segunda-feira, 30 de setembro de 2024

“É constitucional norma que permite o acesso, por autoridades policiais e pelo Ministério Público, a dados cadastrais de pessoas investigadas independentemente de autorização judicial, excluído do âmbito de incidência da norma a possibilidade de requisição de qualquer outro dado cadastral além daqueles referentes à qualificação pessoal, filiação e endereço (art. 5º, X e LXXIX, da CF).”

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; DIREITO À PRIVACIDADE; DIREITO À INTIMIDADE; SIGILO DE DADOS

DIREITO PROCESSUAL PENAL – INVESTIGAÇÃO PENAL; COMPARTILHAMENTO DE DADOS; DADOS CADASTRAIS

 

Acesso direto de dados cadastrais pelos órgãos de persecução criminal ADI 4.906/DF 

 

 

Tese fixada:

“É constitucional norma que permite o acesso, por autoridades policiais e pelo Ministério Público, a dados cadastrais de pessoas investigadas independentemente de autorização judicial, excluído do âmbito de incidência da norma a possibilidade de requisição de qualquer outro dado cadastral além daqueles referentes à qualificação pessoal, filiação e endereço (art. 5º, X e LXXIX, da CF).”

 

Resumo:

É constitucional — pois ausente violação aos direitos à privacidade e à intimidade (CF/1988, art. 5º, X) e à proteção de dados pessoais (CF/1988, art. 5º, LXXIX) — norma que dispensa autorização judicial para que delegados de polícia e membros do Ministério Público acessemos os dados cadastrais de investigados que digam respeito, exclusivamente, à qualificação pessoal, à filiação e ao endereço.

A Constituição Federal de 1988 confere especial proteção à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas ao qualificá-las como invioláveis, enquanto direitos fundamentais da personalidade. A fim de instrumentalizá-los, prevê a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução penal. Mais recentemente, o texto constitucional passou a assegurar, expressamente, o direito à proteção dos dados pessoais, na forma da lei (1).

Nesse contexto, conquanto o direito à privacidade emane do reconhecimento de que a personalidade individual merece ser protegida em todas as suas manifestações, a sua tutela não implica a imposição de sigilo e a necessidade de autorização judicial quando se tratar de dados cadastrais, na medida em que constituem informações objetivas geralmente fornecidas pelo próprio usuário ou consumidor para efeito de registro da sua identificação, efetiva ou potencial, nos bancos de dados de pessoas jurídicas públicas e privadas.

Ademais, a construção de uma sociedade livre e justa (CF/1988, art. 3º, I) está atrelada à criação de instrumentos para a concretização material da eficiência investigativa no manuseio de dados na esfera penal. Assim, o sigilo dos dados cadastrais expressamente enumerados pela norma impugnada deve ser relativizado em favor do interesse coletivo em solucionar, prevenir e reprimir os crimes de forma célere.

Conforme a jurisprudência desta Corte, os dados cadastrais de posse das empresas de telefonia podem ser compartilhados pelos órgãos de persecução penal para fins de investigação criminal independentemente de autorização judicial, sem implicar desobediência ao direito à privacidade (2).

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, conheceu em parte da ação e, nessa extensão, a julgou improcedente para assentar a constitucionalidade do art. 17-B da Lei nº 9.613/1998 (3), nos termos da tese anteriormente mencionada.

 

(1) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. (...) LXXIX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.”

 

(2) Precedentes citados: RE 418.416HC 91.867ADI 6.387 MC-RefADI 6.388 MC-RefADI 6.389 MC-RefADI 6.390 MC-Ref e ADI 6.393 MC-Ref.

 

(3) Lei nº 9.613/1998: “Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito.”

 

ADI 4.906/DF, relator Ministro Nunes Marques, julgamento finalizado em 11.09.2024 (quarta-feira)

domingo, 29 de setembro de 2024

Indicação de livro: "Responsabilidade civil e novas tecnologias - critérios de imputação objetiva", de João Quinelato de Queiroz (ed. Revista dos Tribunais)

 


"A obra “Responsabilidade Civil e Novas Tecnologias: Critérios de Imputação Objetiva” pretende investigar a incidência da cláusula geral de risco, contida tanto no artigo 927 parágrafo único quanto no artigo 931, ambos do Código Civil Brasileiro, nas atividades tecnológicas potencialmente arriscadas, em especial, na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), no Marco Civil na Internet e na aplicação da inteligência artificial, por serem hipóteses em que o legislador não fixou o regime de responsabilidade civil e que gozam de algum grau de risco a elas inerente.

A obra propõe critérios para investigação da imputação objetiva a partir do risco a que alude a cláusula geral de responsabilidade objetiva, partindo da premissa de que nem todo potencial risco associado a uma atividade econômica, cujo regime de responsabilidade civil não tenha sido expressamente fixado em lei, importará na incidência automática do regime objetivo de responsabilidade civil.
A obra propõe três critérios para a imputação objetiva, em especial na aplicação em novas tecnologias, a saber: (i) a antijuridicidade; (ii) a previsibilidade e (iii) inevitabilidade.
Considerando o incremento de riscos no ambiente tecnológico, a tese investiga a incidência de tais critérios na cláusula geral de risco aplicada no tratamento de dados pessoais regulado na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), no Marco Civil da Internet e nas aplicações da Inteligência Artificial.

A tese investiga os possíveis regimes de responsabilidade civil aplicáveis à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, ao Marco Civil da Internet e, ainda, nas aplicações de Inteligência Artificial, aplicando os critérios propostos – da antijuridicidade, da previsibilidade e da inevitabilidade – na interpretação da possível objetivação do regime de responsabilidade civil aplicado a essas hipóteses"

https://www.livrariart.com.br/responsabilidade-civil-e-novas-tecnologias-criterios-de-imputacao-objetiva-1-edicao-9786526016121/p

sábado, 28 de setembro de 2024

L. 14.979/2024 - Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a fim de tornar obrigatória, para a autoridade judiciária, a consulta aos cadastros estaduais, distrital e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção

 


 LEI Nº 14.979, DE 18 DE SETEMBRO DE 2024

 

Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a fim de tornar obrigatória, para a autoridade judiciária, a consulta aos cadastros estaduais, distrital e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 

Art. 1º Esta Lei altera o § 5º do art. 50 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a fim de tornar obrigatória, para a autoridade judiciária, a consulta aos cadastros estaduais, distrital e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção.

Art. 2º O § 5º do art. 50 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 50. ......................................................................................

.....................................................................................................

§ 5º Serão criados e implementados cadastros estaduais, distrital e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção, que deverão obrigatoriamente ser consultados pela autoridade judiciária em qualquer procedimento de adoção, ressalvadas as hipóteses do § 13 deste artigo e as particularidades das crianças e adolescentes indígenas ou provenientes de comunidade remanescente de quilombo previstas no inciso II do § 6º do art.  28 desta Lei.

.............................................................................................(NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

Brasília, 18 de setembro de 2024; 203º da Independência e 136º da República. 

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

"A nota jornalística que divulga informações estritamente pessoais da vida da primeira-dama do Brasil, abordando questões de ordem puramente privada do casal presidencial, aparta-se da legítima prerrogativa de informar, contrariando princípios fundamentais de direitos da personalidade"

 


Processo

REsp 2.066.238-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 3/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL

Tema

Liberdade de imprensa. Personalidade pública. Primeira-dama. Nota jornalística. Ausência de relevância pública. Direito à intimidade. Abuso da liberdade de informar.

Destaque

A nota jornalística que divulga informações estritamente pessoais da vida da primeira-dama do Brasil, abordando questões de ordem puramente privada do casal presidencial, aparta-se da legítima prerrogativa de informar, contrariando princípios fundamentais de direitos da personalidade.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia cinge-se à avaliação sobre eventual abuso no exercício da liberdade de imprensa, com possível violação da honra, imagem, da privacidade e da intimidade da primeira-dama do Brasil.

Quanto ao ponto, a jurisprudência do STJ orienta que, para situações de conflito entre a liberdade de informação e a proteção aos direitos da personalidade, devem ser ponderados os seguintes elementos: a) o compromisso ético com a informação verossímil; b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, dentre os quais se incluem os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) a vedação de divulgar crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi).

Ante o interesse público envolvido e a posição que exercem na sociedade, as personalidades públicas podem ter reduzida a expectativa de privacidade em comparação com cidadãos comuns, o que todavia não autoriza a desconsideração total de sua intimidade.

A avaliação do interesse da sociedade para se divulgar informações sobre personalidades públicas deve ser ponderado em face do direito à intimidade e à privacidade, evitando-se a desnecessária exposição de detalhes da vida pessoal que não tenham relevância social.

Dessa forma, a nota jornalística que divulga informações estritamente pessoais da vida da primeira-dama do Brasil, abordando questões de ordem puramente privada do casal presidencial, aparta-se da legítima prerrogativa de informar, contrariando princípios fundamentais de direitos da personalidade.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

"Mesmo em caso de comoriência, é cabível o direito de representação para fins de identificação dos beneficiários de seguro de vida, quando o contrato é omisso e os beneficiários são definidos pela ordem de vocação sucessória"

 


Processo

REsp 2.095.584-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 12/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema

Seguro de vida. Beneficiários. Contrato omisso. Ordem de vocação sucessória. Identificação. Comoriência. Direito de representação. Aplicação.

Destaque

Mesmo em caso de comoriência, é cabível o direito de representação para fins de identificação dos beneficiários de seguro de vida, quando o contrato é omisso e os beneficiários são definidos pela ordem de vocação sucessória.

Informações do Inteiro Teor

O propósito da controvérsia é decidir se a comoriência entre o segurado e a irmã afasta o direito de representação dos filhos desta, para fins de utilização da ordem de vocação sucessória como critério para a definição dos beneficiários de seguro de vida diante da omissão do contrato.

Em momento algum, a legislação brasileira determina que a situação de mortes simultâneas por presunção (comoriência) afasta o direito de representação (ou por estirpe). E não haveria razão de assim o prever. Pois, conferir tratamento jurídico diferente a pessoas que se encontram em situações fáticas semelhantes representaria afronta ao princípio da isonomia consagrado no art. 5º da CF.

É preciso interpretar o art. 1.851 e o art. 1.854 do CC de acordo com a finalidade do direito de representação, que se destina a resguardar o interesse daquele que perdeu precocemente seus genitores - seja antes ou simultaneamente à morte do autor da herança. Ainda mais quando os que pleiteiam o direito de representação são crianças e adolescentes - inseridos na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, conforme reconhecido pelo art. 6º do ECA, e cuja proteção deve ser garantida com absoluta prioridade pela família, pela sociedade e pelo Estado (art. 227 da CF).

Na mesma linha, o Enunciado n. 610 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF dispõe que, "nos casos de comoriência entre ascendente e descendente, ou entre irmãos, reconhece-se o direito de representação aos descendentes e aos filhos dos irmãos".

Portanto, o direito de representação tem lugar quando aquele que seria sucessor, se vivo fosse, mas morreu antes (pré-morte) ou simultaneamente à abertura da sucessão (comoriência), é representado por seus filhos, que recebem a herança diretamente do autor, concorrendo com parentes de grau mais próximo.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

"Viola o direito do autor o uso não autorizado de suas letras musicais em estampas de camisetas, quando ultrapassam a mera referência à sua obra"

 


Processo

REsp 2.121.497-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 12/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Direito autoral. Camisetas estampadas com letras de músicas. Ausência de autorização do autor. Danos materiais. Indenização. Duplo caráter. Compensatório e sancionatório.

Destaque

Viola o direito do autor o uso não autorizado de suas letras musicais em estampas de camisetas, quando ultrapassam a mera referência à sua obra.

Informações do Inteiro Teor

Em seu aspecto patrimonial, o direito autoral confere ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica, dependendo de autorização prévia e expressa do titular do direito a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como a sua reprodução parcial ou integral e sua utilização, direta ou indireta, conforme preveem os arts. 28 e 29 da Lei dos Direitos Autorais - LDA.

A utilização da obra intelectual, mediante sua reprodução ou representação, não configura intertextualidade, que é comum na atividade criativa, mas está sujeita a princípios que distinguem o reaproveitamento lícito do ilícito, de modo que a relação entre a criação preexistente e a nova é apenas de referência, sem que se caracterize o plágio. Um exemplo de intertextualidade lícita é a paródia, expressamente autorizada pelo art. 47 da LDA.

No caso de comercialização indevida de camisetas com reprodução de obras musicais - no caso, do cantor e compositor Tim Maia - em que as estampas ultrapassam a mera referência às obras do autor, tratando-se de cópia das letras de suas músicas com o acréscimo do conectivo "&", resta configurada a apropriação indevida da obra para exploração comercial.

Ademais, as palavras foram dispostas expressando sons, ritmo e melodia, da mesma forma em que combinadas harmoniosamente na obra do autor, o que apenas corrobora a originalidade e a criatividade empregada pelo autor na composição da obra.

Nesse caso, a indenização por perdas e danos por violação ao direito autoral, deve observar o duplo caráter indenizatório das ofensas, isto é, abrangendo tanto a finalidade ressarcitória como também a punitiva. Uma vez que o arbitramento da indenização por danos materiais no montante apenas do lucro auferido com a vendas das camisetas não se compatibiliza com esse duplo caráter indenizatório.

A vinculação do artista a uma determinada marca sem a devida autorização pode representar um endosso do autor a um pensamento que não se compactua com sua convicção pessoal, tornando-o praticamente um sócio da grife, mas sem o seu aval, podendo implicar uma vantagem muito maior para o infrator, como a valorização de sua marca e o incremento na venda de outros produtos.

Assim, para que haja a adequada remuneração do autor que teve seu direito preterido, considerando as consequências econômicas negativas sofridas pelo artista e os lucros indevidamente obtidos pelo infrator, a indenização por perdas e danos deve abarcar o montante total auferido ilicitamente e todos os prejuízos suportados pelo titular do direito.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

“O art. 207 da Constituição exige que o regime financeiro-orçamentário aplicável às universidades públicas lhes assegure um espaço mínimo de autogestão. Tal diretriz pode ser concretizada inclusive, mas não obrigatoriamente, pelo repasse orçamentário na forma de duodécimos.”



DIREITO CONSTITUCIONAL – TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO; FINANÇAS PÚBLICAS; DUODÉCIMOS; REPASSE DE RECURSOS À UNIVERSIDADE PÚBLICA; AUTONOMIA; GESTÃO FINANCEIRA E PATRIMONIAL

 

Repasse de recursos orçamentários às universidades públicas no âmbito estadual ADPF 474/RJ 

 

Tese fixada:

“O art. 207 da Constituição exige que o regime financeiro-orçamentário aplicável às universidades públicas lhes assegure um espaço mínimo de autogestão. Tal diretriz pode ser concretizada inclusive, mas não obrigatoriamente, pelo repasse orçamentário na forma de duodécimos.”

 

Resumo:

            A fim de assegurar o aporte de patrimônio e recursos necessários ao adequado cumprimento das funções institucionais das universidades públicas, o texto constitucional lhes garantiu autonomia financeira e patrimonial, além de um espaço mínimo de autogestão (CF/1988, art. 207). Não se preestabeleceu um modelo específico para o repasse financeiro, mas este deve ser compatível com a referida autonomia.

Conforme a jurisprudência desta Corte, há diferentes modelos que os entes federados podem validamente adotar para concretizar a autonomia universitária, entre eles o do duodécimo e o do caixa único (1) (2).

A submissão das instituições de ensino superior à ampla discricionariedade do governador ou da secretaria de fazenda para a realização de despesas básicas configura medida desarrazoada — notadamente quando se rejeitam os pagamentos primordiais ao funcionamento dessas entidades —, de modo que a centralização dos recursos financeiros representa uma forma de esvaziar a autonomia exigida no texto constitucional.

Na espécie, o governo do Estado do Rio de Janeiro impôs, de modo gradual, dificuldades à ordenação de despesas das universidades públicas estaduais e recusou, reiteradamente, os seus pagamentos, mesmo quando regularmente empenhadas e liquidadas. Nesse contexto, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, por meio da EC nº 71/2017 (3), elegeu o repasse orçamentário na forma de duodécimos como mecanismo de concretização da autonomia de gestão financeira e patrimonial das universidades estaduais. Assim, uma vez considerado o modelo eleito pelo estado, incumbe ao chefe do Poder Executivo repassar os recursos mensalmente e à instituição de ensino superior, gerir diretamente o montante transferido.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, conheceu da arguição e a julgou parcialmente procedente para assegurar às universidades fluminenses a aplicação de regime financeiro-orçamentário compatível com a sua autonomia, conforme o modelo eleito na Constituição estadual. Por conseguinte, o Tribunal (i) determinou que as dotações orçamentárias destinadas a essas instituições sejam transferidas na forma de duodécimos mensais, com observância de todas as regras orçamentárias e de responsabilidade fiscal; (ii) reconheceu a possibilidade de contingenciamento dos recursos financeiros a serem repassados a título de duodécimos pelo chefe do Poder Executivo, na hipótese do art. 9º da Lei Complementar nº 101/2000 (4), reforçando que essa limitação deve ser proporcional à redução na arrecadação esperada e deve ressalvar as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais; e (iii) fixou a tese anteriormente citada.

 

(1) CF/1988: “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. § 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. § 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.”

(2) Precedente citado: ADI 5.946.

(3) Emenda nº 71/2017 à Constituição do Estado do Rio de Janeiro: “Art. 1º O artigo 309, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, fica acrescido, do seguinte parágrafo: ‘Art. 309 – (...) § - O poder público destinará anualmente à Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, dotação definida de acordo com a lei orçamentária estadual que lhe será transferida em duodécimos, mensalmente’. Art. 2º O artigo 309, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, fica acrescido, do artigo 309-A com a seguinte redação: ‘Art. 309-A - O poder público destinará anualmente à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro- UENF e à Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste – UEZO, dotação definida de acordo com a lei orçamentária estadual que lhe será transferida em duodécimos, mensalmente’. Art. 3º Esta Emenda Constitucional entrará em vigor na data de sua publicação, produzindo os seus efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018, consoante a seguinte regra de transição: I- em 2018, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) da dotação definida de acordo com a Lei Orçamentária Anual- LOA 2018; II- em 2019, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) da dotação definida de acordo com a Lei Orçamentária Anual- LOA 2019; III- em 2020, 100% ( cem por cento) da dotação definida de acordo com a Lei Orçamentária Anual- LOA 2020.”

(4) Lei Complementar nº 101/2000: “Art. 9º Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. § 1o No caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efetivadas. § 2º Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias. § 3º No caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.§ 4º Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Ministro ou Secretário de Estado da Fazenda demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre e a trajetória da dívida, em audiência pública na comissão referida no § 1º do art. 166 da Constituição Federal ou conjunta com as comissões temáticas do Congresso Nacional ou equivalente nas Casas Legislativas estaduais e municipais. § 5º No prazo de noventa dias após o encerramento de cada semestre, o Banco Central do Brasil apresentará, em reunião conjunta das comissões temáticas pertinentes do Congresso Nacional, avaliação do cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetária, creditícia e cambial, evidenciando o impacto e o custo fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços.”

 

ADPF 474/RJ, relatora Ministra Rosa Weber, redator do acórdão Ministro Luís Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 06.09.2024 (sexta-feira), às 23:59

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

"DANO MORAL - Responsabilidade civil - ... - Ainda que o autor temesse por investida violenta contra sua cachorra, que não foi mordida, ele poderia ter contornado a situação de outra maneira, em vez de chutar a cachorra"

 


"DANO MORAL - Responsabilidade civil - Ação de indenização - Autor proferiu chute na cachorra da ré - Ainda que o autor temesse por investida violenta contra sua cachorra, que não foi mordida, ele poderia ter contornado a situação de outra maneira, em vez de chutar a cachorra - Os fatos restaram incontroversos, sendo descabida a produção de qualquer outra prova, posto que dos relatos dos autos de ambas partes, conclui-se que a parte autora extrapolou o exercício da legítima, posto que defender terceiro deve abranger defesa ao direito à vida, integridade física e tratamento humanitário a seres que não podem ser considerado coisa - Indenização a título de danos morais decorrente do pedido reconvencional à ré-reconvinte, fixada com razoabilidade e proporcionalidade - A instauração de inquérito civil, ainda que arquivado, além de não ser obstáculo à pretensão indenizatória no juízo cível, é decorrente do direito de ação - Direito constitucional - Não caracterizado abuso na notícia levada até a autoridade policial, posto que os fatos relatados realmente ocorreram, sendo apenas não configurado o crime de maus tratos - Apelo desprovido. (Apelação Cível n. 1003118-84.2022.8.26.0037 - Araraquara - 8ª Câmara de Direito Privado - Relator: Silvério da Silva - 24/04/2024 - 35155 - Unânime)

domingo, 22 de setembro de 2024

Indicação de livro: "Violação de patente por contribuição", de Livia Barboza Maia (ed. Lumen Juris)

 


"O livro, com influência do instituto alienígena estadunidense contributory infringement (rectius, infração por contribuição), fará uma abordagem sob a ótica da responsabilidade civil brasileira, especificamente buscando aplicar parâmetros que se mostrem adequados provenientes da responsabilidade civil do terceiro cúmplice. Considerando que a responsabilidade civil do terceiro cúmplice já possui certa delimitação jurígena, buscará o livro a aproximação desse estudo com a infração por contribuição de terceiro à titularidade da patente. A conduta desse terceiro será, portanto, analisada pelo aspecto da responsabilidade civil objetiva e, excepcionalmente sob o ponto de vista da responsabilidade subjetiva. Dessa forma, há a necessidade, a depender do caso em análise, de a conduta ser qualificada através dos elementos tradicionais da responsabilidade civil: fato, culpa , nexo de causalidade e dano. De outro lado, estando configurado o ato antijurídico ou simplesmente lesão a interesse jurídico merecedor de tutela passa-se à verificação do nexo de causalidade e do dano. Por fim, este livro tratará de apresentar parâmetros que devem ser preenchidos para que o terceiro que contribuiu à infração responda civilmente por seus atos. Para tanto, propõe-se também a discussão da ciência do ato de infração principal e da possível solidariedade quanto aos danos."

https://www.amazon.com.br/Viola%C3%A7%C3%A3o-Patente-por-Contribui%C3%A7%C3%A3o-2024/dp/8551930044

sábado, 21 de setembro de 2024

"DOAÇÃO INOFICIOSA - ... - Prazo prescricional aplicável à espécie (artigo 205, Código Civil), segundo o STJ, superado ao tempo do ajuizamento do processo, observada a data do registro dos negócios na matrícula imobiliária"

 


"DOAÇÃO INOFICIOSA - Ação declaratória de anulação - Sentença de improcedência - Matéria preliminar - Inovação recursal - Reconhecimento - Causa de pedir e pedidos, na forma apresentada pelos autores, limitados a suposta ocorrência de doação inoficiosa - Insurgência recursal, por seu lado, que reivindica, além da doação inoficiosa, a nulidade supostamente derivada da existência de "venda a non domino", simulação, ausência de outorga uxória e realização de benfeitorias - Conteúdo que supera os limites da pretensão inicial - Envolvimento das questões, em sede recursal, contrário ao estabelecido pelos artigos 141 e 492, ambos do Código de Processo Civil - Contestação intempestiva - Não acolhimento, afastada a revelia - Protocolo, no prazo, no processo de inventário, quando necessária a apresentação neste feito - Simples irregularidade, segundo reiterado entendimento do STJ, com aproveitamento do conteúdo aos réus (artigo 345, inciso I, do CPC) - Reclamada existência de doação inoficiosa, sem reserva da legítima (artigo 549, Código Civil) - Prazo prescricional aplicável à espécie (artigo 205, Código Civil), segundo o STJ, superado ao tempo do ajuizamento do processo, observada a data do registro dos negócios na matrícula imobiliária - Negócios levados a registro em 2001 e 2003 - Prazo prescricional, segundo a regra de transição, integralmente sujeito ao atual Código Civil (artigo 2028, do CC) - Causa impeditiva da prescrição (artigo 197, I, do CC) - Não acolhimento - Pleito de anulação direcionado aos herdeiros do ex-companheiro, que se beneficiaram com a doação, contra quem o prazo prescricional tem fluência ordinária - Inexistente relação familiar entre a autora e os réus a estabelecer a causa impeditiva ou suspensão do prazo prescricional - Prescrição, em relação ao coautor, que à época era incapaz, iniciado com a maioridade civil (2011) - Encerramento em fevereiro de 2021 - Demanda ajuizada em julho de 2021, após o prazo decenal - Sentença preservada - Apelo desprovido. (Apelação Cível n. 1017344-26.2021.8.26.0071 - Bauru - 3ª Câmara de Direito Privado - Relator: Carlos Eduardo Donegá Morandini - 16/04/2024 - 60703 - Unânime)

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

"Descabe imputação de ônus sucumbenciais (honorários advocatícios) a provedor de aplicação de internet que cumpre decisão de tutela de urgência sem ofertar oposição à pretensão na obtenção dos dados e registros, devendo cada parte arcar com suas despesas processuais"

 


TERCEIRA TURMA
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Processo

REsp 2.152.319-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DIGITAL

Tema

Ação de requisição judicial de registros. Fornecimento de dados pessoais. Ausência de resistência do provedor de aplicação. Inexistência de sucumbência.

Destaque

Descabe imputação de ônus sucumbenciais (honorários advocatícios) a provedor de aplicação de internet que cumpre decisão de tutela de urgência sem ofertar oposição à pretensão na obtenção dos dados e registros, devendo cada parte arcar com suas despesas processuais.

Informações do Inteiro Teor

O propósito recursal consiste em determinar se há sucumbência (honorários advocatícios) imputável a provedor de aplicação de internet que cumpre decisão de tutela de urgência sem oposição à pretensão de requisição judicial de registros, fornecendo dados de identificação de usuários de plataforma de comércio eletrônico alegadamente infratores de direito de propriedade intelectual (patente de modelo utilitário), sendo a tutela confirmada com a procedência da ação.

Segundo o Marco Civil da Internet, os dados de acesso restrito por questão de sigilo e privacidade somente podem ser fornecidos mediante ordem judicial específica.

O procedimento especial de requisição judicial de registros do Marco Civil da Internet nada mais é do que uma ação de produção antecipada de prova digital/eletrônica, pois serve para justificar (ou evitar) o ajuizamento (pela parte interessada na obtenção dos dados) de pretensão reparatória civil (ou penal) em desfavor dos usuários dos serviços de internet que praticam atos infratores, havendo similaridade dos requisitos de justificação na instrução da inicial nos moldes da ação de produção antecipada de provas do CPC.

É pacífico o entendimento acerca do descabimento de ônus de sucumbência em procedimentos de natureza cautelar de produção antecipada de provas, nos quais inexiste resistência por parte de quem é instado a exibir os documentos judicialmente.

Conforme precedentes desta Corte, quando o provedor de aplicações de internet é instado judicialmente a fornecer dados sigilosos e assim o faz sem ofertar oposição, não há como afirmar a existência de sucumbência com fundamento no princípio da causalidade.

No caso, o proprietário de patente de modelo de utilidade demandou judicialmente provedor de aplicação de internet (plataforma de comércio eletrônico) a fornecer dados e registros para permitir identificação de usuários que anunciavam produtos com possível violação de sua propriedade intelectual, o que foi atendido pelo provedor em sede de tutela de urgência, confirmada com a procedência da ação.

Considerando que o provedor cumpriu a ordem judicial específica sem ofertar oposição à pretensão na obtenção dos dados e registros, descabe imputação de ônus sucumbenciais (honorários advocatícios), devendo cada parte arcar com suas despesas processuais.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

"NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO - ... - Simulação que é necessariamente bilateral, ou seja, pressupõe que as duas partes contratantes do negócio estejam ajustadas com o objetivo de prejudicar terceiros, ou violar a lei - ... Hipótese que poderia se subsumir à figura do dolo"

 


"NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO - Ação de nulidade - Sentença de extinção do feito, com resolução do mérito, com base na ocorrência de decadência - Insurgência do autor - Pretensão de anulação da sentença, diante da possibilidade de existência de simulação, e retorno dos autos à Vara de origem para dilação probatória - Não acolhimento - Simulação que é necessariamente bilateral, ou seja, pressupõe que as duas partes contratantes do negócio estejam ajustadas com o objetivo de prejudicar terceiros, ou violar a lei - Caso em que os fatos narrados na inicial não conduzem à possibilidade de existência de negócio jurídico simulado, pois o autor figura em um dos polos do negócio que seria simulado, como cedente - Narrativa no sentido de que foi vítima de um "golpe" premeditado entre o representante legal da cessionária e o escrevente do tabelionato - Ausência, por conseguinte, de ajuste entre os contratantes - Hipótese que poderia se subsumir à figura do dolo (dolo do próprio negociante ou dolo de terceiro) - Anulabilidade do negócio em razão da existência de vício de consentimento, no entanto, que se submete ao prazo decadencial de 04 (quatro) anos, contados da celebração do negócio jurídico - Prazo decadencial ultrapassado, tendo em vista que o negócio foi celebrado em 2009 - Sentença preservada - Negado provimento ao recurso. (Apelação Cível n. 1000744-38.2023.8.26.0562 - Santos - 3ª Câmara de Direito Privado - Relator: Dacio Tadeu Viviani Nicolau - 02/04/2024 - 44352 - Unânime)

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

"A partilha de bens é direito potestativo que não se sujeita à prescrição ou à decadência, podendo ser requerida a qualquer tempo por um dos ex-cônjuges, sem que o outro possa se opor"

 


Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 3/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Ação de partilha. Regime da comunhão universal. Ajuizamento posterior ao divórcio. Partilha. Direito Potestativo. Prescrição extintiva. Decadência. Não cabimento.

