quarta-feira, 20 de agosto de 2025

"A teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, a qual, no compromisso de compra e venda de bem imóvel, exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor" (REsp 2.207.433-SP)

 


Processo

REsp 2.207.433-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/6/2025, DJEN 9/6/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Promessa de compra e venda de imóvel. Prescrição do saldo devedor. Adjudicação compulsória. Teoria do adimplemento substancial. Inaplicabilidade. Necessidade de quitação integral do preço.

Destaque

A teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, a qual, no compromisso de compra e venda de bem imóvel, exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se, na origem, de ação declaratória de prescrição cumulada com pedido de adjudicação compulsória, em que os demandantes narram terem celebrado com a demandada promessa de compra e venda do lote urbano, pelo qual convencionou-se o pagamento do valor total de R$ 56.969,00, a ser adimplido de forma parcelada.

Por força do contrato, os demandantes passaram a residir no imóvel. Houve o pagamento do valor correspondente a R$ 45.770,64, que perfazia 81,77% do total. A última parcela do contrato venceu em dezembro de 2011, sem que, nos anos seguintes, a demandada tenha efetuado qualquer cobrança. Diante disso, requereram os autores a declaração de prescrição do saldo devedor, bem como a expedição de mandado de adjudicação compulsória.

Assim, cinge-se a controvérsia em determinar se, na hipótese, é viável a adjudicação compulsória de bem imóvel, considerando, por um lado, a existência de saldo devedor já prescrito e, por outro, a aplicação da teoria do adimplemento substancial.

O direito à adjudicação compulsória encontra previsão nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil. Se, após a celebração de compromisso de compra e venda de bem imóvel, o promitente vendedor não cumprir a obrigação de outorgar a escritura definitiva, o promitente comprador tem o direito de pleitear, em juízo, a adjudicação compulsória.

O exercício do referido direito pelo promitente comprador, seja ele titular de direito real ou de direito obrigacional, condiciona-se à quitação do preço. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 2.499.259/SE, Terceira Turma, DJe 17/04/2024; REsp n. 1.602.245/RJ, Quarta Turma, DJe 23/09/2016; REsp n. 1.601.575/PR, Terceira Turma, DJe 23/08/2016.

É possível que, em compromisso de compra e venda de bem imóvel no qual se convencionou o pagamento em prestações sucessivas, ocorra, por inadimplemento do promitente comprador e por inércia do promitente vendedor, a prescrição das parcelas que compõem o saldo devedor. É igualmente possível que uma parte considerável do débito tenha sido devidamente adimplida. Nenhuma dessas situações, contudo, implica a quitação do preço, tampouco se mostra suficiente para a adjudicação compulsória pelo promitente comprador.

Acerca da prescrição, preceitua o artigo 189 do Código Civil: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206". Denota-se, em breves linhas, que a prescrição pode ser definida como a perda, pelo titular do direito violado, da pretensão à sua reparação.

O artigo 206, § 5º, I, do Código Civil, aplicado na hipótese, prevê que prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. Mostra-se inviável admitir, todavia, o reconhecimento de inexistência da dívida e quitação do saldo devedor, uma vez que a prescrição não atinge o direito subjetivo em si mesmo.

Na hipótese específica da adjudicação compulsória, a prescrição das parcelas inadimplidas, por atingir apenas a pretensão e não o direito subjetivo como tal, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da inexistência da dívida e a quitação do saldo devedor. Nesse sentido: REsp n. 1.694.322/SP, Terceira Turma, DJe 13/11/2017; AgInt no REsp n. 2.090.429/SP, Quarta Turma, DJe 3/11/2023.

No que tange à teoria do adimplemento substancial, deve-se pontuar que essa construção teórica "tem por objetivo precípuo impedir que o credor resolva a relação contratual em razão de inadimplemento de ínfima parcela da obrigação. A via judicial para esse fim é a ação de resolução contratual." (REsp n. 1.622.555/MG, Segunda Seção, DJe 16/03/2017).

Embora não disponha de previsão legal expressa, a teoria do adimplemento substancial é uma decorrência da boa-fé objetiva que deve nortear as relações negociais; nesse sentido, busca assegurar a preservação do contrato quando a parcela do inadimplemento mostrar-se desprezível quando cotejada com o que já foi adimplido.

Havendo o inadimplemento de um número relativamente reduzido de parcelas decorrentes do compromisso de compra e venda de bem imóvel, pode-se, ao menos por hipótese, cogitar a aplicação da teoria do adimplemento substancial, de modo que o promitente vendedor seja compelido a ingressar em juízo para a resolução do contrato. Isso, todavia, não elide o fato, objetivamente considerado, de que não houve a quitação integral do preço pelo promitente comprador.

Dessa forma, a teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, que exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor.

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