terça-feira, 25 de agosto de 2015

Especial STJ - Gravidez, parto e expectativas frustradas

Situações que frustram expectativas criadas ao longo da gestação, grávidas que encontram dificuldades para exercer seus direitos, casos que envolvem negligência médica e até mesmo agressões físicas estão presentes na rotina de julgamentos do Superior Tribunal de Justiça.

Na maior parte das discussões a respeito de verbas indenizatórias fixadas pelas instâncias inferiores, o STJ tem registrado a impossibilidade de revisão dos valores em virtude da Súmula 7. Em situações excepcionais, o tribunal tem admitido o reexame desses valores, quando a reparação se mostra irrisória ou exorbitante, distanciando-se da razoabilidade.

Em agosto de 2013, a Segunda Turma decidiu majorar o valor da indenização por danos morais e estéticos sofridos por uma mãe no momento do parto. Durante a cirurgia cesariana, houve um curto circuito no bisturi elétrico, que provocou a combustão do produto utilizado para a assepsia da parturiente. Ela sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus (REsp 1.386.389).

De acordo com o relator do recurso, ministro Herman Benjamin, além do sofrimento físico e psicológico experimentado por qualquer pessoa que sofra queimaduras de segundo e terceiro graus, “o caso revela ainda a particularidade de os danos terem acontecido justamente no momento do parto, quando os naturais sentimentos de ternura, de expectativa e de alegria foram substituídos pela dor, pelo pânico e pelo terror de assistir ao próprio corpo pegar fogo, padecimento agravado pela cogitação de que tais danos pudessem afetar a saúde ou integridade física do bebê”.

Os ministros da Turma decidiram majorar o dano moral para R$ 60 mil e o estético para R$ 30 mil, “especialmente considerando os precedentes do STJ, que, em casos semelhantes de queimaduras, entendeu razoáveis reparações arbitradas em valor bastante superior” – lembrou Benjamin.

Tema bastante atual foi discutido na Terceira Turma em agosto de 2014. O recurso tratou da possibilidade de reconhecimento de danos morais para um recém-nascido em razão da falta de coleta das células-tronco de seu cordão umbilical no único momento em que isso seria possível: a hora do parto (REsp 1.291.247).

Os pais contrataram a empresa Cryopraxis Criobiologia para fazer a coleta e armazenagem do material genético do filho para utilizá-lo em eventual tratamento médico futuro. A empresa foi avisada sobre a data do parto, mas nenhum técnico compareceu ao local para a coleta.

Os pais ajuizaram ação de indenização em nome próprio e também em nome do bebê. A empresa alegou que não conseguiu chegar a tempo no local combinado, mas que restituiu o valor adiantado pelo casal. Sustentou ainda que o descumprimento do contrato não geraria reparação por danos morais.

A juíza de primeiro grau condenou a empresa ao pagamento de indenização no valor de R$ 15 mil ao casal. Contudo, julgou improcedente o pedido feito em nome da criança por considerar que o dano ao bebê seria apenas hipotético. Para ela, só se poderia falar em dano concreto se futuramente a criança precisasse das células-tronco embrionárias que não foram colhidas.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aumentou a indenização para R$ 15 mil a cada um dos genitores. Porém, manteve a improcedência da ação em favor do bebê, por entender que ele não tinha “consciência necessária a potencializar a ocorrência de um dano”. Afastou também a teoria da perda da chance, por não haver probabilidade real de a criança necessitar do material genético, já que nasceu saudável.

Ao STJ coube julgar se a criança poderia ou não ter sofrido dano. Segundo o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso, a criança foi a principal prejudicada pelo ato ilícito praticado pela empresa, “tendo, naturalmente, direito à indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido por ter sido frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para que, se eventualmente for preciso, fazer-se uso delas em tratamento de saúde”.

O ministro explicou que se tratava de “caso claro” de aplicação da teoria da perda de uma chance. Nesses casos, “o perdido, o frustrado, na realidade é a chance, e não o benefício esperado como tal”, disse.

O caso dividiu o colegiado, cuja maioria concordou com o relator e condenou a empresa a pagar indenização no valor de R$ 60 mil à criança.

Outra discussão envolvendo complicações na hora do parto foi travada na Quinta Turma, no julgamento de habeas corpus impetrado por uma médica acusada da morte de um bebê por inobservância de regra técnica da profissão (HC 228.998).

A mãe deu entrada no hospital às 13h com dores fortes. Ficou internada durante todo o dia aguardando a realização do parto. A médica, que era plantonista no hospital e atendeu a mãe durante o pré-natal, apenas orientava as enfermeiras por telefone, para que observassem os batimentos cardíacos do feto e aplicassem medicamento para aumentar a dilatação da paciente, que já tinha a recomendação de cesariana.

Os batimentos permaneceram normais até 21h40, quando uma enfermeira avisou à médica que não mais escutava os batimentos do bebê. A médica então foi para o hospital e mobilizou a equipe para uma cesariana de urgência. O feto foi retirado morto. A médica atestou como causa da morte: síndrome do cordão curto, aspiração maciça e parada cardiorrespiratória.

No habeas corpus impetrado no STJ, a médica objetivava o trancamento da ação penal ajuizada contra ela, alegando que a morte do feto havia se dado ainda no útero.

Sustentou que estariam diante de crime impossível, pois “não há falar em crime de homicídio (doloso ou culposo) de feto natimorto”.

De acordo com o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, os fatos descritos na denúncia foram “claros e determinados, podendo caracterizar, pelo menos em tese, o crime de homicídio culposo por inobservância de regra técnica”, pois consta nos autos que a mãe já estava em trabalho de parto havia mais de oito horas e os batimentos cardíacos foram monitorados por todo esse período até não mais serem percebidos.

O ministro ressaltou que, iniciado o trabalho de parto, não se fala mais em aborto, mas sim em homicídio ou infanticídio. Também, segundo ele, não é necessário que o bebê tenha respirado para configurar o crime de homicídio.

Situação semelhante à anterior foi julgada pela Sexta Turma do STJ. O colegiado não conheceu do habeas corpus impetrado por um pai que, com intenção de matar seu filho, golpeou a barriga da mãe no local onde o exame de ultrassom realizado anteriormente demonstrou estar a cabeça do bebê (HC 85.298).

O pai pediu o trancamento da ação penal ajuizada contra ele sob a alegação de que sua conduta foi tipificada como homicídio duplamente qualificado e lesão corporal grave. Para ele, o caso seria de lesão corporal com aceleração de parto. Sustentou que a conduta se deu antes do nascimento, não configurando homicídio. Como a criança nasceu viva, também não seria caso de aborto.

De acordo com a relatora Marilza Maynard, a lesão corporal à mãe foi produzida dolosamente, mas visando um resultado, que era a morte da criança. “Assim, é possível identificar o suposto dolo de matar, resultado possível tanto no delito de aborto quanto no de homicídio – ambos crimes contra a vida”, afirmou. A relatora explicou que, como a criança nasceu viva, mas faleceu em seguida em razão da agressão, o tipo deveria ser adequado para o crime de homicídio consumado.

Por isso, o colegiado não verificou na tipificação da conduta falha apta a justificar o trancamento da ação penal e entendeu que o caso deveria ser submetido ao veredicto do tribunal do júri.

Em outro julgamento (REsp 1.351.105), a Quarta Turma definiu que gera dano moral, passível de indenização, a violação do dever de guarda do cadáver de feto natimorto, “tendo em vista que provoca em seus familiares dor profunda com a descoberta da ausência dos restos mortais, a frustrar o sepultamento de ente querido, além de ensejar violação do direito à dignidade da pessoa morta”.

O recurso, relatado pelo ministro Raul Araújo, tratava do caso de uma mãe, grávida de gêmeos, que deu à luz no Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Marília (SP). Uma das crianças nasceu viva; a outra, morta. O corpo do bebê foi encaminhado a um laboratório para que se descobrisse a causa da morte e em seguida desapareceu, o que impossibilitou o sepultamento.

Raul Araújo afirmou que a impossibilidade de sepultamento do próprio filho em virtude do desaparecimento de seus restos mortais gerou ofensa a direito de personalidade por violação à integridade moral. Os ministros entenderam que a responsabilidade pela guarda do feto era do hospital, e não do laboratório para onde havia sido levado.

Mesmo assim, o colegiado reduziu o valor da indenização a ser paga à mãe para R$ 100 mil, por considerar que o valor de R$ 500 mil fixado pelo tribunal estadual era exorbitante.

No RMS 26.107, a Sexta Turma reconheceu que as servidoras públicas, incluídas as detentoras de função pública designada a título precário, “possuem direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme o disposto nos artigos 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal, e 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.


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