Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025.
DIREITO CIVIL
Plano de saúde. Medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS. Negativa de Cobertura. Abusividade. Inexistência.
É lícita a negativa de cobertura por operadora do plano de saúde de medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS.
Cinge-se a controvérsia quanto à obrigatoriedade ou não de cobertura, pela operadora de plano de saúde, de medicamento à base de canabidiol (pasta de canabidiol), de uso domiciliar, não previsto no rol da ANS, prescrito para o tratamento de beneficiária diagnosticada com transtorno do espectro autista.
É clara a intenção do legislador, desde a redação originária da Lei 9.656/1998, de excluir os medicamentos de uso domiciliar da cobertura obrigatória imposta às operadoras de planos de saúde; por esse motivo, inclusive, de lá para cá, algumas poucas exceções a essa regra foram sendo acrescentadas à lei e ao rol da ANS.
Admitir que há obrigação de cobertura de medicamentos de uso domiciliar quando preenchidos os requisitos do § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998 é, na prática, fazer daquela regra uma exceção, considerando que estariam as operadoras obrigadas a prestar assistência farmacológica a um significativo número de beneficiários, portadores de variadas doenças crônicas, para cujo tratamento há, no mercado, inúmeros medicamentos de uso domiciliar de comprovada eficácia, nos moldes do que exige o § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998.
Essas duas normas, portanto, conforme entendimento doutrinário, devem ser interpretadas como "partes de um só todo, destinadas a complementarem-se mutuamente".
Dessa forma, por força do que dispõe o art. 10, VI, da Lei 9.656/1998, salvo nas hipóteses excepcional e expressamente previstas em lei, no contrato ou em norma regulamentar, a operadora não está obrigada à cobertura de medicamento de uso domiciliar (exceção legal), ainda que preenchidos os requisitos do § 13, porquanto tais requisitos, de acordo com a própria redação do dispositivo, estão relacionados à obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento excluído do plano-referência apenas por não estar previsto no rol da ANS (exceção regulamentar).
Especificamente quanto à cobertura de medicamento à base de canabidiol, é certo que há, na jurisprudência do STJ, julgados no sentido de impor a sua cobertura à operadora do plano de saúde (AgInt no REsp 2.107.501/SP, Terceira Turma, julgado em 14/10/2024, DJe de 17/10/2024; AgInt nos EDcl no REsp 2.107.741/SP, Terceira Turma, julgado em 26/8/2024, DJe de 29/8/2024; REsp 2.128.977/SP, Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJe 09/09/2024; REsp 2.130.379/SP, Ministro João Otávio de Noronha, DJe 07/05/2024).
No entanto, quando essa questão foi examinada sob a ótica da forma de administração do medicamento (domiciliar), como no presente recurso, a Terceira Turma do STJ afastou tal obrigação, concluindo que "a regra que impõe a obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS (§ 13) não alcança as exceções previstas nos incisos do caput do art. 10 da Lei 9.656/1998, de modo que, salvo nas hipóteses estabelecidas na lei, no contrato ou em norma regulamentar, não pode a operadora ser obrigada à cobertura de medicamento de uso domiciliar, ainda que preenchidos os requisitos do § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998" (REsp 2.071.955/RS, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024).
Convém ressaltar que não prospera o argumento de que "os medicamentos à base de canabidiol, embora sejam de uso domiciliar, não devem ser equiparados àqueles adquiridos diretamente pelos consumidores em farmácias comuns", porque o que caracteriza o medicamento como de uso domiciliar é a sua forma de administração - em ambiente externo ao de unidade de saúde.
Convém ademais ressaltar, noutra toada, que a cobertura será obrigatória se a medicação, embora de uso domiciliar, for administrada durante a internação domiciliar substitutiva da hospitalar, nos termos do que estabelece o art. 12, II, d, da Lei 9.656/1998, e o art. 13 da Resolução ANS 465/2021.
Igualmente, ainda que administrado em ambiente externo ao de unidade de saúde, como em domicílio, será obrigatória a sua cobertura se exigir a intervenção ou supervisão direta de profissional de saúde habilitado (REsp 1.927.566/RS, Terceira Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021; AgInt nos EREsp 1.895.659/PR, Segunda Seção, julgado em 29/11/2022, DJe de 9/12/2022).
Por fim, insta salientar que tramita, no Senado Federal, o PL 89/2023, que visa ao fornecimento, pelo SUS, de medicamentos formulados de derivado vegetal à base de canabidiol, de modo que espera-se, assim, que, em breve, todos aqueles que necessitam de medicamentos de uso domiciliar à base de canabidiol possam ter acesso gratuito ao fármaco devidamente prescrito
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