quarta-feira, 30 de julho de 2025

"A responsabilidade solidária da pessoa jurídica, decorrente de ilícito pretérito ou que ainda produza efeitos, perdurará ainda que ocorram alterações contratuais, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária"

 


Processo

REsp 2.209.077-RS, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 3/6/2025, DJEN 11/6/2025.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). Responsabilidade solidária. Pessoa jurídica. Alterações contratuais, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. Ato ilícito pretérito ou que ainda produza efeitos. Art. 4º, § 2º, da Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).

Destaque

A responsabilidade solidária da pessoa jurídica, decorrente de ilícito pretérito ou que ainda produza efeitos, perdurará ainda que ocorram alterações contratuais, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.

Informações do Inteiro Teor

O art. 4º, § 2º, da Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) fixa expressamente a responsabilidade solidária entre as sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, consorciadas.

Segundo a doutrina, a referida lei pretende evitar que sejam excluídas de seu âmbito a situação dos grupos econômicos.

Assim, a interpretação do § 2º, quando feita em consonância com o caput do art. 4º da 12.846/2013, não exclui a responsabilidade de todas as empresas e grupos empresariais que não sofreram modificações societárias após a vigência da Lei Anticorrupção.

O § 2º tem a finalidade de abranger o maior número de situações possíveis no âmbito da criação, da transformação, do agrupamento e da dissolução de empresas, impedindo, dessa forma, a ausência de responsabilização em decorrência de lacuna legislativa.

caput do art. 4º da Lei n. 12.846/2013, por sua vez, determina que a responsabilidade da pessoa jurídica subsistirá, ainda que ocorra alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.

Desse modo, não há uma condição para a responsabilidade da pessoa jurídica, e sim uma ordem para que essa responsabilidade perdure, mesmo que ocorra alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.

Assim, subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica mesmo que ocorra alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.

Entender de modo diverso tornaria inócuo o objetivo da Lei Anticorrupção, que busca justamente coibir eventuais práticas ilícitas perpetradas em detrimento do interesse público.

domingo, 27 de julho de 2025

L. 15.171/2025 - Altera a Lei nº 9.797, de 6 de maio de 1999, e a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, para ampliar o direito das mulheres à cirurgia plástica reparadora da mama em casos de mutilação total ou parcial

 


Art. 1º Esta Lei tem por objetivo ampliar o direito das mulheres à cirurgia plástica reparadora da mama em casos de mutilação total ou parcial.

Art. 2º A ementa da Lei nº 9.797, de 6 de maio de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Dispõe sobre a obrigatoriedade da oferta da cirurgia plástica reconstrutiva da mama pela rede de unidades integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos de mutilação total ou parcial.” (NR)

Art. 3º A Lei nº 9.797, de 6 de maio de 1999, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 1º As mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial da mama, independentemente da causa, têm direito a cirurgia plástica reconstrutiva, respeitada a autonomia da mulher para, plenamente esclarecida, decidir livremente pela execução do procedimento.” (NR)

“Art.2º .......................................................................................................................................

.............................................................................................................................................................

§ 6º É assegurado, desde o diagnóstico, o acompanhamento psicológico e multidisciplinar especializado das mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial de mama decorrente de utilização de técnica cirúrgica para o tratamento de qualquer doença.” (NR)

Art. 4º O art. 10-A da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 10-A. Cabe à operadora definida no inciso II do caput do art. 1º desta Lei, por meio de sua rede de unidades conveniadas, prestar serviço de cirurgia plástica reconstrutiva de mama, utilizando-se de todos os meios e técnicas necessárias, para o tratamento de mutilação total ou parcial do órgão.

§ 1º Em caso de mutilação decorrente de tratamento cirúrgico, será utilizada, salvo contraindicação médica, a técnica cirúrgica de reconstrução simultânea ou imediata da mama, realizada em continuidade à intervenção cirúrgica que provocou a mutilação, respeitada a autonomia da mulher para, plenamente esclarecida, decidir livremente pela execução do procedimento.

..................................................................................................................................................... ” (NR)

Art. 5º Esta Lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial.

Brasília, 17 de julho de 2025; 204º da Independência e 137º da República.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

"O reconhecimento administrativo do direito, após decorrido por inteiro o prazo prescricional, implica renúncia à prescrição, reiniciando-se a contagem do prazo prescricional em sua integralidade em desfavor da Administração, e não pela metade (artigo 191 do CC/2002)."

 


Processo

EDcl no AgInt no REsp 2.023.087-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 17/3/2025, DJEN 26/3/2025.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL

Tema

Reconhecimento administrativo do direito após o transcurso do lustro prescricional. Renúncia à prescrição. Reinício da contagem do prazo prescricional em desfavor da Administração Pública. Integralidade.

Destaque

O reconhecimento administrativo do direito, após decorrido por inteiro o prazo prescricional, implica renúncia à prescrição, reiniciando-se a contagem do prazo prescricional em sua integralidade em desfavor da Administração, e não pela metade (artigo 191 do CC/2002).

Informações do Inteiro Teor

Trata-se de controvérsia que diz respeito à contagem do prazo prescricional (se por inteiro ou pela metade), caso ocorra renúncia à prescrição pela Adminstração Pública pelo reconhecimento administrativo do direito pretendido.

No caso, a Corte de origem entendeu que houve renúncia à prescrição no que diz respeito a créditos já consumados pelo prazo prescricional, assim como houve interrupção do prazo prescricional no que diz respeito a créditos ainda não atingidos pelo fato extintivo, atribuindo a ambos os institutos os mesmos efeitos: retomando-se a contagem prescritiva pela metade tanto na renúncia, quanto na interrupção do lustro, nos termos do artigo 9º do Decreto n. 20.910/1932.

Pois bem, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é certo que, interrompido o prazo, a prescrição volta a correr pela metade (dois anos e meio) a contar da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo, nos termos do que dispõe o art. 9º do Decreto n.º 20.910/32.

Ocorre que o mesmo entendimento não se aplica à hipótese de renúncia ao prazo prescricional, como assim decidiu a Corte de origem, tendo em vista que a jurisprudência do STJ é no sentido de que o reconhecimento administrativo do direito, após decorrido por inteiro o prazo prescricional, implica renúncia à prescrição, reiniciando a contagem do prazo prescricional em sua integralidade em desfavor da Administração, e não pela metade (artigo 191 do Código Civil/2002).

domingo, 20 de julho de 2025

L. 15.156/2025 - "Dispõe sobre o direito a indenização por dano moral e a concessão de pensão especial à pessoa com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika"

 


Art. 1º  Será concedida indenização por dano moral à pessoa com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, que consistirá em pagamento de parcela única no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), atualizado da data de publicação desta Lei até a data do pagamento pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Parágrafo único. Sobre a indenização prevista no caput deste artigo não incidirá o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.

Art. 2º  Será concedida pensão especial, mensal e vitalícia, à pessoa com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, de valor equivalente ao maior salário de benefício do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

§ 1º O benefício previsto no caput deste artigo será devido a partir da data de protocolização do requerimento na Previdência Social.

§ 2º O valor da pensão prevista no caput deste artigo será atualizado pelos mesmos índices e critérios estabelecidos para os benefícios do RGPS.

§ 3º A comprovação do direito ao benefício de que trata o caput deste artigo dar-se-á pela apresentação de laudo de junta médica, pública ou privada, responsável pelo acompanhamento da pessoa com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika.

§ 4º A pensão especial de que trata o caput deste artigo poderá ser acumulada com:

I - indenização por dano moral concedida por lei específica, inclusive a prevista no art. 1º desta Lei;

II - benefício de prestação continuada, de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; ou

III - benefícios previdenciários com renda equivalente a 1 (um) salário mínimo.

§ 5º Na hipótese de vedação de acumulação da pensão especial com rendimento ou indenização que, a qualquer título, venham a ser pagos pela União a seus beneficiários, será permitida a opção pelo benefício mais vantajoso.

§ 6º A pensão especial de que trata o caput deste artigo ficará isenta do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.

§ 7º Será devido abono anual ao titular da pensão especial, calculado, no que couber, da mesma forma que a gratificação natalina dos trabalhadores, e terá como base o valor da renda mensal do benefício do mês de dezembro de cada ano.

