quarta-feira, 22 de outubro de 2025

"A recusa da renovação de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, é abusiva e ofende os princípios da boa-fé objetiva e da confiança" (AgInt no REsp 2.015.204-SP)

 


Processo

AgInt no REsp 2.015.204-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 12/8/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Seguro de vida individual. Renovações sucessivas por longo período. Cancelamento unilateral. Abusividade. Princípios da boa-fé objetiva e da confiança.

Destaque

A recusa da renovação de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, é abusiva e ofende os princípios da boa-fé objetiva e da confiança.

Informações do Inteiro Teor

A questão em discussão consiste em saber se a recusa da renovação de contrato de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, configura prática abusiva, em violação aos princípios da boa-fé objetiva e da confiança.

No caso, o contrato de seguro de vida individual mantido pelo segurado foi cancelado de forma unilateral pela seguradora, após mais de duas décadas de renovações sucessivas e automáticas.

Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "se o consumidor contratou, ainda jovem, o seguro de vida oferecido pela recorrida e se esse vínculo vem se renovando desde então, ano a ano, por mais de trinta anos, a pretensão da seguradora de modificar abrutamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo" (REsp n. 1.073.595/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 23/3/2011, DJe de 29/4/2011).

Ademais, a Quarta Turma do STJ já decidiu que, mesmo em contratos de seguro de vida em grupo, a longa duração do vínculo contratual impede que a seguradora modifique abruptamente as condições da apólice ou se recuse a renová-la (AgInt no REsp n. 1.537.916/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2018, DJe de 29/6/2018).

Assim, considera-se abusiva a recusa da renovação de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

"Para que se configure o dever de indenizar por danos morais em razão do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, a pessoa que se sentiu afetada pelo acidente ocorrido deve comprovar, concretamente, ter havido ofensa, em caráter individual, aos seus direitos da personalidade, mediante demonstração de abalo psíquico, perturbação emocional relevante ou sofrimento pessoal grave, não sendo suficiente a mera alegação de transtornos genéricos devido ao aumento do percurso de trabalho como motorista profissional e à precariedade das vias de acesso durante cerca de dois meses" (REsp 2.198.056-MG)

 


Processo

REsp 2.198.056-MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 19/8/2025.

Ramo do Direito

DIREITO AMBIENTAL, DIREITO CIVIL

Tema

Danos morais. Rompimento de barragem em Brumadinho/MG. Motorista de ônibus. Alteração temporária no trajeto de trabalho e dificuldades operacionais. Dano moral não configurado.

Destaque

Para que se configure o dever de indenizar por danos morais em razão do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, a pessoa que se sentiu afetada pelo acidente ocorrido deve comprovar, concretamente, ter havido ofensa, em caráter individual, aos seus direitos da personalidade, mediante demonstração de abalo psíquico, perturbação emocional relevante ou sofrimento pessoal grave, não sendo suficiente a mera alegação de transtornos genéricos devido ao aumento do percurso de trabalho como motorista profissional e à precariedade das vias de acesso durante cerca de dois meses.

Informações do Inteiro Teor

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece que a responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, baseada na teoria do risco integral, não dispensando a comprovação do dano, a fim de garantir às supostas vítimas a indenização pleiteada.

Na origem, trata-se de pedido de reparação de danos morais decorrentes do rompimento de barragem de rejeitos de mineração da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, fato ocorrido no dia 25 de janeiro de 2019. Relata o motorista de ônibus que, em razão do rompimento, foi obrigado, por dois meses, a fazer baldeação pela ponte de Melo Franco, em condições precárias, o que teria acarretado o aumento da sua jornada de trabalho diária, além de profundo estresse. Afirma, ainda, que recebe horas extras devido ao aumento de tempo gasto e recebe o auxílio emergencial concedido pela recorrente.

Para que haja dever de indenizar por danos morais, em virtude do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, a pessoa que se sentiu afetada pelo acidente ocorrido deve comprovar, concretamente, ter havido ofensa, em caráter individual, aos seus direitos de personalidade.

Danos ambientais e morais coletivos, como a alteração da rotina, que inevitavelmente ocorreram, de uma forma ou de outra, para todos os que residem ou trabalham próximo ao local do acidente, devem ser discutidos em outras vias, administrativas e judiciais, pelas entidades a tanto legitimadas.

