DIREITO CONSTITUCIONAL, DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇO CONCEDIDO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. ÔNIBUS. MANIFESTAÇÃO VIOLENTA EM VIA PÚBLICA. TENTATIVA DE O MOTORISTA DE ÔNIBUS FORÇAR PASSAGEM A DESPEITO DE OUTRO COLETIVO ARDER EM CHAMAS À SUA FRENTE. FOGO ATEADO AO VEÍCULO COM EMPREGO DE GASOLINA. EVASÃO DO MOTORISTA PELA PORTA DIANTEIRA SEM ABRIR A TRASEIRA. JANELA DE EMERGÊNCIA INOPERANTE. ABANDONO DOS PASSAGEIROS. PASSAGEIRA GRAVEMENTE QUEIMADA. DANO MORAL IN RE IPSA. DANO ESTÉTICO GRAVE. FALHA DO SERVIÇO. FALHA DO SERVIÇO. FALTA DE SEGURANÇA. DESPREPARO DO CONDUTOR. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. OMISSÃO ESPECÍFICA DO PODER CONCEDENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. DEVER DE INDENIZAR. EFETIVIDADE DAS INDENIZAÇÕES. CUMULAÇÃO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMOS INICIAIS. PARTE VENCEDORA ASSISTIDA POR DEFENSOR PÚBLICO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. ORDEM DE ARQUIVAMENTO DOS AUTOS AO TRÂNSITO EM JULGADO. PREMATURIDADE. Ação de responsabilidade civil proposta por passageira de ônibus em face da respectiva proprietária (concessionária municipal do serviço) e do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, com pedido de condenação solidária de os réus indenizarem danos emergentes, moral e estético. Alegação de que em 17.9.02, o coletivo em que estava tentou forçar passagem entre manifestantes originários de determinada favela próxima, apesar de os manifestantes já terem incendiado ônibus à frente, com o que àquele em que viajava foi deitada gasolina e ateado fogo, fato diante do qual o motorista escapuliu pela porta dianteira, sem abrir a traseira do veículo, cuja janela de emergência não funcionava, o que lhe provocou graves queimaduras, das quais resultou deformidade permanente e grave. Sentença que dá pela improcedência em face do MUNICÍPIO e, não acolhendo as verbas indenizatórias do prejuízo extrapatrimonial e do dano estético postuladas, por isso dá pela parcial procedência em relação à concessionária, condenando-a compor danos emergente, estético e moral, assim arbitrando em R$ 20.000,00 (atualmente R$ 29.120,32) a reparação do morfológico e em R$ 10.000,00 (hoje R$ 14.560,16) a do imaterial, tudo com correção e juros moratórios desde o evento danoso, ao tempo em que determinou que, "Com o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se." Apelos da pessoa jurídica de direito privado e da autora, aquela resignada com a condenação de compor dano emergente, esta inconformada com decreto de improcedência em face da pessoa política e com os valores indenizatórios. 1. Não prospera as teses de fortuito externo nem de fato de terceiro, considerando que o antijurídico descrito na petição inicial não foi a conduta da turba, a atear fogo ao ônibus, mas a do motorista, que a provocou, bem assim sua fuga, sem abrir uma das portas, além de a janela de emergência não funcionar. 2. Tais fatos caracterizam, por parte da concessionária, descumprimento do dever de prestar serviço adequado e seguro (Lei 8.987/95, art. 6.º, caput e § 1.º); o dever de o transportador conduzir incólume as pessoas que transporta não se limita a levá-los em segurança pela rota preestabelecida, senão manter em condições de pleno funcionamento dispositivo de salvatagem, treinar o condutor e o cobrador do coletivo para o enfrentamento de situações de emergência e, diante de uma ocorrência como a que verificou o motorista do ônibus que viria a ser incendiado, desviar-se, buscar alternativas ou simplesmente interromper a viagem, possibilitando que os passageiros se evadam. 3. Aqueles mesmos fatos caracterizam, por parte do poder concedente, descumprimento do dever de fiscalização do serviço (Lei 8.987/95, art. 29, I), eis que por falta de fiscalização permitiu circulação de ônibus com motorista despreparado para situações de pânico e janela de emergência inoperante; isso torna certa omissão específica. 