulnerabilidade emocional da outra, busca obter ganhos financeiros.
Segundo o artigo 171 do Código Penal, verifica-se que, para a configuração de crimes de estelionato em geral, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio; (ii) emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; (iii) induzimento ou manutenção da vítima em erro.
Na origem, ficou comprovado que (i) houve obtenção de vantagem ilícita, pois os gastos financeiros suportados pela vítima não advieram de despesas ordinárias de um relacionamento amoroso, mas de desejos patrimoniais exclusivos do recorrente, em curto espaço de tempo; (ii) o recorrente sabia da situação de vulnerabilidade emocional da recorrida e a induziu a erro, simulando a existência de uma relação amorosa; e (iii) o recorrente agiu com ardil, contando histórias de dificuldades financeiras e fazendo pressão para obter dinheiro fácil e rápido da vítima.
Diante desse cenário, ainda que o pagamento de despesas tenha ocorrido espontaneamente, sem nenhuma coação, isto não afasta, no caso, a prática de ato ilícito, porque, o que caracteriza o estelionato é, exatamente, o fato de que a vítima não age coagida, mas de forma iludida, acreditando em algo que não existe.
Dessa forma, como consequência da simulação do relacionamento e das condutas com o objetivo de obter ganho financeiro, em princípio, é devida à vítima indenização a título de danos materiais, pelas despesas extraordinárias decorrentes do relacionamento, e de danos morais, pela situação vivenciada.
REsp 2.155.898-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/3/2025, DJEN 18/3/2025.
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Compra e venda de imóvel. Atraso em obra. Rescisão contratual. Ilegitimidade passiva da corretora de imóveis e da empresa de pagamentos (pagadoria). Cadeia de fornecimento diferente. Inexistência de falha na prestação de serviços.
A corretora de imóveis e a empresa de pagamentos, por não integrarem a cadeia de fornecimento da incorporação do imóvel, não respondem pelo atraso na entrega de unidade imobiliária.
Cinge-se a controvérsia em definir se, diante da rescisão de compra de imóvel por atraso na entrega de unidade imobiliária, há responsabilidade da corretora de imóveis e da empresa de pagamentos.
Os arts. 7º, parágrafo único, e 25 do Código de Defesa do Consumidor - CDC preveem a responsabilidade solidária de todos os autores da ofensa pela reparação do dano. Nesse sentido, o regime de responsabilidade consumerista abrange toda a cadeia de fornecimento.
Contudo, quando o negócio jurídico consumerista envolver relações jurídicas diversas, a responsabilidade dos fornecedores estará limitada à cadeia a que pertencem.
A responsabilidade da corretora de imóveis por atrasos em obra é matéria submetida a recurso repetitivo pendente de julgamento, sem determinação de suspensão nacional de processos (REsp 2.008.542-RJ e REsp 2.008.545-DF, Tema 1173).
A corretora de imóveis tem sua atuação limitada, em regra, à intermediação das partes contratantes e não interfere na execução da obra ou no procedimento de incorporação imobiliária.
Destarte, de acordo com o art. 725 do CC, a remuneração é devida ao corretor, uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.
Na hipótese em que não se verificar qualquer falha na prestação do serviço de corretagem nem se constatar o envolvimento da corretora no empreendimento imobiliário, não se mostra viável o reconhecimento da sua responsabilidade solidária em razão da sua inclusão na cadeia de fornecimento.
Por seu turno, as empresas de pagamentos, chamadas de "pagadorias", atuam na gestão financeira de contratos diversos, como facilitadoras dos trâmites entre os consumidores e os fornecedores. Usualmente, em uma transação imobiliária, são contratadas pela corretora imobiliária para administrar o repasse de valores (comissões, taxas e demais encargos), aos corretores autônomos e à própria imobiliária. Suas atividades incluem a emissão de boletos e o gerenciamento das quantias.
Portanto, a responsabilidade das pagadorias se limita aos danos causados por falhas na cadeia de fornecimento que integram.
Do mesmo modo, a responsabilidade das pagadorias se limita aos danos causados por falhas na cadeia de fornecimento que integram. Como não integram a cadeia de fornecimento de incorporação imobiliária, sua responsabilidade, portanto, não se estende a eventuais inadimplementos do contrato de compra e venda de imóvel.
REsp 2.174.943-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/5/2025, DJEN 28/5/2025.