No caso, o autor não alegou ter sofrido abalo psíquico, perturbação emocional relevante ou sofrimento pessoal grave, limitando-se a relatar transtornos genéricos devido ao aumento do percurso de trabalho como motorista profissional e à precariedade das vias de acesso durante cerca de dois meses, o que não caracteriza prejuízo de ordem moral.

domingo, 19 de outubro de 2025

Indicação de livro: "Direito Tributário e Direito Privado", coordenada por Sergio André Rocha e Carlos Nelson Konder (Casa do Direito)

 


O Direito Privado e o Direito Tributário têm ligações inquestionáveis, as quais foram disciplinadas normativamente nos artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional. Este volume traz um conjunto de artigos interdisciplinares, elaborados por professores e pesquisadores das duas disciplinas. O livro teve origem em matéria do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ministrada pelos Professores Titulares Carlos Nelson Konder e Sergio André Rocha, e inclui artigos que buscaram analisar não só a relação entre o Direito Privado e o Direito Tributário, segundo o disposto no CTN, mas também conceitos e institutos que são relevantes nos dois campos de estudo.

https://www.editoracasadodireito.com.br/direito-tributario-e-direito-privado

sábado, 18 de outubro de 2025

"É constitucional — e não ofende os princípios da isonomia (CF/1988, art. 5º, caput), da liberdade religiosa (CF/1988, art. 5º, VI a VIII) e da laicidade estatal (CF/1988, art. 19, I) — norma estadual que permite a aquisição e a manutenção de exemplares da Bíblia Sagrada no acervo das bibliotecas públicas. O que é vedado ao legislador é obrigar (determinar) que se adquiram e/ou se mantenham livros religiosos em espaços públicos" (ADI 5.255)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; LIBERDADE RELIGIOSA; LAICIDADE ESTATAL; BÍBLIA SAGRADA; ACERVO DAS BIBLIOTECAS PÚBLICAS

 

Bíblia Sagrada: inclusão no acervo de bibliotecas públicas estaduais ADI 5.255/RN 

 

ODS: 4 e 16

 


Resumo:                                                 

É constitucional — e não ofende os princípios da isonomia (CF/1988, art. 5º, caput), da liberdade religiosa (CF/1988, art. 5º, VI a VIII) e da laicidade estatal (CF/1988, art. 19, I) — norma estadual que permite a aquisição e a manutenção de exemplares da Bíblia Sagrada no acervo das bibliotecas públicas. O que é vedado ao legislador é obrigar (determinar) que se adquiram e/ou se mantenham livros religiosos em espaços públicos.

A jurisprudência desta Corte vem se consolidando pela impossibilidade de normas estaduais que preveem a obrigatoriedade da presença de exemplares da Bíblia em espaços públicos, tais como escolas e bibliotecas, compreendendo pela posição de estrita neutralidade axiológica do Estado brasileiro em matéria confessional (1). Contudo, a Constituição Federal de 1988 adota o modelo de “laicidade colaborativa”, sem hostilidade às diversas confissões (2).

Nesse contexto, não se pode impedir, sob o fundamento de um pretenso laicismo, que a Bíblia ou qualquer outro livro considerado sagrado ou religioso seja adquirido ou conste nos acervos de bibliotecas ou espaços públicos. Não se pode desconsiderar que os principais textos religiosos moldaram grande parte da cultura mundial e que as obras religiosas contribuíram sobremaneira ao desenvolvimento das diversas áreas de conhecimento das ciências.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria e nos termos do voto médio do Ministro Cristiano Zanin, julgou parcialmente procedente a ação para conferir interpretação conforme a Constituição aos dispositivos da Lei nº 8.415/2003 do Estado do Rio Grande do Norte (3), para permitir (e não obrigar) o ente federado a adquirir e manter a Bíblia Sagrada em bibliotecas públicas.

 

(1) Precedentes citados: ADI 5.258 e ADI 5.256, bem como ARE 1.014.615 (decisão monocrática).

(2) Precedente citado: ARE 1.249.095 (Tema 1.086 RG).

(3) Lei nº 8.415/2003 do Estado do Rio Grande do Norte: “Art. 1º Fica determinada a inclusão, no acervo de todas as bibliotecas públicas do Estado do Rio Grande do Norte, pelo menos, dez exemplares da Bíblia Sagrada, sendo quatro delas em linguagem Braile. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

 

ADI 5.255/RN, relator Ministro Nunes Marques, redator do acórdão Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado em 26.09.2025 (sexta-feira), às 23:59

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

"É possível a manutenção do pagamento de pensão alimentícia por prazo indeterminado, na hipótese em que o ex-marido, mesmo exonerado, optou voluntariamente por continuar realizando o pagamento de alimentos por duas décadas, em razão da configuração dos institutos da supressio para o alimentante, que deixou de exercer seu direito de cessar os pagamentos, e da surrectio para a alimentanda diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-cônjuge"

 


Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025, DJEN 27/6/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema
 

Ação de exoneração de alimentos. Alimentos entre ex-cônjuges. Pagamento de pensão alimentícia por mais de duas décadas após o termo final da obrigação. Liberalidade. Expectativa legítima de continuidade da prestação. Supressio configurada.

