quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

"Inexiste ofensa à soberania estrangeira a efetivação de forma global de uma ordem judicial específica de indisponibilidade de conteúdo na internet, considerado infrator segundo o direito brasileiro"

 


Processo

REsp 2.147.711-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 12/11/2024, DJe 26/11/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO INTERNACIONAL, DIREITO DIGITAL

Tema

Responsabilidade civil. Provedor de serviço de aplicação na internet (YouTube). Vídeo falso. Empresa brasileira difamada. Ordem judicial civil específica de indisponibilidade de conteúdo infrator com alcance global. Soberania estrangeira. Violação em tese. Inocorrência. Direito internacional. Liberdade de expressão. Limites. Regra de singularidade. Diretrizes da ONU.

Destaque

Inexiste ofensa à soberania estrangeira a efetivação de forma global de uma ordem judicial específica de indisponibilidade de conteúdo na internet, considerado infrator segundo o direito brasileiro.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia consiste em definir se uma ordem judicial específica (civil) de indisponibilidade de conteúdo na internet, considerado infrator à luz do direito brasileiro (vídeo difamatório), está limitada ao território brasileiro sob pena de violação - em tese - de soberania de países estrangeiros.

A constatação de haver decisões judiciais estrangeiras na Europa, na América do Norte, na Ásia e na Oceania, ordenando de forma global a indisponibilidade de conteúdo considerado ilegal nas respectivas jurisdições denota tendência mais proativa da comunidade judicial internacional em conferir maior efetividade à resolução de controvérsias que não mais se limitam aos conceitos tradicionais de território.

A avaliação de ofensa à soberania a que se refere a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é a nacional e diz respeito aos efeitos das decisões estrangeiras no Brasil, não o contrário. A ofensa, em tese, à soberania de países estrangeiros já era rechaçada no âmbito da jurisdição brasileira criminal nas hipóteses de fornecimento de dados ou conteúdo, mesmo que o acesso, a coleta, a guarda e o tratamento ocorressem fora do território brasileiro.

Os efeitos extraterritoriais das decisões judiciais brasileiras sobre atos na internet já eram realidade antes mesmo do advento do Marco Civil da Internet (MCI) diante da preocupação com a efetividade e a viabilidade da prestação jurisdicional sob pena de a rede mundial de computadores se tornar "terra de ninguém".

A Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) consolidou evolução dos conceitos tradicionais de jurisdição, território e fronteiras das normas processuais brasileiras. O art. 11 deste diploma legal consolidou o desdobramento da jurisdição brasileira com caráter transfronteiriço e sem qualquer limitação geográfica sobre os provedores de aplicações, bastando que os dados sejam coletados no território nacional para atrair a aplicação do direito brasileiro, tendo o legislador pátrio expressado claramente a intenção de "impedir que provedores que atuam no País, mas que não guardem os dados e os registros em território nacional, deixem de se subordinar às determinações administrativas e judiciais relativas à sua disponibilização ou retirada".

Na hipótese, a empresa brasileira no setor de alimentação foi vítima de difamação por compartilhamento de conteúdo falso (existência de ratos em suas dependências) em plataforma de compartilhamento de vídeo de provedor de aplicação (YouTube), sendo insuficiente a ordem de indisponibilidade apenas no Brasil, pois comprovado o acesso e a disponibilidade do conteúdo infrator na mesma aplicação em outros países.

É irrazoável o argumento de que não cabe ao judiciário brasileiro limitar acesso de internautas estrangeiros a conteúdo considerado infrator segundo o direito pátrio, pois é política institucional global do provedor de aplicação de agir "voluntariamente em algumas decisões judiciais que não são direcionadas" ao provedor "em consideração à autoridade dos tribunais para determinar se uma parte do conteúdo é ilegal de acordo com a legislação local", atestando maior probabilidade de remoção de "links para um conteúdo considerado falso por um tribunal, inclusive em jurisdições além do mandado original".

A ordem de indisponibilidade de conteúdo afeta interesse brasileiro e é fundamentada em normas brasileiras, sendo um mero efeito natural sua efetivação de forma transfronteiriça diante do caráter global que permeia a rede mundial de computadores, que é por definição um "sistema...estruturado em escala mundial" (art. 5º, I, do MCI).

Mesmo no direito internacional, o interesse público da liberdade de expressão não é absoluto e comporta limitação de forma legítima quando há conflito com o interesse privado de proteção da honra desde que (i) haja previsão legal de ilicitude de ato difamatório e revisão judicial independente, (ii) a finalidade seja proteger reputação ou honra de terceiros, (iii) haja proporcionalidade no comando decisório de limitação e (iv) inexista discriminação em razão de atributos pessoais (e.g., nacionalidade das partes).

A extraterritorialidade da ordem de remoção de conteúdo difamatório com efeito transfronteiriço está alinhada à regra do controle singular de publicação abusiva - diretiva internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) que orienta como boa prática de limitação adequada de conteúdo na internet a concentração da responsabilização civil no menor número de foros para evitar dupla penalização por publicação do mesmo conteúdo em diferentes jurisdições. Uma plataforma, uma ação judicial.

Nenhum comentário: