sexta-feira, 3 de maio de 2024

"O reconhecimento de obrigação de natureza contratual de pagar verba de natureza alimentar a ministro de confissão religiosa inativo não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 2.129.680-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024, DJe 10/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Côngrua/prebenda vitalícia por jubilamento de pastor evangélico. Natureza contratual da verba. Possibilidade de controle judicial em caso de inadimplemento. Ausência de interferência indevida do poder público no funcionamento de organização religiosa.

DESTAQUE

O reconhecimento de obrigação de natureza contratual de pagar verba de natureza alimentar a ministro de confissão religiosa inativo não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A côngrua (católica) ou prebenda (evangélica) é uma verba de caráter alimentar que uma organização religiosa (cristã) paga a seus ministros de confissão religiosa (padre ou pastor) com finalidade de prover seu sustento.

A obrigatoriedade do pagamento da côngrua que justifica o controle judicial pode ser compreendida pela evolução histórica de seu caráter tributário/fiscal para moral/natural e, em determinadas situações, contratual/civil.

O caráter contratual da côngrua passa a existir quando a entidade prevê seu pagamento (i) de forma obrigatória, (ii) fundamentado em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal.

A regra do art. 44, § 2°, do CC confere às organizações religiosas liberdade de funcionamento, que não é absoluta, pois está sujeita a reexame pelo judiciário da compatibilidade de seus atos com seus regulamentos internos e com a lei.

Quando a côngrua assume caráter contratual, seu eventual inadimplemento pode ser apreciado pelo Poder judiciário sem que implique em interferência indevida do poder público no funcionamento da organização religiosa.

Caso em que a organização religiosa havia reconhecido a obrigatoriedade do pagamento vitalício de "côngrua de jubilação" em decorrência da entrada em inatividade de seu pastor, com previsão estatutária e registro formal do ato deliberativo interno, e implementação do pagamento por quase vinte anos, deixando de pagar diferenças devidas nos últimos anos de vida do jubilado.

O Tribunal de origem considerou que o inadimplemento não era razoável pelo comportamento contraditório da devedora em reconhecer a obrigação, pagar por longo tempo, e negar o dever de pagamento por entender que o adimplemento era mera liberalidade, razão pela qual entendeu violados os princípios da boa-fé e da proteção da confiança nas relações contratuais.

Em outras palavras, o Tribunal de origem considerou que a côngrua teve seu pagamento (i) previsto de forma obrigatória (ii) em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal. Estão preenchidos, portanto, os elementos que permitem o controle judicial do inadimplemento de uma obrigação de caráter contratual.

Portanto, o reconhecimento pelo poder judiciário de obrigação (de natureza contratual), assumida por pessoa jurídica de direito privado (igreja evangélica) de pagar verba de natureza alimentar (côngrua) a preposto (pastor) após ato de inativação (jubilamento) previsto em normativo interno (estatuto) e formalizada em ato interno (ata) - com base em regramentos internos e com princípios de direito contratual - não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas, afigurando-se ausente a violação ao art. 44, § 2º, do CC.

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