sexta-feira, 6 de setembro de 2024

"As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões"

 


RECURSOS REPETITIVOS

Processo

REsp 1.908.738-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 21/8/2024, DJe 26/8/2024. (Tema 1122).

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Concessionárias de rodovias. Acidentes causados pelo ingresso de animais domésticos na pista de rolamento. Responsabilidade civil que independe da existência de culpa. Observância dos padrões de segurança previstos nos contratos de concessão. Insuficiência. Teoria da culpa administrativa. Inaplicabilidade. Aplicação dos princípios da prevenção, solidariedade e da primazia do interesse da vítima. Tema 1122.

Destaque

As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões.

Informações do Inteiro Teor

A responsabilidade objetiva das concessionárias de serviço público pelos acidentes causados pelo ingresso de animais domésticos nas pistas de rolamento vem sendo reconhecida por ambas as Turmas de Direito Privado desta Corte de Justiça, aplicando-se a teoria do risco administrativo.

O mesmo vem ocorrendo em relação à incidência do Código de Defesa do Consumidor, especialmente porque há previsão legal expressa de sua aplicação aos casos que envolvem concessionárias de serviços públicos (art. 22, caput e parágrafo único do CDC), o que é reforçado pela previsão do art. 7° da Lei n. 8.987/1995.

Ressalte-se que a jurisprudência desta Corte vai ao encontro do entendimento sedimentado no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, respondem objetivamente pelos prejuízos que causarem a terceiros usuários e não usuários do serviço." (RE 591.874-RG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski - Tema n. 130).

Portanto, não é possível adotar a teoria da culpa administrativa, tampouco afastar a responsabilidade das concessionárias com fundamento nas teses fixadas pelo STF no regime de repercussão geral nos seguintes termos: i) Tema n. 362 (RE 608.880): "Nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada" e ii) Tema n. 366 (RE 136.861): "Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular".

Ao contrário, no julgamento do RE 608.880, foi reafirmada a tese de que a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se na teoria do risco administrativo, inclusive nos casos de omissão.

Nos casos de acidentes provocados pelo ingresso de animais nas rodovias, os fatores determinantes para a quebra do nexo de causalidade e, consequentemente, para a exclusão da responsabilidade civil verificados no julgamento do RE 608.880 - i) intervalo entre o fato administrativo e o evento danoso e ii) superveniência de causas que contribuíram para a ocorrência do evento - não se fazem presentes.

Se os animais ingressaram na pista pouco tempo antes do acidente, não se verifica tal intervalo. Por outro lado, nos casos em que o acidente ocorre depois de um considerável intervalo de tempo, resta bem caracterizada a omissão das Concessionárias no tocante aos deveres de manejo e retirada. Além disso, não se cogita, em tese, a superveniência de fatos que contribuam para a ocorrência do evento danoso.

Seguindo a mesma linha, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 136.861 (Tema n. 366), reafirmou que a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços assenta-se na teoria do risco administrativo.

Observa-se, nesse julgamento, que a clandestinidade da atividade de armazenamento de fogos de artifício tornou inexigível a atividade fiscalizatória do Poder Público. Ainda, levou-se em consideração a conduta dos comerciantes que, eivada de má-fé, fez do imóvel utilizado para o armazenamento um "verdadeiro depósito clandestino de pólvora". Com efeito, não seria de se exigir atuação fiscalizatória sem que se soubesse a exata localização do estabelecimento que comercializa fogos de artifício. Além disso, é possível que os comerciantes mudem o local de atuação, justamente para se manterem na clandestinidade e se furtarem da atividade fiscalizatória ou da persecução penal.

Nos casos que envolvem o tema em análise, ainda que as rodovias sejam extensas, as atividades de fiscalização, sinalização, manejo e remoção de animais das pistas de rolamento são desenvolvidas em espaço determinado e inalterável. Ademais, como o ingresso de animais na pista é previsível, deve ser observado o princípio da prevenção.

Considerando o princípio da prevenção, as regras contratuais que impõem a instalação de bases operacionais com distâncias máximas entre elas, bem como a realização de rondas periódicas com intervalos máximos e a previsão de tempo máximo para o atendimento de ocorrências representam apenas padrões mínimos a serem observados pelas concessionárias.

Cabe salientar também que o dever de fiscalização dos entes públicos não afasta a responsabilidade civil das concessionárias, nos termos do art. 25 da Lei das Concessões.

Além disso, o princípio da primazia do interesse da vítima, decorrente do princípio da solidariedade, impõe a reparação dos danos independentemente da identificação do proprietário do animal cujo ingresso na rodovia causou o acidente. Assim, cabe à concessionária indenizar o usuário pelos danos sofridos e, se lhe aprouver, exercer eventual direito de regresso, oportunamente, contra o dono do animal envolvido no acidente.

Assim, fixa-se a seguinte tese: "As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões".

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