segunda-feira, 5 de agosto de 2024

"Dono de estabelecimento de hospedagem onerosa de visitantes não responde civilmente por danos morais em razão de homicídio praticado em suas dependências por visitante hospedado no local"

 


TERCEIRA TURMA
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Processo

REsp 2.114.079-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 23/4/2024, DJe 30/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Responsabilidade por ato de terceiro. Dono de hotel. Fonte autônoma. Arts. 932 e 933 do CC. Homicídio praticado por hóspede nas dependências do estabelecimento. Fortuito externo. Ausência de nexo de causalidade.

Destaque

Dono de estabelecimento de hospedagem onerosa de visitantes não responde civilmente por danos morais em razão de homicídio praticado em suas dependências por visitante hospedado no local.

Informações do Inteiro Teor

Os arts. 932, IV e 933 do Código Civil (CC/2022) consagram hipóteses de responsabilidade civil por atos praticados por terceiros, dentre as quais há a previsão dos donos de estabelecimentos onde se alberga por dinheiro. A regra, de origem romana, foi redigida em uma época em que os proprietários das hospedarias eram, de algum modo, obrigados a referendar os seus hóspedes.

Na atualidade, contudo, o alcance total dessa norma merece ser repensado, principalmente após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, que estabeleceu a responsabilidade objetiva direta para todos os fornecedores de serviços, em relação aos danos que tenham por causa o fato do serviço, e não, o fato de outrem.

Conquanto os donos dessa espécie de atividade comercial sejam responsáveis pela segurança física e patrimonial dos seus hóspedes, a extensão dessa obrigação deve depender do contexto específico de cada caso, sob pena de se admitir a responsabilidade pelo risco integral deste ofício. O risco assumido - ou o risco que o empresário cria no desenvolvimento de sua atividade - é somente aquele que, por sua natureza, decorra do exercício do negócio, isto é, o risco que dimana dos meios normais de exercício do seu mister. Logo, quando o acontecimento é estranho e externo, sem vínculo com o negócio em si, não é possível a responsabilização.

Não se pode considerar como "própria" à atividade de um parque aquático que faz locação de chalés e cabanas a tutela dos hóspedes quanto ao risco de lesão física por eventuais condutas advindas de outro hóspede. Na hipótese, em que o homicídio foi causado por uma discussão envolvendo cerveja, ou seja, totalmente alheia ao negócio de hospedagem, o estabelecimento não passou de mera ocasião para o evento danoso.

Mesmo o moderno princípio da imputação civil dos danos exige relação causal. A teoria objetiva permite a responsabilização do fornecedor sem culpa, mas não sem uma causa.

Uma das hipóteses de rompimento do nexo causal é, justamente, a culpa exclusiva de terceiro, prevista no art. 14, § 3º, inciso II do CDC, a qual é aplicada quando a causa do evento danoso é fato completamente estranho à atividade desenvolvida pelo fornecedor, resultando na distinção entre fortuitos internos e externos.

E o Superior Tribunal de Justiça tem o posicionamento de que a responsabilidade do fornecedor não pode abranger os danos decorrentes do fortuito externo, ou seja, do fato que não tem ligação com a atividade. Ainda, a atuação efetiva e ostensiva de segurança, com revista pessoal e de bagagem foge da essência da atividade de lazer a que se destina o estabelecimento em questão.

Dessa forma, não é razoável aplicar o alcance total do art. 932, IV do CC pelo simples fato de o legislador ter optado por diferenciar os hotéis dos outros estabelecimentos de prestação de serviço. A tese não mais se sustenta por critérios legais, nem tampouco econômicos, devendo ser aplicado, ao caso, a excludente do nexo, por caracterização de fortuito externo.

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