A Terceira Turma manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que reconheceu o direito de passagem de água por terreno alheio, diante do reconhecimento do direito de vizinhança correspondente. O recurso especial da empresa proprietária do terreno discutia obrigatoriedade de sujeitar seu imóvel à passagem de água entre imóveis não contíguos, mas o colegiado, de forma unânime, reconheceu a aplicação do direito de vizinhança no caso.
Na ação original, a Lemann Agroflorestal relatou que firmou contrato de arrendamento para utilização de um açude em São Lourenço (RS) com o objetivo de irrigar um outro imóvel, que seria destinado ao plantio de arroz. Para construir o sistema irrigatório, seria necessário reativar uma servidão de aqueduto anteriormente existente nas terras da empresa Agropecuária da Várzea Bonita.
Indenização
Em primeira instância, o magistrado julgou procedente o pedido da Lemann e autorizou a reativação da servidão de aqueduto, com averbação da construção em cartório. Como forma de compensação pela construção da passagem, o juiz estabeleceu indenização em produtos pela área efetivamente ocupada pelo canal.
O TJRS manteve a sentença por fundamento diverso, reconhecendo o direito de condução da água por terreno alheio, mediante prévia indenização ao proprietário, em razão da incidência do direito de vizinhança no conflito, de forma que cada proprietário possa exercer plenamente seu direito de propriedade.
Por entender tratar-se de direito de vizinhança, o TJRS decidiu afastar a necessidade de registro da servidão de aqueduto na matrícula do imóvel da empresa agropecuária.
Insatisfeita com a reforma parcial da sentença, a Várzea Bonita recorreu ao STJ, sob o argumento de que a instituição do canal de irrigação deveria ser precedida de reconhecimento de direito real da Lemann às águas, o que somente ocorreria se o imóvel beneficiado fosse contíguo ao açude. A agropecuária também alegou que não seria possível desviar os recursos hídricos de forma artificial, em favor de local que não os recebesse naturalmente.
Direito à água
A ministra relatora, Nancy Andrighi, destacou que o direito à água é inerente à compreensão da função social da propriedade, podendo, por esse motivo, ser compreendido como um verdadeiro direito de vizinhança sob a ótica do direito civil. Como consequência, o aproveitamento dessa riqueza natural deve ser franqueado aos proprietários de imóveis abastecidos ou não por esse recurso.
Entretanto, a ministra ressaltou que obrigatoriedade de o proprietário sujeitar seu imóvel à passagem de águas em favor de terreno alheio, prevista no artigo 1.293 do Código Civil de 2002, pressupõe a impossibilidade de acesso às águas por outros meios, fato verificado pelo tribunal gaúcho no caso analisado, já que “se houver outros meios passíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a passagem de aqueduto, na forma assim pretendida, representa mera utilidade”, restando ao proprietário a possibilidade de instituição de servidão, nos termos do artigo 1.380 do CC/02
“Diante disso, constata-se que, de fato, trata-se de direito de vizinhança, inerente à propriedade de imóveis vizinhos – não necessariamente contíguos –, cuja única exigência para exercício é o pagamento de prévia indenização”, concluiu a relatora ao negar o recurso da empresa agropecuária.
Processo: REsp 1616038
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