A Terceira Turma manteve decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) que reconheceu a
multiparentalidade no caso de um rapaz acusado de participar do homicídio do pai adotivo.
Na ação, o rapaz requereu a manutenção da filiação biológica, que já constava do registro civil, e a reinclusão da
filiação socioafetiva, a qual havia sido excluída em ação anterior.
Alegou ter sido criado pelo falecido desde os primeiros dias de vida e ter sido registrado por ele mesmo na ausência
de vínculo biológico ou de um processo regular de adoção. Segundo afirmou, a relação de filiação existente entre
os dois sempre foi afetuosa e respeitosa.
Na primeira instância, foi reconhecida a possibilidade das duas filiações, tanto a biológica, constante do registro
público, como a socioafetiva.
O juiz sentenciante entendeu que, apesar de já existir um registro civil com o nome dos genitores e embora o
requerente responda a processo criminal pela morte do pai adotivo, as provas demostraram a clara existência de
laços afetivos decorrentes da adoção informal, inclusive reconhecidos publicamente.
Houve apelação da filha biológica do falecido, porém, o entendimento da sentença foi mantido.
Coisa Julgada
Em recurso ao STJ, a filha biológica do falecido sustentou que o acórdão do TJCE violou o instituto da coisa julgada,
visto que a demanda já havia sido apreciada pelo Judiciário em momento anterior, quando, em ação ajuizada pela
mãe do recorrido (filho adotivo), foi declarada a nulidade do registro civil, excluindo-se a paternidade socioafetiva.
A recorrente afirmou ainda a inexistência de vínculo socioafetivo entre seu suposto irmão e o falecido, haja vista a
relação conturbada das partes, lembrando que o primeiro foi pronunciado e ainda aguarda julgamento pela coautoria
do homicídio.
Identidade de partes
Em seu voto, o ministro relator do caso, Villas Bôas Cueva, destacou que a ação citada pela recorrente foi ajuizada
pela genitora do rapaz, o qual nem sequer participou do processo.
O magistrado ressaltou que, para o reconhecimento da coisa julgada, é necessária a tríplice identidade, ou seja,
mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido, o que teria ocorrido.
“É importante enfatizar que quem ajuizou a ação foi a mãe biológica, e não o pai ou o filho adotivo, os quais, em
momento algum, demonstraram a intenção de desconstituir o ato de ‘adoção’. A presente demanda versa sobre
outra causa de pedir, qual seja, a existência de paternidade socioafetiva, cuja decisão de mérito não se confunde
com a da sentença transitada em julgado, que se restringia ao registro civil”, disse o ministro.
Verdade real
Villas Bôas Cueva afirmou que o TJCE indicou adequadamente os motivos para reconhecer a paternidade
socioafetiva à luz do artigo 1.593 do Código Civil, com a análise profunda do caso concreto, o que não pode ser
alterado pelo STJ em virtude do disposto na Súmula 7.
“A paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana por permitir que um indivíduo tenha
reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a
regular adoção, a verdade real dos fatos”, concluiu o ministro.
Ele destacou que a acusação criminal contra o recorrido não é relevante para o reconhecimento da paternidade,
pois a suposta indignidade do filho socioafetivo gera efeitos somente no âmbito patrimonial em caso de recebimento
de parte da herança.
“Se eventualmente, em ação autônoma, for verificada a alegada indignidade (artigos 1.814 e 1.816 do Código Civil
de 2002), seus efeitos se restringirão aos aspectos pessoais, não atingindo os descendentes do herdeiro excluído
(artigo 1.816 do CC/2002) ”, afirmou.
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