Destaque

É possível a manutenção do pagamento de pensão alimentícia por prazo indeterminado, na hipótese em que o ex-marido, mesmo exonerado, optou voluntariamente por continuar realizando o pagamento de alimentos por duas décadas, em razão da configuração dos institutos da supressio para o alimentanteque deixou de exercer seu direito de cessar os pagamentos, e da surrectio para a alimentanda diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-cônjuge.

    Informações do Inteiro Teor

    Cinge-se a controvérsia em decidir se o pagamento de pensão alimentícia pelo ex-marido, por mais de duas décadas após o termo final da obrigação, configura a incidência do instituto da supressio, fazendo nascer para a ex-esposa a expectativa legítima de continuidade da prestação, em homenagem à boa-fé objetiva.

    A confiança, no contexto das relações privadas, desempenha papel fundamental ao assegurar proteção qualificada ao comportamento humano, sendo expressão concreta da solidariedade social constitucionalmente albergada. Essa confiança impõe a todos o dever jurídico de não frustrar, injustificadamente, as legítimas expectativas de terceiros. No âmbito das relações familiares, a noção de confiança deve ser especialmente protegida, de forma que as condutas contrárias à confiança serão, em regra, também contrárias à boa-fé objetiva.

    A tutela da confiança assume relevância ética nas relações privadas ao proibir comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium) e ao reconhecer efeitos decorrentes da inércia prolongada (supressio) ou da prática constante (surrectio). Tais figuras jurídicas operam como mecanismos de estabilização das expectativas, impedindo mudanças abruptas de conduta que contrariem a confiança anteriormente depositada.

    Identifica-se a supressio como a perda de determinada faculdade jurídica em razão do não exercício prolongado desse direito, o que leva ao seu esvaziamento. Em contrapartida, a surrectio consiste no surgimento de uma vantagem para determinada pessoa, justamente porque a outra parte deixou de exercer o direito ao qual faria jus, criando, assim, a expectativa de que esse direito não mais seria reivindicado futuramente.

    supressio aproxima-se, sem dúvida, do venire contra factum proprium, pois ambas as figuras atuam como fatores de preservação da confiança alheia. Mas dele se diferencia primordialmente pois, enquanto no venire, a expectativa do outro decorre de uma conduta ativa anterior, que não pode ser desmentida posteriormente; na supressio, a expectativa nasce da omissão prolongada do titular do direito, cuja inércia, associada a elementos objetivos que indiquem o desuso, conduz à convicção de que tal direito não será mais exercido.

    Assim, a inércia prolongada do credor de alimentos em promover a execução da pensão em débito pode gerar, no devedor, a legítima expectativa de que a prestação não é mais necessária, conduzindo à estabilização da situação de inadimplemento. Em sentido inverso, o alimentante que, mesmo exonerado, opta voluntariamente por continuar realizando os pagamentos, conduz ao alimentando a expectativa de continuidade da prestação, a qual pode tornar-se juridicamente relevante, especialmente diante da reiterada e sistemática manifestação de vontade.

    A aplicação da boa-fé no âmbito do Direito de Família reforça a dimensão ética e funcional da confiança, reafirmando seu papel como vetor interpretativo e integrativo. A eventual violação de justa expectativa deverá ser verificada na situação em concreto, devendo o julgador buscar a melhor forma de concretização das expectativas e esperanças criadas no ambiente familiar.

    O caráter de transitoriedade dos alimentos entre ex-cônjuges parece traduzir o conteúdo da boa-fé objetiva, uma vez que deve a obrigação alimentar garantir o fornecimento de auxílio material ao cônjuge depreciado em razão de sua vulnerabilidade social e econômica, até que possa retomar sua autonomia financeira.

    Os alimentos transitórios não serão cabíveis, entretanto, quando as necessidades são permanentes, em decorrência da incapacidade perene do alimentando de promover seu próprio sustento.

    A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a perenidade da obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges em situações excepcionais, como na impossibilidade prática de reinserção do alimentando no mercado de trabalho; em hipótese de idade avançada do alimentando; ou de condição de saúde fragilizada.

    Dessa forma, constatando-se, na espécie, a incapacidade laboral do alimentando, saúde fragilizada, idade avançada ou qualquer impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho, ou de adquirir autonomia financeira, a pensão alimentícia entre ex-cônjuges poderá ser fixada por prazo indeterminado.

    No caso, é incontroverso que as partes se encontram divorciadas há mais de 30 (trinta anos), tendo firmado acordo para pagamento de pensão alimentícia pelo ex-marido à ex-esposa, correspondente a 5% dos seus rendimentos líquidos, além de pagamento de plano de saúde, pelo prazo de um ano. Referido acordo fora homologado judicialmente em 1993.

