quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

"A regra do art. 217, II, da Lei n. 8.112/1990 também se aplica para aqueles que tiveram sua pensão alimentícia fixada por escritura pública, em virtude de divórcio consensual extrajudicial"

 


Processo

EDcl no AgInt no REsp 2.126.307-ES, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, julgado em 28/10/2024, DJe 4/11/2024.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema

Servidor público. Divórcio extrajudicial com pensão alimentícia. Fixação por escritura pública. Percepção de pensão por morte a ex-cônjuge. Possibilidade.

Destaque

A regra do art. 217, II, da Lei n. 8.112/1990 também se aplica para aqueles que tiveram sua pensão alimentícia fixada por escritura pública, em virtude de divórcio consensual extrajudicial.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia acerca do direito ao recebimento do benefício de pensão pela morte de seu ex-marido, servidor público federal, uma vez que já recebe, na qualidade de pessoa divorciada extrajudicialmente, pensão alimentícia.

Na espécie, o juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar a União a implementar o benefício de pensão por morte. Em remessa necessária, a sentença foi reformada pelo Tribunal a quo, uma vez que o divórcio da requerente teria sido realizado de forma extrajudicial, com percepção de alimentos, e não judicialmente, conforme disposto no artigo 217, II, da Lei n. 8.112/1990.

O Superior Tribunal de Justiça, contudo, vem entendendo que o fato de o artigo 217, inciso II, da Lei n. 8.112/1990 prever como beneficiário da pensão por morte apenas o cônjuge divorciado (ou separado judicialmente ou de fato), com percepção de pensão alimentícia firmada judicialmente, não pode ser considerado um obstáculo ao recebimento do benefício por aqueles que tiveram sua pensão alimentícia fixada por escritura pública.

Isso ocorre porque a permissão do divórcio consensual pela via administrativa, introduzida pela Lei n. 11.441/2006, deve possuir a mesma validade do divórcio judicial, inclusive para a fixação de alimentos e disposições de natureza previdenciária e, consequentemente, considerada para efeitos de pensão por morte.

Impor diferenciação entre dependentes que percebem pensão alimentícia fixada judicialmente e os que, na forma do art. 3º da Lei n. 11.441/2007 e do art. 733, caput, do Código de Processo Civil (CPC), percebem pensão alimentícia registrada em escritura pública equivaleria a contrariar a mens legis dos novos diplomas (AgInt no REsp n. 1.960.527/RN, rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 16/2/2023).

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

"A desapropriação para comunidades quilombolas possui caráter reparatório e de promoção de direitos fundamentais, não se aplicando a esse procedimento os prazos de caducidade das desapropriações comuns"

 


Processo

REsp 2.000.449-MT, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 26/11/2024, DJe 9/12/2024.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITOS HUMANOS

Tema

Desapropriação. Comunidade quilombola. Decreto expropriatório. Prazo de caducidade. Não aplicação.

Destaque

A desapropriação para comunidades quilombolas possui caráter reparatório e de promoção de direitos fundamentais, não se aplicando a esse procedimento os prazos de caducidade das desapropriações comuns.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia em determinar se o prazo de caducidade - especificamente, o prazo de 2 anos estabelecido no art. 3º da Lei n. 4.132/1962 - aplica-se ao decreto expropriatório para fins de desapropriação voltada para titulação de terras às comunidades remanescentes de quilombos.

Nesse sentido, a análise sobre a aplicabilidade ou não de prazo de caducidade às desapropriações em benefício das comunidades quilombolas deve levar em consideração o tratamento constitucional diferenciado conferido ao processo de titulação de terras de ocupação tradicional e às especificidades desse tipo de desapropriação.

Com efeito, a Constituição Federal, no art. 68 do ADCT, assegura o direito das comunidades quilombolas à posse e à propriedade das terras que tradicionalmente ocupam, em razão de seus laços históricos e culturais com o território, de modo que o fundamento constitucional das desapropriações quilombolas difere-se do das desapropriações comuns reguladas no Brasil, seja pelo Decreto-Lei n. 3.365/1941, que trata das desapropriações por utilidade pública, seja pela Lei n. 4.132/1962, que se aplica a situações de interesse social para fins gerais.

Outra particularidade das desapropriações voltadas à titulação de terras para as comunidades quilombolas é o reforço do art. 216, § 1º, da Constituição Federal, que confere proteção ao patrimônio cultural brasileiro e reconhece o direito à propriedade como essencial para a preservação da identidade cultural quilombola.

Por sua vez, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, extraído do julgamento da ADI 3.239, é o de que o processo de desapropriação para titulação de terras às comunidades quilombolas possui um caráter reparatório e de promoção de direitos fundamentais, transcendente aos interesses puramente econômicos ou de desenvolvimento, uma vez que envolve territórios utilizados para garantir a sobrevivência e a cultura de um modo de vida específico das comunidades.

Cabe destacar que os prazos de caducidade previstos para as desapropriações comuns visam evitar a indefinição jurídica e a sujeição da propriedade tipicamente privada ao poder de império do Estado por tempo indeterminado. Em outras palavras, a caducidade do decreto impede que o poder expropriatório fique indefinidamente pendente, em respeito aos direitos do proprietário e à estabilidade das relações jurídicas eminentemente patrimoniais.