Art. 3º  A despesa decorrente da aplicação desta Lei correrá à conta do programa orçamentário Indenizações e Pensões Especiais de Responsabilidade da União.

Art. 4º  O art. 21 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6º:

“Art. 21.  ........................................................................................................................

.........................................................................................................

§ 6º A revisão de que trata o caput deste artigo, para efeito de constatação de permanência de deficiência, ficará dispensada no caso de benefício de prestação continuada concedido em virtude de deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, desde que o impedimento de que trata o § 2º do art. 20 desta Lei seja permanente, irreversível ou irrecuperável.” (NR)

Art. 5º A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 392.  ......................................................................................................................

.........................................................................................................

§ 6º A licença-maternidade de que trata o caput deste artigo será prorrogada por 60 (sessenta) dias em razão de nascimento ou de adoção de criança com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika.”.(NR)

“Art. 473.  .....................................................................................................................

§ 1º  ...............................................................................................................................

§ 2º Na hipótese de nascimento ou de adoção de criança com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, o prazo a que se refere o inciso III do caput deste artigo será ampliado para 20 (vinte) dias.” (NR)

Art. 6º Os arts. 71 e 71-A da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 71.  ........................................................................................................................

.........................................................................................................

§ 2º O salário-maternidade de que trata o caput deste artigo será prorrogado por 60 (sessenta) dias em razão de nascimento de criança com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada Zika.” (NR)

“Art. 71-A.  ....................................................................................................................

.........................................................................................................

§ 3º O salário-maternidade de que trata o caput deste artigo será prorrogado por 60 (sessenta) dias no caso de adoção ou de guarda judicial de criança com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika.” (NR)

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 1º de julho de 2025; 204º  da Independência e 137º  da República.

sexta-feira, 18 de julho de 2025

"Na audiência preliminar referente à repactuação de dívidas por superendividamento, embora recomendável à luz dos princípios da boa-fé e da cooperação entre os litigantes, não há obrigação legal para o credor apresentar contraproposta ou aderir ao plano de pagamento formulado pelo devedor, sendo inaplicável as sanções do art. 104-A, § 2º, do CDC"

 


Processo

REsp 2.188.689-RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Superendividamento. Audiência de conciliação. Ausência de aceitação do plano de pagamento sugerido pelo devedor e falta de apresentação de contraposta. Sanções do art. 104-A, § 2º, do CDC. Impossibilidade de aplicação analógica.

Destaque

Na audiência preliminar referente à repactuação de dívidas por superendividamento, embora recomendável à luz dos princípios da boa-fé e da cooperação entre os litigantes, não há obrigação legal para o credor apresentar contraproposta ou aderir ao plano de pagamento formulado pelo devedor, sendo inaplicável as sanções do art. 104-A, § 2º, do CDC.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia à possibilidade, ou não, de se impor ao credor as penalidades do artigo 104-A, § 2º do CDC quando, embora devidamente representado por preposto e advogado com poderes para transigir na audiência preliminar atinente à repactuação de dívidas por superendividamento, deixe de aderir ou oferecer contraproposta ao plano de pagamento apresentado pelo devedor.

O tema possui inegável relevância jurídica, espelhando importante desdobramento da aplicação prática da Lei n. 14.181/2021, que promoveu alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Pessoa Idosa para aperfeiçoar a disciplina de concessão de crédito ao consumidor e, em especial, dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

Assim, entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, às quais englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada, sem comprometer seu mínimo existencial, conforme artigo 54-A, § 1º e 2º do CDC.

A Lei n. 14.181/2021 inovou ao introduzir, no CDC, tratamento amplo acerca do superendividamento, não mais limitado a pretensões revisionais em demandas judiciais ou renegociações individuais, em mutirões de dívidas. Nesse sentido, a novatio legis oferece uma espécie de antídoto à crise financeira do consumidor, mediante a organização de um plano para viabilizar o pagamento dos seus débitos, restabelecer seu acesso ao mercado e voltar a consumir, além de preservar o mínimo existencial.