    Dois anos depois, as partes peticionaram nos autos da ação de divórcio requerendo a alteração do acordo, para que o pagamento da pensão alimentícia fosse prorrogado por prazo indeterminado. Embora não tenha o juízo conhecido do pedido, em razão da necessidade de ajuizamento de ação própria, o ex-marido permaneceu alcançando a pensão alimentícia à ex-esposa por mais de 25 (vinte e cinco) anos, até o ajuizamento da ação de exoneração, em julho de 2018.

    O fato de a ex-esposa ter recebido pensão alimentícia por mais de 25 (vinte e cinco) anos, no entanto, não demonstra sua inércia em retomar a independência financeira. Do contrário, a inércia do ex-marido em permanecer realizando os pagamentos mensais acordados por longo período, mesmo que exonerado, provocou na alimentanda a expectativa de que o direito de exoneração não seria mais por ele exercida.

    Portanto, evidencia-se, da conduta do alimentante, o instituto da supressio, visto que deixou de exercer seu direito de cessar o pagamento dos alimentos por mais de duas décadas, conduzindo à estabilização da situação de fato. Lado outro, surge para a alimentanda a surrectio, diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-marido.

    Com efeito, o alimentante que, mesmo exonerado, opta voluntariamente por continuar realizando os pagamentos, conduz ao alimentando a expectativa de continuidade da prestação, a qual pode tornar-se juridicamente relevante, especialmente diante da reiterada e sistemática manifestação de vontade.

    Some-se a isso o fato de que a ex-esposa teve de abdicar de seu trabalho em razão de mudança da família para a cidade de Petrópolis, em função do emprego do ex-marido. A realidade vivenciada pelo casal ao tempo da constância da sociedade conjugal deve ser considerada quando da fixação da pensão alimentícia.

    Ademais, tendo em vista que a alimentanda é pessoa idosa, possui doença grave e se encontra impossibilitada de se reinserir no mercado de trabalho; e o alimentante aufere renda suficiente para permanecer cumprindo a obrigação constituída; deve-se manter o pagamento da pensão alimentícia por prazo indeterminado.

    quarta-feira, 15 de outubro de 2025

    “São inconstitucionais as leis que obrigam supermercados ou similares a fornecer gratuitamente sacolas ou embalagens para as compras, por violação do princípio da livre iniciativa (arts. 1º, inciso IV, e 170 da Constituição)” (ADI 7.719/PB)

     


    Fornecimento obrigatório e gratuito de embalagem ao consumidor no âmbito estadual - ADI 7.719/PB 

     

    ODS: 111213 e 16

     

    Tese fixada:

     “São inconstitucionais as leis que obrigam supermercados ou similares a fornecer gratuitamente sacolas ou embalagens para as compras, por violação do princípio da livre iniciativa (arts. 1º, inciso IV, e 170 da Constituição)”.

     

    Resumo:

    É inconstitucional — por violar o princípio da livre iniciativa (CF/1988, arts. 1º, IV, e 170) — lei estadual que impõe aos estabelecimentos comerciais a obrigação de fornecer gratuitamente sacolas ou embalagens para acondicionamento de produtos adquiridos pelos consumidores. 

    Segundo jurisprudência desta Corte (1), não são válidas as leis que, a pretexto de proteger o consumidor, impõem ônus desproporcionais à atividade empresarial, como a obrigatoriedade de prestação gratuita de serviços acessórios, em especial quando não se demonstram necessários à tutela de consumidores em situação de vulnerabilidade.

    Na espécie, a lei estadual impugnada obriga o fornecimento gratuito de embalagens sem especificar o tipo de material, inclusive quando biodegradável ou reutilizável. Embora não haja contrariedade direta aos princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente (CF/1988, arts. 170, VI e 225, caput, V e VI), ou o afastamento de práticas sustentáveis, ela interfere indevidamente na liberdade de organização da atividade econômica, ao impor obrigação que não se revela adequada nem necessária à proteção do consumidor (CF/1988, art. 5º, XXXII).

    Além disso, o fornecimento de embalagens constitui comodidade que pode ser ofertada pelo fornecedor como diferencial competitivo, de modo que sua gratuidade ou onerosidade deve ser definida no âmbito da liberdade contratual, conforme estratégia de mercado. Assim, a exigência legal, além de não atender ao princípio da vulnerabilidade do consumidor, representa prática equiparável à venda casada (2), ao embutir o custo das embalagens no preço dos produtos, independentemente da necessidade ou da vontade do consumidor.

    Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.771/2012 do Estado da Paraíba (3) e fixou a tese anteriormente citada.

     

    (1) Precedentes citados: RE 839.950 (Tema 525 RG) e ADI 907.

    (2) CDC/1990: “Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.”

    (3) Lei nº 9.771/2012 do Estado da Paraíba: “ Art. 1° Ficam os supermercados, hipermercados e demais estabelecimentos comerciais do Estado da Paraíba, obrigados a fornecer ao consumidor gratuitamente embalagens para acondicionamento de produtos comprados em seu comércio. Art. 2" A substituição de embalagem de natureza não sustentável ao meio ambiente, de material polietileno para os de material biodegradável ou reutilizável, não será motivação, em nenhuma hipótese, para a cobrança do fornecimento de recipiente que acondicione os produtos adquiridos pelo consumidor no estabelecimento comercial. Art. 3° O descumprimento a esta Lei acarretará ao infrator a sanção de 100 (cem) UFR/PB. Art. 4° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."

     

    ADI 7.719/DF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 18.08.2025 (segunda-feira), às 23:59

    segunda-feira, 13 de outubro de 2025

    "Não se mostra razoável enquadrar a mãe biológica em nenhuma das hipóteses de perda do poder familiar previstas no art. 1.638 do Código Civil, por ter sido vítima de violência sexual no ambiente doméstico aos quatorze anos de idade e não lhe ter sido oportunizado apoio estatal para ter a criança consigo enquanto permaneceu acolhida institucionalmente"

     


    Processo

    Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/8/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

    Tema
     

    Ação de destituição do poder familiar cumulada com Adoção. Mãe biológica adolescente, vítima de violência sexual no ambiente doméstico. Requisitos do art. 1.638 do CC. Ausência. Guarda provisória da menor com família substituta há mais de 10 anos. Reconhecimento da multiparentalidade. Melhor interesse da criança.

    Destaque

    Não se mostra razoável enquadrar a mãe biológica em nenhuma das hipóteses de perda do poder familiar previstas no art. 1.638 do Código Civil, por ter sido vítima de violência sexual no ambiente doméstico aos quatorze anos de idade e não lhe ter sido oportunizado apoio estatal para ter a criança consigo enquanto permaneceu acolhida institucionalmente.

    Informações do Inteiro Teor

    Trata-se, na origem, de ação de destituição do poder familiar cumulada com adoção na qual se pleiteou a procedência da ação sob o fundamento de que a criança nunca teve contato com a família biológica, estando plenamente inserida no núcleo familiar dos adotantes. A parte recorrente defende que a negativa de adoção, sob o pretexto de preservar-se o vínculo biológico, com fundamento no reconhecimento da multiparentalidade, não só ignora a realidade afetiva consolidada mas também impõe à menina uma situação de instabilidade emocional.

    Nesse contexto, cinge-se a controvérsia a saber se é possível o reconhecimento da multiparentalidade no caso, ou se a destituição do poder familiar é a melhor solução.

    O caso apresenta uma situação peculiar, em que foram vítimas todos os envolvidos, principalmente a própria genitora, que foi mãe aos 14 anos de idade, vítima de violência sexual pelo padrasto no ambiente doméstico e, além disso, estava em situação de risco na companhia da mãe que foi diagnosticada com esquizofrenia.

    Portanto, não teve apoio familiar, nem do Estado, para enfrentar a delicada situação. A adolescente não tinha discernimento para consentir com a adoção, tampouco tinha conhecimento de que poderia ficar acolhida institucionalmente juntamente com sua filha.

    Por outro lado, a menor está sob a guarda dos adotantes desde os primeiros dias de vida, há aproximadamente dez anos, tempo em que criou laços afetivos com o casal, consolidando reciprocamente a relação filial, de modo que a alteração no quadro atual afetaria seu estado emocional e desenvolvimento psicológico.

    Em que pesem os adotantes, ora agravantes, terem recebido a criança por intermédio do Poder Público, em absoluta e inequívoca regularidade do procedimento adotivo, não se pode ignorar que o contexto fático apresentado não se mostra adequado para enquadrar a recorrida, ora agravada, em nenhuma das hipóteses de perda do poder familiar previstas no art. 1.638 do Código Civil.

    Isso, porque, observando-se atentamente o contexto dos autos, não é possível considerar tenha havido o abandono espontâneo da criança, nem o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar com submissão voluntária da menor a situação de risco.

    Assim, a melhor solução é a multiparentalidade, com o reconhecimento da paternidade socioafetiva dos requerentes sem a perda do poder familiar da genitora, preservando-se a guarda dos recorrentes, mas assegurando-se o direito de visitas à mãe biológica, medida adotada em observância ao princípio do melhor interesse da menor.