DIREITO AUTORAL
Direito autoral. Grafite. Representação de obra plástica em logradouro público (Beco do Batman). Utilização indireta e acessória da obra em material audiovisual produzido por terceiro. Exploração comercial não demonstrada. Indenização por danos morais e materiais. Impossibilidade.
A exibição indireta e acessória de grafite feito em espaço público, usada em uma peça publicitária sem a autorização prévia do artista, não caracteriza violação de direitos autorais.
Cinge-se a controvérsia em definir se a representação indireta e meramente acessória em peça publicitária, de grafite realizado em logradouro público, quando feita sem a autorização prévia de seu criador, configura violação de direitos autorais, justificando indenização por danos morais e materiais.
Na origem, trata-se de ação indenizatória, por ofensa a direitos autorais, objetivando reparação por prejuízos morais e materiais supostamente resultantes da divulgação de peça publicitária audiovisual da plataforma de vídeos "Tik Tok", filmada em frente à obra plástica (grafite) realizada em logradouro público (Beco do Batman), sem a prévia autorização ou remuneração de seu autor.
A Lei n. 14.996/2024, por expressa disposição de seu art. 1º, passou a reconhecer a charge, a caricatura, o cartum e o grafite como manifestações da cultura brasileira, estabelecendo caber ao poder público a garantia de sua livre expressão artística bem como a promoção de sua valorização e preservação.
Consoante o disposto pelo art. 7º da Lei n. 9.610/1998, as criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, são consideradas obras protegidas, desde que sejam originais. Nesse contexto, impossível negar que o grafite se enquadra como obra visual protegida, na medida em que apresenta originalidade, criatividade e autoria identificável.
Do mesmo modo que merece toda a proteção conferida pela Lei n. 9.610/1998, o grafite tem seus direitos autorais sujeitos à limitação prevista no art. 48 da referida norma, segundo a qual "as obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais".
A representação dessa espécie de obra é livre, dispensando a prévia e expressa autorização de seu autor, desde que: (i) não afete a exploração normal da obra, (ii) tal representação não provoque prejuízo injustificado aos legítimos interesses de seu autor; e (iii) não esteja imbuída do propósito de exploração eminentemente comercial.
Na hipótese, a representação realizada pela parte demandada não afetou a exploração normal da obra. Ademais, não restou demonstrado que tal representação tenha ensejado qualquer prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor do grafite, restando consignado, que não configurada exploração comercial da obra em questão que, além disso, foi exibida de forma meramente acidental e acessória, como mero pano de fundo para a apresentação do dançarino contratado, que consistiu, em verdade, no foco real da peça audiovisual.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 20/5/2025.
DIREITO CIVIL
Embarque de animal de suporte emocional. Voos nacionais e internacionais. Ausência de legislação específica. Não atendimento aos critérios das companhias aéreas. Equiparação a cães-guia. Impossibilidade. Risco à segurança dos voos.
As companhias aéreas não são obrigadas a aceitarem o embarque, nas cabines das aeronaves, de animais que não sejam cães-guias e que não atendam aos limites de peso e altura e à necessidade de estarem acondicionados em maletas próprias.
A controvérsia é sobre a possibilidade de transportar animais domésticos em cabines de aeronaves em voos nacionais e internacionais, na hipótese de eles darem suporte emocional aos seus donos, mesmo fora dos padrões estabelecidos para esse tipo de serviço.
É importante registrar que, normalmente, as companhias aéreas aceitam transportar animais domésticos na cabine de suas aeronaves, mas, para tanto, além das exigências sanitárias, há limite de peso (até 10kg) e a exigência de que sejam colocados em maleta ou caixa apropriada que caiba embaixo do assento à frente do passageiro responsável pelo animal.
Fora desse perfil, admite-se apenas o ingresso de cães-guias, sem limite de peso e sem a necessidade de serem colocados em caixas específicas, nas cabines das aeronaves, haja vista o disposto no art. 1° da Lei n. 11.126/2005.
O fato de o dono do animal portar atestado de que o seu cão seria de "suporte emocional" não autoriza a quebra do contrato de prestação de serviços das companhias aéreas pelo Judiciário, sendo que decisão judicial nesse sentido coloca em risco à segurança dos voos e dos passageiros.
Com efeito, não havendo legislação federal específica tratando sobre o tema, no contrato de prestação de serviços oferecido aos consumidores, as empresas aéreas têm liberdade para estabelecer determinadas condições para o transporte de animais.
