REsp 2.188.689-RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Superendividamento. Audiência de conciliação. Ausência de aceitação do plano de pagamento sugerido pelo devedor e falta de apresentação de contraposta. Sanções do art. 104-A, § 2º, do CDC. Impossibilidade de aplicação analógica.
Na audiência preliminar referente à repactuação de dívidas por superendividamento, embora recomendável à luz dos princípios da boa-fé e da cooperação entre os litigantes, não há obrigação legal para o credor apresentar contraproposta ou aderir ao plano de pagamento formulado pelo devedor, sendo inaplicável as sanções do art. 104-A, § 2º, do CDC.
Cinge-se a controvérsia à possibilidade, ou não, de se impor ao credor as penalidades do artigo 104-A, § 2º do CDC quando, embora devidamente representado por preposto e advogado com poderes para transigir na audiência preliminar atinente à repactuação de dívidas por superendividamento, deixe de aderir ou oferecer contraproposta ao plano de pagamento apresentado pelo devedor.
O tema possui inegável relevância jurídica, espelhando importante desdobramento da aplicação prática da Lei n. 14.181/2021, que promoveu alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Pessoa Idosa para aperfeiçoar a disciplina de concessão de crédito ao consumidor e, em especial, dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.
Assim, entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, às quais englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada, sem comprometer seu mínimo existencial, conforme artigo 54-A, § 1º e 2º do CDC.
A Lei n. 14.181/2021 inovou ao introduzir, no CDC, tratamento amplo acerca do superendividamento, não mais limitado a pretensões revisionais em demandas judiciais ou renegociações individuais, em mutirões de dívidas. Nesse sentido, a novatio legis oferece uma espécie de antídoto à crise financeira do consumidor, mediante a organização de um plano para viabilizar o pagamento dos seus débitos, restabelecer seu acesso ao mercado e voltar a consumir, além de preservar o mínimo existencial.
O procedimento estabelecido em lei prescreve uma fase conciliatória e preventiva à repactuação de dívidas, mediante realização de audiência preliminar com todos os credores, oportunidade na qual o consumidor apresentará um plano voluntário para o pagamento dos débitos.
Nessa primeira etapa foram fixadas sanções contra comportamentos do credor que inviabilizem ou retirem a utilidade da própria audiência, quais sejam: o não comparecimento injustificado, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir (art. 104-A, § 2º, do CDC).
Nessas hipóteses específicas, que colidem com os princípios nos quais se baseia a lei, em especial, a cooperação e a solidariedade, ocorrerá a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de adimplemento da dívida, caso o montante devido ao ausente for certo e conhecido pelo consumidor, circunstância na qual o pagamento do respectivo crédito somente ocorrerá após saldado o débito junto aos credores presentes à audiência conciliatória.
Em que pese a importância da audiência e o prestígio dado pelo sistema à autocomposição, não há respaldo legal para a aplicação, por analogia, das penalidades acima referidas, isto é, caso não haja acordo entre as partes, ou na hipótese do credor não apresentar contraproposta.
Dessa forma, a ausência de aceitação do plano de pagamento sugerido pelo devedor e a falta de apresentação de contraposta não geram, como consequência, a aplicação dos efeitos do § 2º do artigo 104-A do CDC, ensejando, apenas, a eventual instauração da segunda fase do processo de superendividamento para a revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas, ficando a cargo do juiz a possibilidade de conceder tutelas cautelares, as quais podem incluir, entre outras, as medidas do § 2º do artigo 104-A do CDC.
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