O procedimento estabelecido em lei prescreve uma fase conciliatória e preventiva à repactuação de dívidas, mediante realização de audiência preliminar com todos os credores, oportunidade na qual o consumidor apresentará um plano voluntário para o pagamento dos débitos.

Nessa primeira etapa foram fixadas sanções contra comportamentos do credor que inviabilizem ou retirem a utilidade da própria audiência, quais sejam: o não comparecimento injustificado, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir (art. 104-A, § 2º, do CDC).

Nessas hipóteses específicas, que colidem com os princípios nos quais se baseia a lei, em especial, a cooperação e a solidariedade, ocorrerá a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de adimplemento da dívida, caso o montante devido ao ausente for certo e conhecido pelo consumidor, circunstância na qual o pagamento do respectivo crédito somente ocorrerá após saldado o débito junto aos credores presentes à audiência conciliatória.

Em que pese a importância da audiência e o prestígio dado pelo sistema à autocomposição, não há respaldo legal para a aplicação, por analogia, das penalidades acima referidas, isto é, caso não haja acordo entre as partes, ou na hipótese do credor não apresentar contraproposta.

Dessa forma, a ausência de aceitação do plano de pagamento sugerido pelo devedor e a falta de apresentação de contraposta não geram, como consequência, a aplicação dos efeitos do § 2º do artigo 104-A do CDC, ensejando, apenas, a eventual instauração da segunda fase do processo de superendividamento para a revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas, ficando a cargo do juiz a possibilidade de conceder tutelas cautelares, as quais podem incluir, entre outras, as medidas do § 2º do artigo 104-A do CDC.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

"Deve ser afastada a responsabilidade de motorista de automóvel que, em razão do estouro de pneu por defeito de fabricação (fortuito externo), perde o controle da direção e colide com caminhão, causando danos materiais ao condutor."

 


Processo

REsp 2.203.202-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/6/2025, DJEN 16/6/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Ação indenizatória. Acidente de trânsito. Estouro de pneu. Defeito de fabricação. Fortuito externo. Ausência de elemento volitivo. Teoria do corpo neutro. Responsabilidade afastada.

    Destaque

    Deve ser afastada a responsabilidade de motorista de automóvel que, em razão do estouro de pneu por defeito de fabricação (fortuito externo), perde o controle da direção e colide com caminhão, causando danos materiais ao condutor.

    Informações do Inteiro Teor

    O propósito da controvérsia consiste em decidir se deve ser afastada a responsabilidade do motorista por fato de terceiro (fortuito externo), diante de acidente de carro, comprovadamente causado por defeito de fabricação no pneu, que resultou em danos a outrem.

    No caso, o motorista de carro, em razão do estouro de pneu por defeito de fabricação, perdeu o controle da direção e colidiu com caminhão, o que ocasionou a morte do primeiro condutor e danos materiais ao segundo.

    Diante da responsabilidade civil extracontratual derivada de acidentes automobilísticos, o Superior Tribunal de Justiça tem realizado interpretação a partir da teoria do corpo neutro, segundo a qual há a exclusão do nexo de causalidade por fato de terceiro quando este for a única causa do dano, sendo que tal se verifica quando não há ato volitivo do agente utilizado como instrumento. A teoria, usualmente invocada em situações de engavetamento, abrange também hipóteses nas quais o agente é, de modo inevitável, reduzido a mero instrumento físico por meio do qual terceiro ocasiona o dano.

    Nos sinistros veiculares, a decisão acerca da existência de fortuito externo (com o rompimento do nexo de causalidade) guarda intrínseca relação com a voluntariedade do agente no momento do acidente, isto é, com os elementos subjetivos da responsabilidade civil (dolo ou culpa).

    Compreende-se como involuntária e não volitiva a atuação do motorista de carro que, em razão do estouro de pneu por - comprovado - defeito de fabricação, perde o controle da direção e colide com caminhão, ocasionando a morte do primeiro condutor e danos materiais ao segundo. Nesta situação, o defeito do produto (art. 12 do CDC) configura fortuito externo que, por si só, é capaz de romper o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano ocasionado a outrem.

    Sem desconsiderar que os automóveis são instrumentos com potencialidade lesiva, não se pode conceber que a mera condução de veículo seja, de per si, causa suficiente para aplicação automática da responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único, do Código Civil), ainda mais quando o automóvel se encontra em velocidade compatível com a via e com sinais de manutenção regular.

    Conclui-se que o defeito do produto (art. 12 do CDC) configura fortuito externo que, por si só, é capaz de romper o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano ocasionado a outrem.

    segunda-feira, 14 de julho de 2025

    "É lícita a negativa de cobertura por operadora do plano de saúde de medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS"

     


    Processo

    Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL

    Tema
     

    Plano de saúde. Medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS. Negativa de Cobertura. Abusividade. Inexistência.

    Destaque

    É lícita a negativa de cobertura por operadora do plano de saúde de medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS.

    Informações do Inteiro Teor

    Cinge-se a controvérsia quanto à obrigatoriedade ou não de cobertura, pela operadora de plano de saúde, de medicamento à base de canabidiol (pasta de canabidiol), de uso domiciliar, não previsto no rol da ANS, prescrito para o tratamento de beneficiária diagnosticada com transtorno do espectro autista.

    É clara a intenção do legislador, desde a redação originária da Lei 9.656/1998, de excluir os medicamentos de uso domiciliar da cobertura obrigatória imposta às operadoras de planos de saúde; por esse motivo, inclusive, de lá para cá, algumas poucas exceções a essa regra foram sendo acrescentadas à lei e ao rol da ANS.

    Admitir que há obrigação de cobertura de medicamentos de uso domiciliar quando preenchidos os requisitos do § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998 é, na prática, fazer daquela regra uma exceção, considerando que estariam as operadoras obrigadas a prestar assistência farmacológica a um significativo número de beneficiários, portadores de variadas doenças crônicas, para cujo tratamento há, no mercado, inúmeros medicamentos de uso domiciliar de comprovada eficácia, nos moldes do que exige o § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998.

    Essas duas normas, portanto, conforme entendimento doutrinário, devem ser interpretadas como "partes de um só todo, destinadas a complementarem-se mutuamente".

    Dessa forma, por força do que dispõe o art. 10, VI, da Lei 9.656/1998, salvo nas hipóteses excepcional e expressamente previstas em lei, no contrato ou em norma regulamentar, a operadora não está obrigada à cobertura de medicamento de uso domiciliar (exceção legal), ainda que preenchidos os requisitos do § 13, porquanto tais requisitos, de acordo com a própria redação do dispositivo, estão relacionados à obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento excluído do plano-referência apenas por não estar previsto no rol da ANS (exceção regulamentar).

    Especificamente quanto à cobertura de medicamento à base de canabidiol, é certo que há, na jurisprudência do STJ, julgados no sentido de impor a sua cobertura à operadora do plano de saúde (AgInt no REsp 2.107.501/SP, Terceira Turma, julgado em 14/10/2024, DJe de 17/10/2024; AgInt nos EDcl no REsp 2.107.741/SP, Terceira Turma, julgado em 26/8/2024, DJe de 29/8/2024; REsp 2.128.977/SP, Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJe 09/09/2024; REsp 2.130.379/SP, Ministro João Otávio de Noronha, DJe 07/05/2024).

    No entanto, quando essa questão foi examinada sob a ótica da forma de administração do medicamento (domiciliar), como no presente recurso, a Terceira Turma do STJ afastou tal obrigação, concluindo que "a regra que impõe a obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS (§ 13) não alcança as exceções previstas nos incisos do caput do art. 10 da Lei 9.656/1998, de modo que, salvo nas hipóteses estabelecidas na lei, no contrato ou em norma regulamentar, não pode a operadora ser obrigada à cobertura de medicamento de uso domiciliar, ainda que preenchidos os requisitos do § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998" (REsp 2.071.955/RS, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024).

    Convém ressaltar que não prospera o argumento de que "os medicamentos à base de canabidiol, embora sejam de uso domiciliar, não devem ser equiparados àqueles adquiridos diretamente pelos consumidores em farmácias comuns", porque o que caracteriza o medicamento como de uso domiciliar é a sua forma de administração - em ambiente externo ao de unidade de saúde.

    Convém ademais ressaltar, noutra toada, que a cobertura será obrigatória se a medicação, embora de uso domiciliar, for administrada durante a internação domiciliar substitutiva da hospitalar, nos termos do que estabelece o art. 12, II, d, da Lei 9.656/1998, e o art. 13 da Resolução ANS 465/2021.

    Igualmente, ainda que administrado em ambiente externo ao de unidade de saúde, como em domicílio, será obrigatória a sua cobertura se exigir a intervenção ou supervisão direta de profissional de saúde habilitado (REsp 1.927.566/RS, Terceira Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021; AgInt nos EREsp 1.895.659/PR, Segunda Seção, julgado em 29/11/2022, DJe de 9/12/2022).

    Por fim, insta salientar que tramita, no Senado Federal, o PL 89/2023, que visa ao fornecimento, pelo SUS, de medicamentos formulados de derivado vegetal à base de canabidiol, de modo que espera-se, assim, que, em breve, todos aqueles que necessitam de medicamentos de uso domiciliar à base de canabidiol possam ter acesso gratuito ao fármaco devidamente prescrito

    sexta-feira, 11 de julho de 2025

    "É legítima a cobrança do laudêmio pela transferência onerosa de imóveis edificados sobre terreno de marinha, em caso de "permuta no local", espécie de negócio pelo qual a incorporadora recebe o terreno em troca dos imóveis futuramente construídos"

     


    Processo

    REsp 1.652.517-SC, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 10/6/2025, DJEN 16/6/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO ADMINISTRATIVO

    Tema

    Terreno de marinha. Permuta no local. Laudêmio. Incidência sobre a transferência dos imóveis construídos em troca do domínio útil do terreno cedido pelo ex-titular. Reserva parcial de titularidade sobre o terreno. Inexistência.

    Destaque

    É legítima a cobrança do laudêmio pela transferência onerosa de imóveis edificados sobre terreno de marinha, em caso de "permuta no local", espécie de negócio pelo qual a incorporadora recebe o terreno em troca dos imóveis futuramente construídos.

    Informações do Inteiro Teor

    Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de cobrança do laudêmio pela transferência onerosa de imóveis edificados sobre terreno de marinha, em caso de "permuta no local", espécie de negócio pelo qual a incorporadora recebe o terreno em troca dos imóveis futuramente construídos.

    Segundo o Tribunal de origem, a incidência não estaria justificada porque a parte recorrida reservou para si, desde o início, a parcela de 22,43% da fração ideal do terreno, por ocasião da primeira etapa da permuta. Essa parcela seria equivalente aos imóveis construídos que, portanto, jamais teriam saído da titularidade do cedente do domínio útil.

    Contudo, para o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito privado, essa entrega dos imóveis construídos é uma relação autônoma, pela qual o ex-proprietário do terreno paga, com ele, pelos novos imóveis que recebe. Isto é: a permuta não desnatura o negócio consumerista de compra do imóvel construído (REsp n. 686.198/RJ, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/10/2007, DJ de 1/2/2008), nem a relação tributária imobiliária das duas etapas da troca (REsp n. 722.752/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/3/2009, DJe de 11/11/2009).

    Não há nem mesmo possibilidade de confusão entre o domínio útil do terreno e dos imóveis construídos, como parece ter concluído a origem. Pela natureza do negócio entabulado, o que se pode compreender é que as construções transferidas ao ex-titular do domínio útil sobre o terreno equivaleriam, financeiramente, a aproximados 78% do valor do domínio útil do terreno todo, razão pela qual a parte recorrida reservou a titularidade da parcela remanescente. Essa questão, porém, diz respeito unicamente aos particulares e ao valor do negócio entre eles.

    Caso fossem relações privadas, haveria regular cobrança de ITBI (ou tributos sobre a renda, conforme o caso) sobre ambas as etapas da troca, tanto na transferência do terreno à construtora quanto na entrega dos imóveis construídos ao ex-proprietário do terreno.

    Em analogia, sendo aqui abordada relação de direito administrativo, há incidência do laudêmio pela transferência dos imóveis edificados, que não se confundem, de qualquer maneira, com o terreno anteriormente existente.