Destaque

A partilha de bens é direito potestativo que não se sujeita à prescrição ou à decadência, podendo ser requerida a qualquer tempo por um dos ex-cônjuges, sem que o outro possa se opor.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se, na origem, de ação promovida por ex-cônjuge, a fim de concretizar a partilha do patrimônio amealhado na constância da sociedade conjugal, regida pela comunhão universal, que não fora realizada por ocasião da ação de divórcio.

A controvérsia consiste, portanto, na prescritibilidade (ou sujeição à decadência) ou não da pretensão/direito à partilha de bens após a decretação do divórcio.

O ordenamento jurídico pátrio não disciplina de forma específica o regime a ser aplicado neste período intermediário, vale afirmar, entre a cessação da sociedade conjugal e a efetiva partilha; de fato, inexiste norma para regular particularmente os bens comuns ainda não partilhados.

Também não há uma uniformidade doutrinária, ou mesmo jurisprudencial, quanto à natureza jurídica dos bens integrantes do acervo partilhável após cessada a sociedade conjugal - por meio de separação fática ou judicial -, se mancomunhão ou condomínio, o que decorre da própria lacuna legislativa.

Todavia, é possível inferir uniformidade em relação ao fato de se tratar de acervo patrimonial em cotitularidade ou uma espécie de copropriedade atípica. Disso decorre a conclusão de estar assegurado o direito a cada ex-cônjuge requerer a extinção ou cessação deste estado de indivisão.

Tal linha de interpretação decorre da aplicação, conquanto por analogia, do disposto no artigo 1.320 do Código Civil: "a todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão", o qual preleciona a existência de um direito potestativo do condômino em extingui-lo.

De fato, a partilha consubstancia direito potestativo dos ex-cônjuges, na medida em que traduz o direito de dissolver uma universalidade de bens e, portanto, de modificar ou extinguir uma situação jurídica, independentemente da conduta ou vontade do outro sujeito integrante desta relação (sujeito passivo).

Nesse contexto, não há falar em sujeição a prazos de prescrição, porquanto inexiste pretensão correspondente, ou seja, prestação a ser exigida da parte passiva - dar, fazer, não fazer, característica dos direitos subjetivos e das respectivas ações condenatórias.

Outrossim, ao se caracterizar como direito potestativo, ao qual o ordenamento jurídico pátrio não atribuiu um prazo decadencial, forçoso concluir pela possibilidade de ser exercido a qualquer tempo.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

"Nas demandas de indenização securitária deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova, recaindo sobre a seguradora o ônus de comprovar as causas excludentes da cobertura"

 


Processo

REsp 2.150.776-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 3/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação de cobrança. Indenização securitária. Ônus da prova. Distribuição estática. Comprovação da causa excludente de cobertura. Dever da seguradora.

Destaque

Nas demandas de indenização securitária deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova, recaindo sobre a seguradora o ônus de comprovar as causas excludentes da cobertura.

Informações do Inteiro Teor

Estabelece art. 757 do Código Civil que, "pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados".

A partir da regra de distribuição estática do ônus da prova, estabelece o art. 373 do Código de Processo Civil que o ônus probatório incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; e II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Diante de demanda de indenização securitária em que não há partes vulneráveis ou hipossuficientes e que não incidem peculiaridades relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário (§§ 1º ou 3º do art. 373 do CPC) deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova.

Como consequência, compete ao autor demonstrar os fatos constitutivos do seu direito à indenização securitária, comprovando a contratação do seguro, o pagamento regular do prêmio e a ocorrência do evento que implicou na perda total do equipamento.

Por outro lado, o réu tem o ônus de comprovar as circunstâncias modificativas ou extintivas do direito autoral, demonstrando porque aquele evento ou bem que o autor entende como legitimamente segurado não está abrangido pela cobertura. Isso porque, na seara das cláusulas excludentes de cobertura, também deve-se observar a atuação dos contratantes de acordo com a boa-fé na elaboração e interpretação das cláusulas, afastando-se cláusulas contraditórias e evitando-se interpretações que gerem violação à legítima expectativa do segurado (arts. 757 e 765 do CC).