    Trata-se de entendimento firmado à luz da tese fixada em sede de repercussão geral pelo eg. Supremo Tribunal Federal a respeito da multiparentalidade, que estabeleceu que "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios" (RE 898.060/SC, Relator: Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 21/9/2016, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito - DJe-187 Divulg. 23-8-2017 Public. 24-8-2017).

    domingo, 12 de outubro de 2025

    Indicação de livro: "A construção do direito", de Gustavo Tepedino (Ed. Fórum)

    "A presente obra reúne 53 entrevistas concedidas por grandes juristas, cujo pensamento repercute de maneira notável na interpretação e aplicação do direito. Estes depoimentos foram publicados nos 52 (cinquenta e dois) volumes da Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, ao longo de 12 anos (2000 a 2012). Trata-se de verdadeiro tesouro, que reflete a beleza da forma de interpretar e de raciocinar daqueles que contribuíram decisivamente para a construção da cultura jurídica atual, na constante tensão entre fato e norma, entre direito e vida. Os entrevistados, cada qual a sua maneira, refletem sua paixão pelo direito, suas experiências acadêmicas e profissionais, servindo as entrevistas como incentivo e inspiração para os estudantes e estudiosos de todas as gerações"

     

    https://loja.editoraforum.com.br/a-construcao-do-direito


    sábado, 11 de outubro de 2025

    "Desde que observados os parâmetros jurídicos e técnicos fixados pelo Supremo Tribunal Federal, a lei pode determinar cobertura de tratamentos ou procedimentos não previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)." (ADI 7.265/DF

     


    DIREITO CONSTITUCIONAL – SAÚDE SUPLEMENTAR; PLANOS DE SAÚDE; COBERTURA; PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR; ORDEM SOCIAL; INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA 

    DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIÇOS PÚBLICOS; AGÊNCIA REGULADORA; AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE COMPLEMENTAR; PODER REGULAMENTAR

     

    Planos de saúde: hipóteses excepcionais de cobertura fora do rol estabelecido pela ANS ADI 7.265/DF 


     

    Teses fixadas:

                “1. É constitucional a imposição legal de cobertura de tratamentos ou procedimentos fora do rol da ANS, desde que preenchidos os parâmetros técnicos e jurídicos fixados nesta decisão. 2. Em caso de tratamento ou procedimento não previsto no rol da ANS, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) prescrição por médico ou odontólogo assistente habilitado; (ii) inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em proposta de atualização do rol (PAR); (iii) ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol de procedimentos da ANS; (iv) comprovação de eficácia e segurança do tratamento à luz da medicina baseada em evidências de alto grau ou ATS, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível; e (v) existência de registro na Anvisa. 3. A ausência de inclusão de procedimento ou tratamento no rol da ANS impede, como regra geral, a sua concessão judicial, salvo quando preenchidos os requisitos previstos no item 2, demonstrados na forma do art. 373 do CPC. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do art. 489, §1º, V e VI, e art. 927, III, §1º, do CPC, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de cobertura de procedimento ou tratamento não incluído no rol, deverá obrigatoriamente: (a) verificar se há prova do prévio requerimento à operadora de saúde, com a negativa, mora irrazoável ou omissão da operadora na autorização do tratamento não incorporado ao rol da ANS; (b) analisar o ato administrativo de não incorporação pela ANS à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, sem incursão no mérito técnico-administrativo; (c) aferir a presença dos requisitos previstos no item 2, a partir de consulta prévia ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível, ou a entes ou pessoas com expertise técnica, não podendo fundamentar sua decisão apenas em prescrição, relatório ou laudo médico apresentado pela parte; e (d) em caso de deferimento judicial do pedido, oficiar a ANS para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória”.

     

    Resumo:

    Desde que observados os parâmetros jurídicos e técnicos fixados pelo Supremo Tribunal Federal, a lei pode determinar cobertura de tratamentos ou procedimentos não previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

    O texto constitucional conferiu à saúde a natureza de direito fundamental, impondo ao Estado o dever de assegurar sua proteção, promoção e recuperação (CF/1988, arts. 6º, caput, e 196). Em complementariedade ao sistema público, a Constituição facultou a participação da iniciativa privada na prestação de serviços de saúde, condicionando-a à atuação regulatória, fiscalizatória e de controle do poder público, por intermédio da ANS, em razão do caráter público dessas atividades e da indisponibilidade do direito à saúde (CF/1988, art. 197).

    Por meio de um rol regulado e tecnicamente fundamentado, a ANS visa equilibrar o acesso a tratamentos eficazes com a sustentabilidade do sistema. A atuação regulatória baseada em evidências, com regras claras e estáveis, é indispensável para garantir a viabilidade econômica das operadoras e a proteção dos beneficiários. Nesse contexto, a obrigatoriedade de cobertura de procedimentos não previstos no rol da ANS não viola o caráter complementar da saúde suplementar (CF/1988, art. 199, § 1º) nem compromete a função reguladora da agência (CF/1988, arts. 174, 196 e 197), desde que observados critérios objetivos que assegurem a segurança jurídica (CF/1988, art. 5º, XXXVI), a sustentabilidade do sistema e a proteção dos beneficiários (CF/1988, art. 5º, XXXII).

    Além disso, a ausência de inclusão do procedimento no rol da ANS impede, como regra geral, sua concessão judicial, salvo quando preenchidos, de forma cumulativa, os cinco requisitos objetivos elencados nas teses ora fixadas pelo STF, cujo ônus probatório deverá ser demonstrado (CPC/2015, art. 373). Nessas hipóteses, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de cobertura, deverá, obrigatoriamente, seguir condições específicas fixadas nas teses do STF.

    Na espécie, o § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998 (com as inclusões promovidas pela Lei nº 14.454/2022) configura um mecanismo excessivamente aberto de flexibilização do rol, pois (i) sua redação não apresenta critérios técnicos objetivos e verificáveis; (ii) possibilita a cobertura fora do rol sem qualquer mediação ou avaliação prévia da ANS; e (ii) exige o preenchimento alternativo de um dos critérios fixados em seus dois incisos, reduzindo a capacidade de gestão do risco pelas operadoras e ampliando, potencialmente, a judicialização.

    Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para conferir interpretação conforme a Constituição ao § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, incluído pela Lei nº 14.454/2022 (1), de modo a adequar os critérios que geram a obrigação de cobertura de tratamento não listado no rol da ANS, nos termos das teses anteriormente citadas.

     

    (1) Lei nº 9.656/1998: “Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) (...) § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022)”.

     

    ADI 7.265/DF, relator Ministro Luís Roberto Barrosos, julgamento finalizado em 18.09.2025 (quinta-feira)

    sexta-feira, 10 de outubro de 2025

    "É possível, em ação de divórcio, o deferimento do pedido de partilha de bem superveniente, consistente em crédito oriundo de previdência pública, relativo a documento novo juntado aos autos após a contestação"

     


    Processo

    Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 19/5/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

    Tema

    Partilha de bens. Universalidade do patrimônio comum. Inclusão de documento relativo a fato superveniente. Crédito previdenciário. Ação ajuizada durante o matrimônio. Direito à partilha.

    Destaque

    É possível, em ação de divórcio, o deferimento do pedido de partilha de bem superveniente, consistente em crédito oriundo de previdência pública, relativo a documento novo juntado aos autos após a contestação.

    Informações do Inteiro Teor

    O propósito recursal consiste em decidir se é possível, em ação de divórcio, o deferimento de pedido de partilha de bem superveniente, pertencente ao patrimônio comum do casal, relativo a documento novo juntado aos autos após a contestação.

    O patrimônio comum do casal constitui uma massa universal e indivisa de bens que, a qualquer tempo, poderá ser extinta por meio da efetivação da partilha.

    No caso, logo após a realização da audiência de instrução e julgamento, a ex-esposa apresentou informação de sentença de procedência de ação previdenciária ajuizada pelo ex-marido, a qual concedeu-lhe o benefício de aposentadoria especial e determinou o pagamento dos valores atrasados pelo INSS.

    No entanto, o Tribunal de origem entendeu ser incabível a inclusão, na partilha, dos créditos acumulados decorrentes de aposentadoria especial concedida ao ex-marido, ao fundamento de que, embora devesse ser aplicado à matéria o mesmo raciocínio jurídico que embasou a procedência do pedido de partilha dos valores depositados a título de FGTS, não teria sido formulado, nos autos, pedido em tempo hábil visando à partilha dos mencionados créditos acumulados.

    O momento processual para a juntada de documentos novos deve ser a primeira oportunidade em que se puder falar do fato novo, desde que a prova esteja disponível à parte, ou no primeiro instante em que se possa opor às alegações da parte contrária.

    No ponto, é entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça a viabilidade de juntada de documentos novos, inclusive na fase recursal, desde que não se trate de documento indispensável à propositura da demanda, inexista má-fé na sua ocultação e seja observado o princípio do contraditório, nos termos do art. 435, caput, do CPC.

    No que se refere à possibilidade de partilha de crédito de previdência pública, no julgamento do Recurso Especial 1.651.292/RS, DJe 25/5/2020, a Terceira Turma decidiu que "deverá ser dada, à aposentadoria pública, o mesmo tratamento dispensado por esta Corte às indenizações trabalhistas, às verbas salariais recebidas em atraso e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, ou seja, devem ser objeto de partilha por ocasião do vínculo conjugal".

    Conforme o precedente, o crédito previdenciário decorrente de aposentadoria pela previdência pública que somente veio a ser recebido após o divórcio, mas tem como elemento causal uma ação judicial ajuizada na constância da sociedade conjugal e na qual se concedeu o benefício retroativamente a período em que as partes ainda se encontravam vinculadas pelo casamento, deve ser objeto de partilha. Do contrário, "a eventual incomunicabilidade dos proventos do trabalho geraria uma injustificável distorção em que um dos cônjuges poderia possuir inúmeros bens reservados frutos de seu trabalho e o outro não poderia tê-los porque reverteu, em prol da família, os frutos de seu trabalho".

    Portanto, nos regimes comunheiros, os créditos oriundos de previdência pública devidos à época do matrimônio deverão integrar a partilha de bens do casal, ainda que tenham sido recebidos posteriormente à dissolução do vínculo.

    quarta-feira, 8 de outubro de 2025

    "É descabido o arbitramento de aluguel em desfavor da mulher vítima de violência doméstica que, após o divórcio, permanece na posse exclusiva de bem imóvel do ex-casal e reside com a prole comum após o afastamento do cônjuge ou companheiro da residência familiar em razão de medida protetiva de urgência, pois não se configura enriquecimento sem causa ou vantagem do ex-cônjuge que permanece no imóvel"

     


    Processo

    Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/6/2025, DJEN 9/6/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL

    Tema
     

    Posse de imóvel comum. Dissolução do vínculo conjugal. Moradia da prole comum. Vítima de violência doméstica e familiar. Arbitramento de aluguel. Descabimento. Ausência de enriquecimento sem causa.

        Destaque

        É descabido o arbitramento de aluguel em desfavor da mulher vítima de violência doméstica que, após o divórcio, permanece na posse exclusiva de bem imóvel do ex-casal e reside com a prole comum após o afastamento do cônjuge ou companheiro da residência familiar em razão de medida protetiva de urgência, pois não se configura enriquecimento sem causa ou vantagem do ex-cônjuge que permanece no imóvel.

        Informações do Inteiro Teor

        A questão controvertida reside em decidir se é cabível arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo de bem imóvel comum, em razão do divórcio dos proprietários, considerando-se que: (I) o uso exclusivo do bem é realizado por vítima de violência doméstica; (II) residem no imóvel mãe e filha, sendo esta atualmente adolescente; e (III) mãe e filha são hipossuficientes.

        No julgamento do REsp 1.250.362/RS, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que, na separação e no divórcio, sob pena de gerar enriquecimento sem causa, o fato de um dos cônjuges deter a posse exclusiva de bem imóvel comum dá direito, ao outro, ao recebimento de indenização, ainda que pendente a partilha dos bens.

        O direito à indenização pelo uso exclusivo de bem comum em razão do rompimento de vínculo conjugal está assentado, especialmente, na premissa de que o uso do imóvel comum com exclusividade por um dos cônjuges impede ao outro a fruição do bem, havendo situação de enriquecimento sem causa.

        Há hipóteses, entretanto, que não se verifica qualquer vantagem daquele que está no uso e gozo do bem comum, em detrimento do outro. Em tais situações, não há que se falar em indenização, uma vez que não há enriquecimento sem causa.

        Partindo-se do pressuposto de que o fundamento da indenização está assentado especialmente no fato de ex-cônjuge usar do bem comum com exclusividade, é forçoso concluir que, se o ex-cônjuge reside no bem em conjunto com a prole comum do casal, não há posse exclusiva. Nesse caso, há proveito indireto do ex-cônjuge impossibilitado de usufruir o bem, na medida em que proverá, aos filhos, o direito à moradia digna. A utilização do bem pelos filhos dos coproprietários beneficia a ambos, não se configurando enriquecimento sem causa.

        Sob esta mesma ótica, o arbitramento de aluguéis pelo uso de bem imóvel comum por ex-cônjuge deverá sopesar a situação de maior vulnerabilidade que acomete o genitor encarregado dos cuidados com os filhos. A experiência mostra que, em geral, o cuidado com a prole é realizado em grande parte pelo genitor que com os filhos reside, sendo um trabalho, muitas vezes, invisível. Ainda que o genitor que não reside com os filhos cumpra com a prestação alimentícia, diversos gastos são despendidos pelo cuidador, para além de financeiros: entram na conta, também, o custo do tempo e do cuidado para com os filhos, trabalho este não remunerado, mas que coloca o cuidador em uma certa posição de vulnerabilidade.

        Na hipótese de medida protetiva de urgência que determina o afastamento do cônjuge ou companheiro da residência familiar, a imposição de obrigação pecuniária consistente em aluguel em razão do uso exclusivo do imóvel pela mulher vai de encontro à proteção inerente à própria medida cautelar.

        A imposição judicial de uma medida protetiva de urgência que determina o afastamento cautelar do cônjuge agressor não importa em qualquer vantagem à mulher que permanece no imóvel. Ao contrário, objetiva a proteção da vítima pelo Estado, que, no contexto social ainda hoje vivenciado, continua sofrendo discriminações, humilhações e violências físicas e psicológicas no seio da estrutura familiar.

        Logo, o afastamento do cônjuge ou companheiro da residência familiar em razão de medida protetiva de urgência não configura enriquecimento ou vantagem daquele ou daquela que permanece no imóvel.

        É, portanto, descabido o arbitramento de aluguel em desfavor da mulher vítima de violência doméstica que permanece na posse exclusiva de bem imóvel comum.