    Concluída a obra, portanto, aperfeiçoa a permuta pela transferência do novo imóvel ao ex-titular do domínio útil do terreno. É dizer, em outros termos, que a permuta no local não se confunde com contrato de empreitada, realizada esta pela construtora, em troca do domínio útil do terreno.

    Assim, no que tange ao pagamento do laudêmio sobre as edificações, o acórdão comporta reforma.

    Quanto à questão do laudêmio sobre o terreno nu, conforme a inicial, a autora reservou para si 22% das benfeitorias existentes sobre o terreno, e não sobre o próprio terreno. Não é possível compreender essa condição como reserva da titularidade do domínio útil sobre o terreno de marinha.

    Ainda que a reserva tivesse sido efetivada sobre o terreno, o que se extrairia seria a existência de uma espécie de "contrato de gaveta" sobre a titularidade do domínio útil do terreno de marinha, eventualmente válido entre os particulares, mas inoponível à União, ainda que registrado. Isso porque a transferência parcial do domínio útil demandaria novo aforamento e desmembramento do imóvel. Nesse mesmo sentido, por analogia, são as teses fixadas nos Temas a n. 1.142/STJ e n. 419/STJ.

    Nesse sentido, a transferência do domínio útil poderia ser parcial, disso não há dúvida, e somente seria cobrado o laudêmio sobre a parcela transferida, mas para isso seria necessária a atribuição da propriedade. Porém, o anterior titular do domínio não providenciou esse ato, tanto assim que foi necessário o recolhimento integral do laudêmio.

    Inexiste nessa exigência administrativa ilicitude apta a desconstituir a cobrança. Seria indispensável evidenciar a nulidade do ato administrativo, em primeiro lugar, ainda que pela regularização da titularidade do terreno de marinha, para posteriormente discutir-se a eventual insubsistência da cobrança.

    Dessa forma, mantida a premissa de que a transferência, no que tange à União, foi integral, não é viável restituir o laudêmio por força de contrato entre os particulares.

    quarta-feira, 9 de julho de 2025

    L.15.155/2025 - Altera a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, para incluir o incentivo ao empreendedorismo entre as medidas de apoio às pessoas com deficiência e para atualizar a terminologia relativa às pessoas com deficiência

     


    Art. 1º (VETADO).

    Art. 2º A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, passa a vigorar com as seguintes alterações:

    “Art. 1º (VETADO).

    .............................................................................................................................................................

    § 2º As normas desta Lei visam a garantir às pessoas com deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do poder público e da sociedade.” (NR)

    “Art. 2º Ao poder público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

    Parágrafo único. ........................................................................................................................

    I - .............................................................................................................................................

    .............................................................................................................................................................

    d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial em nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos com deficiência;

    e) o acesso de alunos com deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo;

    f) (VETADO);

    II - .............................................................................................................................................

    .............................................................................................................................................................

    d) a garantia de acesso das pessoas com deficiência aos estabelecimentos de saúde públicos e privados e de seu adequado tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados;

    e) a garantia de atendimento domiciliar de saúde a pessoas com deficiência grave não internadas;

    f) (VETADO);

    III - ............................................................................................................................................

    .............................................................................................................................................................

    b) o empenho do poder público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas com deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns;

    c) a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores público e privado, de pessoas com deficiência;

    d) (VETADO);

    e) o incentivo pelo poder público de ações para promover o empreendedorismo e estabelecer linhas de crédito orientadas especificamente a pessoas com deficiência;

    IV - ...........................................................................................................................................

    .............................................................................................................................................................

    b) a formação e qualificação de recursos humanos que, nas diversas áreas de conhecimento, inclusive de nível superior, atendam à demanda e às necessidades reais das pessoas com deficiência;

    c) o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico em todas as áreas do conhecimento relacionadas às pessoas com deficiência;

    V - na área das edificações, a adoção e a efetiva execução de normas que garantam a funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas com deficiência e que permitam o acesso dessas a edifícios, a logradouros e a meios de transporte.

    a) (revogada).” (NR)

    “Art. 9º (VETADO).

