quinta-feira, 25 de abril de 2024

"É inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de fomento mercantil (factoring), ainda que o referido instrumento de confissão, assinado pelo devedor e duas testemunhas, tenha força executiva"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 2.106.765-CE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 15/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Contrato de fomento mercantil. Factoring. Instrumento particular de confissão de dívida. Invalidade. Ausência de direito de regresso. Risco da atividade mercantil.

DESTAQUE

É inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de fomento mercantil (factoring), ainda que o referido instrumento de confissão, assinado pelo devedor e duas testemunhas, tenha força executiva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

factoring (faturização ou fomento mercantil) pode ser definido, em linhas gerais, como a operação mercantil por meio da qual determinada empresa (faturizadora) compra os direitos creditórios de outra (faturizada), mediante pagamento antecipado de valor inferior ao montante adquirido. Nessa operação, há assunção de riscos para a empresa faturizadora, isto é, com a transferência do crédito pela faturizada - geralmente manifestado por meio de títulos de crédito -, há o risco de que o montante transferido não seja pago na data do vencimento.

A solvabilidade dos títulos, destarte, consubstancia álea inerente à atividade mercantil desenvolvida. Na hipótese de posterior inadimplência do título transferido, a doutrina leciona que a faturizadora não poderá cobrar a faturizada, porquanto a transferência do crédito, no factoring, realiza-se em caráter pro soluto, sem corresponsabilidade da faturizada, a qual, por sua vez, apenas responde pela existência do crédito no momento da cessão.

Segundo a doutrina, no caso de factoring, não há responsabilidade do endossante ou do cedente, porquanto haveria uma compra do crédito e dos riscos. Ora, havendo a compra dos riscos do faturizado não se pode exigir dele o pagamento do título.

O Superior Tribunal de Justiça compartilha desse entendimento e reforça, em diversos julgados, que a faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada em razão de inadimplemento dos títulos transferidos, visto que tal risco é da essência do contrato de factoring. Como consequência, nos contratos de faturização, são nulas eventuais cláusulas de recompra dos créditos vencidos e de responsabilização da faturizada pela solvência dos valores transferidos (AgInt no REsp n. 2.051.414/SP, Terceira Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023 e AgInt no AREsp n. 2.368.404/ES, Quarta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023).

Do mesmo modo, a Terceira Turma decidiu pela invalidade das notas promissórias emitidas com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, bem como pela insubsistência de eventual fiança ou aval aposto na cártula garantidora, in verbis: "[...] A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. [...] afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora" (REsp n. 1.711.412/MG, Terceira Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 10/5/2021).

Nessa linha de raciocínio, deve ser considerado inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de faturização (factoring). Em que pese o instrumento de confissão assinado pelo devedor e duas testemunhas tenha força executiva (art. 784, III, CPC), a origem desse débito corresponde à dívida não sujeita a direito de regresso. Logo, admitir a validade e autorizar a exigibilidade do referido título subverteria a própria lógica do fomento mercantil.

Desse modo, não há que se falar em livre autonomia da vontade das partes para instrumentalizar título executivo a fim de, sob nova roupagem (contrato de confissão de dívida), burlar o entendimento consolidado por esta Corte de Justiça acerca do tema.

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