domingo, 30 de junho de 2024

Indicação de livro: "Responsabilidade civil, gênero e sexualidades", coordenado por Leandro Reinaldo da Cunha, Ana Carla Harmatiuk Matos e Vitor Almeida (ed. Foco)

 


“A partir da consideração de que a sexualidade é uma característica humana inafastável, evidencia-se a existência de uma enorme gama de situações em que aspectos vinculados ao sexo, gênero, orientação sexual e identidade de gênero estão na base de condutas ensejadoras de responsabilidade civil, razão pela qual tal obra se mostra tão necessária e pertinente, ainda mais nos tempos atuais, sobretudo em razão dos danos sofridos refletirem o espectro de forte discriminação e opressão.

Todas as pessoas têm a sua vivência em sociedade tangenciada pelos elementos que lhe são caracterizadores, o que descortina que as dissidências sexuais de forma recorrente suportam diversas situações lesivas que merecem urgente atenção, tanto sob o enfoque das políticas de combate à discriminação quanto à efetiva compensação dos danos injustos sofridos. Não resta dúvida que as lesões aos interesses juridicamente merecedores de tutela adquirem contorno peculiar na medida em que a injustiça alcança não só o dano em si, mas reverbera em uma dimensão coletiva de discriminação e estigma.

As ofensas às chamadas minorias sexuais não podem restar incólumes, pois tais grupos vulnerabilizados necessitam, em um Estado Democrático de Direito, de especial atenção sob pena de padecerem de uma realidade que os aparte plenamente de uma vida digna, muitas vezes flertando com uma realidade de segregação e estigma tamanha que os priva do exercício pleno de sua cidadania inclusiva.

Trazer a público uma obra com 20 artigos tratando da relação existente entre responsabilidade civil e os elementos da sexualidade (sexo, gênero, orientação sexual e identidade de gênero) é vital não só em razão do conteúdo valioso dos artigos que a compõe, mas também por conferir visibilidade ao tema que muito sofre com as alegações de ausência de legitimidade ante a existência de uma igualdade formal (mas longe de se consolidar como material e substancial), bem como pelo desprezo das pautas das minorias identitárias, tratadas por muitos de forma jocosa e marginalizada”.


https://www.editorafoco.com.br/produto/responsabilidade-civil-genero-sexualidades-2024

sábado, 29 de junho de 2024

"DANO MORAL - Responsabilidade civil - Abandono afetivo - ... - Ruptura do vínculo paterno-filial quando o menor contava com 3 (três) anos em decorrência do rompimento do relacionamento entre os pais, com constituição de nova família e formação de nova prole pelo genitor - Abandono afetivo, que vem se prolongando ao longo do tempo, e suas consequências, bem comprovadas - Dever de indenizar - "Quantum" indenizatório fixado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) que comporta majoração para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) considerando-se a gravidade dos danos ao desenvolvimento emocional e psicológico do menor e a capacidade econômica do genitor"

 


"DANO MORAL - Responsabilidade civil - Abandono afetivo - Ação movida pelo filho menor (primogênito) em face do genitor - Sentença de parcial procedência - Insurgência de ambas as partes - Laudo multidisciplinar elaborado de forma imparcial por profissionais tecnicamente qualificadas que se portam por fé-pública - Preliminar de nulidade do estudo psicossocial que se afasta - Ruptura do vínculo paterno-filial quando o menor contava com 3 (três) anos em decorrência do rompimento do relacionamento entre os pais, com constituição de nova família e formação de nova prole pelo genitor - Abandono afetivo, que vem se prolongando ao longo do tempo, e suas consequências, bem comprovadas - Dever de indenizar - "Quantum" indenizatório fixado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) que comporta majoração para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) considerando-se a gravidade dos danos ao desenvolvimento emocional e psicológico do menor e a capacidade econômica do genitor - Recurso principal parcialmente provido e recurso adesivo não provido". (Apelação Cível n. 1002975-43.2020.8.26.0562 - Santos - 4ª Câmara de Direito Privado - Relator: Marcia Regina Dalla Déa Barone - 07/12/2023 - 35597 - Unânime)

sexta-feira, 28 de junho de 2024

"Prestação de serviços - Desativação de contas na rede social "Facebook" - Ainda que a manutenção de duas contas na plataforma caracterize violação aos termos de utilização aos quais o autor aderiu, é fato que a ré não comprovou que concedeu ao autor a possibilidade de desativar uma das contas..."