    ..................................................................................................................................................... ” (NR)

    “Art. 10. A coordenação superior de assuntos, ações governamentais e medidas referentes a pessoas com deficiência caberá ao Poder Executivo federal.

    ..................................................................................................................................................... ” (NR)

    “Art. 12. .....................................................................................................................................

    I - coordenar as ações governamentais e medidas que se refiram às pessoas com deficiência;

    .............................................................................................................................................................

    V - (VETADO);

    .............................................................................................................................................................

    VIII - promover e incentivar a divulgação e o debate das questões concernentes às pessoas com deficiência, visando à conscientização da sociedade.

    Parágrafo único. (VETADO).” (NR)

    “Art. 15. (VETADO).” (NR)

    “Art. 17. Serão incluídas no censo demográfico de 1990, e nos subsequentes, questões concernentes à problemática das pessoas com deficiência, objetivando o conhecimento atualizado do número de pessoas com deficiência no País.

    ..................................................................................................................................................... ” (NR)

    Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

    segunda-feira, 7 de julho de 2025

    "I) A exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar; II) Em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar."

     


    Processo

    REsp 2.093.929-MG, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 5/6/2025, DJEN 13/6/2025. (Tema 1261).

    REsp 2.105.326-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 5/6/2025, DJEN 13/6/2025 (Tema 1261).

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

    Tema

    Bem de família. Hipoteca. Dívida de pessoa jurídica. Proprietários únicos sócios da sociedade. Benefício da entidade familiar. Penhorabilidade. Ônus da prova. Tema 1261.

    Destaque

    I) A exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar;

    II) Em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

    Informações do Inteiro Teor

    A questão em discussão consiste em saber se a penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar, exige comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar, e como se distribui o ônus da prova nas garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária.

    O bem de família previsto na Lei n. 8.009/1990 constitui forma de proteção do imóvel urbano ou rural destinado à moradia familiar, retirando-o da possibilidade de excussão juntamente com os demais bens que compõem o patrimônio do devedor. Trata-se, em verdade, de proteção cujo instituidor é o próprio Estado, criada por norma de ordem pública e instituída imediata e ex lege pelo simples fato de constituir o imóvel residência do grupo familiar.

    No entanto, a Lei n. 8.009/1990 excepciona a regra da impenhorabilidade do bem de família na hipótese de execução hipotecária sobre o imóvel oferecido pelo casal ou entidade familiar: art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) V - para execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

    O dispositivo legal torna penhorável o imóvel destinado à moradia da família desde que o bem tenha sido oferecido à constituição de garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar.

    O Superior Tribunal de Justiça, a fim de compatibilizar a manutenção da efetividade da garantia hipotecária e seu caráter com a necessária proteção à moradia erga omnes da família, ao interpretar a exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, orientou-se no sentido de que se cuida de hipótese de renúncia à proteção legal, mas restringe sua abrangência somente para aqueles casos em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar, avançando para distribuir o ônus da prova da seguinte forma: (i) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e (ii) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

    Deve ser referido que a hipótese em que se justifica a exceção à impenhorabilidade se origina no oferecimento do bem imóvel em garantia hipotecária, comumente para o entabulamento de contrato de mútuo, de forma voluntária e formal, pelo devedor ou devedores.

    A partir do contexto da existência da garantia hipotecária, constituída sobre o imóvel ofertado pelo devedor, as instituições financeiras concedem-lhe financiamentos, pautados na confiança legítima e na formalização da garantia.

    Ao ofertar o bem para a constituição da garantia hipotecária, a atitude posterior dos próprios devedores tendente a excluir o bem da responsabilidade patrimonial revela comportamento contraditório. O nemo potest venire contra factum proprium tem por efeito impedir o exercício do comportamento em contradição com a conduta anteriormente praticada, com fundamento no princípio da boa-fé e da confiança legítima, sendo categorizado como forma de exercício inadmissível de um direito. Nessa concepção, consubstancia-se em forma de limite ao exercício de um direito subjetivo propriamente dito ou potestativo, ou, mais propriamente, à defesa do bem oferecido em garantia.

    Desta forma, fixam-se as seguintes teses: I) a exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar; II) em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.