Contudo, no contexto das comunidades quilombolas, o principal objetivo é a preservação do direito fundamental à identidade cultural e territorial, de forma que a aplicação de prazos que comprometam a eficácia desse direito fundamental, quando já identificado e reconhecido pelo próprio Estado, não se justifica, ainda mais à luz do entendimento do STF sobre o tema.

Seguindo o raciocínio até aqui delineado, entende-se que os prazos de caducidade, tal como o prazo estabelecido no art. 3º da Lei n. 4.132/1962, aplicável às desapropriações convencionais, não devem incidir nesse tipo especial de desapropriação em prol dos direitos quilombolas, dado o seu objetivo constitucional específico e a sua regência por lei especial em sentido material (Decreto 4.887/2003).

Com isso, os institutos jurídicos não previstos no corpo normativo do Decreto n. 4.889/2003 somente podem ser aplicados se compatíveis com a essência e a finalidade do contexto protetivo e afirmativo da política pública em prol das comunidades quilombolas.

O silêncio do Decreto n. 4.887/2003 sobre um prazo de caducidade não deve ser entendido como uma lacuna normativa a ser preenchida por outras normas, ao contrário, reflete uma escolha deliberada ao normatizar e tratar essa modalidade de desapropriação e encontra-se alinhado com a natureza especial do processo de identificação, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas, que envolve a ocupação tradicional e a proteção de um direito constitucional fundamental.

A análise do art. 13 do Decreto n. 4.887/2003 revela que, ao ingressar na fase de desapropriação das terras para titulação das comunidades quilombolas, o Poder Público já concluiu os procedimentos administrativos de identificação, reconhecimento e delimitação dessas terras, pois constituem procedimentos prévios que configuram o reconhecimento estatal da ocupação tradicional e do direito quilombola sobre o território específico.

A desapropriação, portanto, não se destina à declaração ou ao reconhecimento de direitos, uma vez que eles já foram previamente reconhecidos no curso do procedimento administrativo. Trata-se, assim, de um processo final e formal que visa a efetivação desse direito fundamental, possibilitando a transferência de titularidade das terras de forma definitiva às comunidades quilombolas e a justa indenização aos detentores do título de propriedade incidente sobre tais terras.

À luz desse raciocínio, não se vislumbra a compatibilidade entre o instituto da decadência/caducidade e as desapropriações para titulação de terras quilombolas. Embora o intérprete do direito possa se valer de mecanismos jurídicos de interpretação ou integração das normas, deve se ater aos institutos que preservem a integridade e a essência dessas normas e do sistema jurídico ao qual pertencem, sob pena de incorrer em total desvio de finalidade.

Dessa forma, o Decreto n. 4.887/2003 cumpre a função de regulamentar o processo de titulação das terras quilombolas, assegurando a proteção dos direitos constitucionais dessas comunidades sem a submissão a prazos de caducidade que comprometam a plena realização desses direitos, pois a especialidade normativa das desapropriações de terras quilombolas justifica o tratamento diferenciado, revelando-se incompatível com a fixação de prazo de caducidade ao ato administrativo que reconhece a propriedade como pertencente às comunidades quilombolas. Sendo assim, o prazo de caducidade de 2 anos previsto no art. 3º da Lei 4.132/1962 não se aplica às desapropriações voltadas à titulação de terras às comunidades quilombolas.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

"O patrimônio herdado por representação jamais integra o patrimônio do descendente pré-morto e, por isso, não pode ser alcançado para pagamento de suas dívidas"

 


Processo

AREsp 2.291.621-RO, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/12/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Herança por representação. Patrimônio do pré-morto. Não integração. Impossibilidade de uso para pagamento de dívidas do pré-morto. Diferença da sobrepartilha.

Destaque

O patrimônio herdado por representação jamais integra o patrimônio do descendente pré-morto e, por isso, não pode ser alcançado para pagamento de suas dívidas.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se de discussão para saber se o patrimônio deixado pelos país de herdeiro pré-morto responde por suas dívidas. No caso, o Juízo de primeiro grau o excluiu do polo passivo da execução, considerando que já houve a partilha dos bens deixados por ele entre os seus herdeiros. Contudo, o Tribunal de origem entendeu que o espólio tinha legitimidade para figurar no polo passivo, pois ainda existiam bens sujeitos à sobrepartilha, provenientes da herança dos pais do devedor falecido.

Entende-se que sobrepartilha é a repartição de bens após a partilha que deveriam ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, dividindo-se em dois grupos, de acordo com o momento em que é aferida: se no curso do inventário, sobrepartilha prospectiva; se depois de encerrado, sobrepartilha retrospectiva.

Assim, segundo a doutrina, "a sobrepartilha retrospectiva envolve a localização (descoberta) de bens e/ou de direitos que deveriam ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, sendo necessário que se instaure novo processo em razão do inventário primitivo já ter findado".

Verifica-se, assim, que o caso não trata de sobrepartilha, pois não se discute o patrimônio do de cujus que deveria ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, mas sim o patrimônio herdado por representação, em que os representantes do herdeiro pré-morto recebem a mesma parte que seu ascendente receberia se estivesse vivo, nos termos dos arts. 1.851 e seguintes do Código Civil.

Ensina a doutrina que "o representante ocupa o lugar do representado e sucede diretamente o autor da herança, sendo evidente que o representante atua em seu próprio nome".

Assim, nem mesmo por ficção legal a herança integra o patrimônio do descendente pré-morto. Por essa razão, tal patrimônio não pode ser alcançado para pagamento das dívidas do codevedor falecido, cujo óbito ocorreu antes do de seus ascendentes.