A Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), em 20/08/2013, negou provimento ao RO 134 em que familiares de pescadores pediam indenização da República Federal da Alemanha pelo afundamento do barco Changri-lá,ocorrido no litoral de Cabo Frio (RJ), durante a Segunda Guerra Mundial. A
Turma, especializada em direito privado, entendeu que o ataque de um estado a
outro em período de guerra constitui decisão soberana, pela qual uma nação não
se submete à jurisdição de outra nação. Em ocasiões anteriores, o STJ julgou
outros recursos de familiares das vítimas do Changri-lá, nos quais aplicou a
mesma tese. Em um deles, RO 66, foi apresentado recurso extraordinário para o
Supremo Tribunal Federal (STF), ainda pendente de admissão pela Corte Suprema.
De acordo com os recorrentes, em
1943, o barco de pesca Changri-lá, com dez tripulantes, foi abatido a tiros de
canhão pelo submarino alemão U-199, que percorria a costa brasileira. Os
autores disseram que nenhum dos tripulantes da embarcação pesqueira sobreviveu
e que, posteriormente, o submarino alemão foi abatido pelas forças brasileiras.
Disseram que foram resgatados alguns sobreviventes do submarino, que, após
interrogatório nos Estados Unidos, confessaram ter afundado o Changri-lá. Em
1944, o Tribunal Marítimo concluiu que não havia provas de que o barco
pesqueiro fora afundado pelo submarino alemão e arquivou o caso. Porém, em
2001, com base em novos elementos trazidos por um historiador, o Tribunal
Marítimo mudou o entendimento e concluiu que o submarino da Alemanha teria
mesmo abatido o Changri-lá. O acórdão do Tribunal Marítimo declarou que o U-199
foi afundado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e lembrou que, após os
sobreviventes serem resgatados e interrogados, confessaram o ataque a um
“veleiro”. Depois de confrontados os depoimentos com documentos de bordo
existentes no U-199, concluiu-se que a embarcação atacada era o Changri-lá.
Diante dessas conclusões, foi
ajuizada ação de reparação por danos morais sofridos pelos familiares dos
pescadores mortos no barco. A Alemanha foi comunicada do feito e declarou sua
imunidade diante da jurisdição brasileira, pois entendeu que praticou ato de
império, numa ofensiva militar em período de guerra. A ação foi extinta sem
julgamento de mérito em primeiro grau, em virtude da imunidade da República
Federal da Alemanha. Os autores apresentaram então Recurso Ordinário contra a
decisão. Alegaram que não se aplica a imunidade nas hipóteses de afronta aos
direitos humanos e que não existe imunidade de jurisdição por atos praticados
no território do estado do foro. Para a Terceira Turma, a imunidade de
jurisdição não é vista de forma absoluta atualmente. De acordo com os
ministros, ela é excepcionada principalmente nas hipóteses em que a causa tenha
como fundo relações de natureza puramente civil, comercial ou trabalhista, ou
que, de qualquer forma, se enquadre no âmbito do direito privado.
Entretanto, de acordo com os
ministros, quando se trata de atos praticados numa ofensiva militar em período
de guerra, a imunidade é absoluta e “não comporta exceção”. Segundo o relator
do recurso, ministro João Otávio de Noronha, mesmo com as confissões dos
tripulantes e do comandante do U-199 às autoridades brasileiras e
posteriormente às americanas, as afirmações “não socorrem os autores da ação,
pois o prosseguimento do feito esbarra num óbice intransponível, segundo o
direito atual: a supremacia estatal, perfectibilizada nos atos de império praticados
pelas nações no âmbito de suas jurisdições”. Noronha garantiu que no caso em
questão a imunidade é absoluta, “pois o ato praticado pelo estado estrangeiro
deu-se numa situação excepcional, qual seja: estado de guerra, em que o Brasil
se posicionou contra a Alemanha”. Para o colegiado, nesse tipo de situação,
considera-se que os ataques praticados contra o estado com o qual se guerreia
são decorrentes da decisão soberana do ente estatal agressor. “Por mais irônico
que possa parecer, em estado de guerra, a simples morte de alguém não é vista
sob a ótica pretendida pelos recorrentes, que se aventaram na defesa dos
direitos humanos”, ressaltou Noronha. O relator citou precedentes que
confirmaram a tese adotada pela Turma, entre eles o RO 99, da lavra da ministra
Nancy Andrighi; o RO 110, da ministra Isabel Gallotti, e o RO 66, da relatoria
do ministro Fernando Gonçalves, que reconheceu: “Não há infelizmente como
submeter a República Federal da Alemanha à jurisdição nacional para responder a
ação de indenização por danos morais e materiais por ato de império daquele
país, consubstanciado em afundamento de barco pesqueiro no litoral de Cabo Frio
por um submarino nazista, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário