terça-feira, 1 de outubro de 2024

"O tipo de relação comercial ou societária travada entre empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, sendo necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o abuso ou desvio da finalidade em detrimento da empresa prejudicada"

 


Processo

REsp 1.900.147-RJ, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 3/9/2024, DJe 9/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

Tema
 

Falência. Extensão dos efeitos. Empresas do mesmo grupo econômico. Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 50 do Código Civil. Requisitos. Necessidade de indicação específica e inequívoca de fatos que a justifique.

Destaque

O tipo de relação comercial ou societária travada entre empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, sendo necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o abuso ou desvio da finalidade em detrimento da empresa prejudicada.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia em saber se o tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, seria suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica.

No caso, foi debatido se os requisitos elencados no art. 50 do Código Civil teriam sido declinados suficientemente para a desconsideração da personalidade jurídica da falida e, consequentemente, para a extensão dos efeitos da falência. As empresas recorrentes afirmaram que não teriam sido declinados no acórdão recorridos fatos hábeis à configuração de confusão patrimonial ou desvio de finalidade.

O Tribunal de origem entendeu que a ausência de prova de que o relacionamento entre as empresas tenha resultado em concentração de prejuízos e endividamento exclusivo da recorrida não infirmava a decisão de extensão da falência às empresas recorrentes, dada a descrição minuciosa, no mesmo laudo, das "transações estabelecidas entre as sociedades empresárias, desde o repasse da matéria prima até a venda do produto industrializado".

Dessa relação entre as empresas, que, segundo o acórdão, não se traduziria em mero contrato de facção, mas revelaria natureza essencialmente societária, não se extrai, todavia, os elementos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica e muito menos para a extensão da falência.

O tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica.

Igualmente não é relevante para tal finalidade perquirir se as empresas recorrentes agiram com a intenção de ajudar a empresa que apresentava em frágil saúde financeira ou com o objetivo de lucro. Tais ânimos, aliás, não são incompatíveis, pois nada impede um agente econômico trave uma relação comercial que seja de um lado especialmente benéfica para o outro contratante, e, de outro, geradora de lucros para si.

Na hipótese, a extensão da responsabilidade pelas obrigações da falida às empresas que nela fizeram investimentos dependeria, em primeira instância, da "eventual concentração de prejuízos e endividamento exclusivo em apenas uma, ou algumas, das empresas participantes falidas", o que, todavia, não foi comprovado pela perícia para tal fim determinada, a qual, o acórdão recorrido consignou não haver "apontado, ou descartado, a existência dos créditos mencionados pelo MP, nem elaborado o histórico de pagamento e a comparação pedida".

A afirmação genérica de que os custos e riscos ficavam exclusivamente com a falida e os lucros com as demais empresas não foram chanceladas por nenhum elemento de prova.

Dessa forma, para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica e a extensão da falência, seria necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o abuso ou desvio da finalidade em detrimento da empresa prejudicada.

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