4. A experiência comum autoriza a concluir que a passageira, acuada dentro de um ônibus em chamas, sendo queimada com severidade, a lutar desesperadamente pela sobrevivência, tentando sair de um veículo com duas das três saídas bloqueadas, passou por intenso desespero, enorme angústia, indizível pavor, tudo a caracterizar violentíssima agressão à sua dignidade; tal quadro retrata dano moral in re ipsa. 5. "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral" (Súmula 387 do STJ) porque o extrapatrimonial puro infligido a pessoa natural se opera no âmbito psíquico, mesmo em se tratando de ofensa à honra objetiva, enquanto que o outro se consubstancia na deformação morfológica, tão mais grave, quanto maior for a deformidade imposta à vítima. 6. Sendo in re ipsa o dano moral e provado o estético, ao tempo em que demonstrada o nexo de causalidade entre a conduta dos ofensores e o resultado danoso, àqueles se impõe o dever de solidariamente indenizá-la. 7. Constatando-se por perícia "que apesar de todo o tratamento médico-cirúrgico dispensado", das queimaduras resultaram "cicatrizes do tipo queloide (...) hipercrômica, estendendo-se pela face anterior do ombro direito, face anterolateral do braço e cotovelo direitos, face dorsal do antebraço e da mão direita, incluindo os dedos", além de "cicatriz de menor complexidade em face anteromedial do antebraço esquerdo", tudo a causar "forte impacto visual", tem-se gravíssimo dano estético, superlativo mesmo, de acordo com padrões culturais vigentes, se a vítima é mulher. 8. Nesse quadro, indenização equivalente a pouco mais de quarenta salários mínimos é destituída de qualquer capacidade de desagravar; valor que, assim, deve ser elevado a R$ 300.000,00. 9. No mesmo passo, indenização de dano moral pouco acima de vinte salários mínimos, compatível com o que, em média, se arbitra em caso de mera inclusão indevida de consumidor médio em cadastros restritivos de crédito, não é suficiente para desagravar, sancionar e inibir; mostra-se adequando, na espécie, arbitrar quantum indenizatório também em R$ 200.000,00. 10. Concorrendo para a causalidade adequada dos danos tanto a concessionária, quanto a pessoa política, a ambas solidariamente corresponde o dever de indenizar; a responsabilidade objetiva daquela repousa em que esses danos decorreram de fato do serviço (CDC, art. 14, caput), eis que a vítima era passageira, e, a desta, do risco administrativo (CRFB, art. 37, § 6.º).11. Em razão do contrato de prestação de serviço, de cuja falha decorreram os danos, contam-se da citação os juros moratórios incidentes sobre as indenizações, incidindo na data da sentença a correção monetária, das verbas indenizatórias de dano moral e estético. 12. É prematuro determinar que, com o trânsito em julgado, sejam os autos arquivados e baixada a distribuição da ação porque isso, se não impede, dificulta o cumprimento da sentença, sem contar constituir comando contra legem, a conflitar com o § 5.º do art. 475-J do CPC. 13. Sendo vitorioso o autor beneficiário de gratuidade de justiça, toca à parte vencida, que não o seja, o recolhimento das custas (Lei 1.060/50, art. 11, caput), o que inclui a taxa judiciária. 14. O prazo de recolhimento é de 60 dias contados da notificação que nesse sentido dirigir a secretaria do juízo ao devedor (Lei Estadual 3.350/99, art. 31, §§ 1.º e 2.º). 15. Excetuada a taxa judiciária, as demais custas não são devidas por Município, eis que delas é isento (Lei Estadual 3.350/99, art. 17, IX). 16. Na Justiça fluminense, honorários de sucumbência arbitrados em favor de parte assistida por defensor público revertem ao Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro. 17. Recursos aos quais se dá parcial provimento; sentença a cujo dispositivo são imprimidos reparos de ofício.
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Precedente citado: TJRJ AC 0113513-86.2010.8.19.0002, Rel. Des. Celso Ferreira Filho, julgado em 01/07/2014.
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0062649-57.2004.8.19.0001 - APELACAO
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TERCEIRA CAMARA CIVEL -
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Des(a). FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA - Julg: 07/08/2014
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Blog de direito civil dos professores Carlos Nelson Konder e Cintia Muniz de Souza Konder
sexta-feira, 2 de janeiro de 2015
INCENDIO EM ONIBUS PROVOCADO POR TERCEIROS EVASAO DO MOTORISTA JANELA DE EMERGENCIA INOPERANTE ABANDONO DOS PASSAGEIROS QUEIMADURAS CAUSADAS EM PASSAGEIRO DANO MORAL IN RE IPSA
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