Nessa linha de entendimento, a decisão judicial que desconsidera essa autonomia das empresas e impõe o transporte de animais fora das regras contratuais previstas viola o princípio pacta sunt servanda, determinando o oferecimento de serviço não compreendido no contrato de transporte e ao qual não é obrigada pela legislação, especialmente pelas normas da ANAC, aplicáveis a todas as concessionárias.
Por fim, não há como equiparar animais de suporte emocional a cães-guias, pois estes, ao contrário daqueles, passam por rigoroso treinamento, de aproximadamente dois anos, conseguem controlar suas necessidades fisiológicas e têm identificação própria, conforme previsto na Lei n. 11.126/2005, regulamentada pelo Decreto n. 5.904/2006.
REsp 2.183.860-DF, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 8/5/2025, DJEN 19/5/2025.
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Notificação extrajudicial. Correio eletrônico (e-mail). Possibilidade.
A notificação extrajudicial por meio digital ou eletrônico é válida para comprovar a mora do devedor fiduciante, desde que enviada ao e-mail indicado no contrato e comprovado seu recebimento.
Anteriormente à alteração introduzida pela Lei n. 13.043/2014, o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 determinava que a notificação fosse obrigatoriamente realizada por intermédio de carta registrada, enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos, ou mediante o protesto do título, a critério do credor.
Com a inovação legislativa, passou a constar no parágrafo segundo que "a mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário". Portanto, houve uma ampliação das possibilidades de notificação extrajudicial do devedor fiduciante.
Dessa forma, para avaliar a adequação do procedimento de notificação do devedor fiduciante, é essencial compreender os requisitos de validade da carta registrada com aviso de recebimento e, em seguida, verificar se há semelhança relevante entre as situações em análise.
O STJ firmou o entendimento, em recurso especial repetitivo, Tema 1132, que "em ação de busca e apreensão fundada em contratos garantidos com alienação fiduciária (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969), para a comprovação da mora, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros" (REsp 1.951.662/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 9/8/2023, DJe 20/10/2023).
Isso significa que deverá ser considerada suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante encaminhada ao endereço indicado no contrato, com prova de seu recebimento, independentemente de quem tenha assinado o AR.
A par desses dois requisitos - notificação enviada para o endereço do contrato e comprovação de sua entrega efetiva -, é viável explorar outros possíveis meios de notificação extrajudicial que possam legitimamente demonstrar, perante o Poder Judiciário, o cumprimento da obrigação legal para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem.
Por interpretação analógica do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, é possível considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico (e-mail) indicado no contrato e, principalmente, seja comprovado seu recebimento, independentemente de quem a tenha recebido.
Destaca-se, nesse ponto, o princípio da instrumentalidade das formas. Considerando que a finalidade essencial da notificação é proporcionar ao devedor a plena ciência de sua inadimplência, alcançada tal finalidade por meio eletrônico com comprovação de recebimento, não há falar em nulidade ou insuficiência do ato.
Sob uma perspectiva de análise econômica do direito, não se pode ignorar que a notificação eletrônica representa economia de recursos e celeridade processual, alinhando-se ao princípio constitucional da duração razoável do processo e à busca por maior eficiência na prestação jurisdicional.
Por fim, eventual irregularidade ou nulidade da prova do recebimento do correio eletrônico é questão que adentra o âmbito da instrução probatória, devendo ser contestada judicialmente pelo devedor fiduciante na ação de busca e apreensão de bem, nos termos do que dispõe o art. 373, II, do CPC/2015.
"Ao tratar da interpretação do parágrafo único do art. 647 do Código de Processo Civil, Maria discorre sobre partilha de bens, tutela provisória e processo de inventário, articulando temas de Direito Civil e Processo Civil. Sobre a referida norma, que autoriza ao juiz antecipar a utilização e fruição de bens a herdeiros, Maria, sempre apoiada em ótimos argumentos, sustenta que essa medida não constitui julgamento antecipado de mérito, como alguns autores ainda afirmam, mas decisão de tutela provisória. A autora ainda vai além e defende que a tutela provisória nesse caso pode ser tanto de evidência, quanto de urgência."
https://editorathoth.com.br/produto/tutela-provisoria-em-inventario-analise-do-art-647-paragrafo-unico-do-codigo-de-processo-civil/1326