 


"CONTRATO - Obrigação de fazer - Cumulação com indenização por danos morais - Prestação de serviços - Desativação de contas na rede social "Facebook" - Ainda que a manutenção de duas contas na plataforma caracterize violação aos termos de utilização aos quais o autor aderiu, é fato que a ré não comprovou que concedeu ao autor a possibilidade de desativar uma das contas tampouco de se defender das imputações de que suas contas estavam associadas a atividades inautênticas - Desta feita, a desativação das contas foi arbitrária, impondo-se a reativação de uma delas, a ser indicada pelo autor na fase de cumprimento de sentença - Pedido cominatório acolhido, em parte - As circunstâncias descritas nos autos não fundamentam a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, já que não há qualquer elemento que indique que a desativação das contas tenha exposto o autor a situação vexatória, tenha caracterizado ofensa à sua imagem e/ou à sua honra, tampouco o tenha impedido de exercer suas atividades profissionais - Pedido indenizatório desacolhido - Recurso parcialmente provido" (Apelação Cível n. 1078765-61.2020.8.26.0100 - São Paulo - 34ª Câmara de Direito Privado - Relator: Gomes Varjão - 11/12/2023 - 42100 - Unânime)

quinta-feira, 27 de junho de 2024

"RESPONSABILIDADE CIVIL - ... - é de se reconhecer que não há lucros cessantes a serem indenizados, visto que (e.1) o desaparecimento dos lucros com a alienação de mudas de palmito pupunha a partir de 2002 não é consequência necessária do ato ilícito da parte agravante devedora, mas sim da inatividade da parte credora e (e.2) é incabível indenizar lucros cessantes à empresa que encerrou a atividade em que lastreado o direito a esses danos patrimoniais"

 


"RESPONSABILIDADE CIVIL - Lucros cessantes - Como, na espécie, (a) o ciclo de produção de mudas de palmito pupunha é 10 (dez) a 14 (quatorze) meses; (b) o valor das mudas perdidas no evento danoso ocorrido em 2000, que seriam colhidas em 2001, foram incluídas na indenização por danos emergentes paga em 2012, (c) a parte agravada credora cessou a atividade da produção de mudas de palmito pupunha após o evento danoso, ou seja, não realizou a plantação de mudas no ano de 2001 e colheita em 2002, nem em outros anos posteriores, e (d) o encerramento em definitivo da produção de mudas de palmito pupunha pela parte agravada credora não pode ser havido como uma consequência absolutamente necessária do evento danoso, (e) é de se reconhecer que não há lucros cessantes a serem indenizados, visto que (e.1) o desaparecimento dos lucros com a alienação de mudas de palmito pupunha a partir de 2002 não é consequência necessária do ato ilícito da parte agravante devedora, mas sim da inatividade da parte credora e (e.2) é incabível indenizar lucros cessantes à empresa que encerrou a atividade em que lastreado o direito a esses danos patrimoniais - Reforma da decisão agravada, para reconhecer a inexistência de lucros cessantes a serem indenizados, que configura "liquidação zero", e consequentemente, julgar extinta da liquidação promovida pela parte agravada - Recurso provido. (Agravo de Instrumento n. 2172493-80.2022.8.26.0000 - Pedregulho - 20ª Câmara de Direito Privado - Relator: Manoel Ricardo Rebello Pinho - 11/12/2023 - 45117 - Unânime)

quarta-feira, 26 de junho de 2024

"INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - ... - Insurgência do pai biológico quanto à mantença do nome do pai registrário também - ... - Ausente o requisito da socioafetividade que justificaria o registro com o nome dos dois pais

 


"INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - Sentença de parcial procedência - Insurgência do pai biológico quanto à mantença do nome do pai registrário também - Acolhimento que se impõe - Requerido que foi citado e não se manifestou, além dos indícios de que sequer vive com a mãe da menor - Ausente o requisito da socioafetividade que justificaria o registro com o nome dos dois pais. Desnecessidade de realização de exame psicossocial, ante a inércia do pai registrário - Recurso provido" (Apelação Cível n. 1023143-19.2022.8.26.0361 - Mogi das Cruzes - 4ª Câmara de Direito Privado - Relator: Carlos Castilho Aguiar França - 07/12/2023 - 1941 - Unânime)

terça-feira, 25 de junho de 2024

"Prescrita a pretensão de cobrança de dívida civil, existindo, todavia, no ordenamento outro instrumento jurídico-processual com equivalente resultado, cujo exercício não tenha sido atingido pelo fenômeno prescricional, descabe subtrair do credor o direito à busca pela satisfação de seu crédito"

 


Processo

REsp 1.503.485-CE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/6/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Alienação fiduciária de bem móvel. Satisfação do crédito. Múltiplos instrumentos processuais. Possibilidade. Extinção da pretensão de cobrança. Busca e apreensão. Prescrição simultânea. Não ocorrência. Obrigação pecuniária. Subsistência. Credor fiduciário. Propriedade resolúvel. Direitos inerentes.

DESTAQUE

Prescrita a pretensão de cobrança de dívida civil, existindo, todavia, no ordenamento outro instrumento jurídico-processual com equivalente resultado, cujo exercício não tenha sido atingido pelo fenômeno prescricional, descabe subtrair do credor o direito à busca pela satisfação de seu crédito.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O exame sobre a ocorrência do fenômeno prescricional deve ser realizado de modo estanque, à luz dos pedidos formulados na petição inicial, e não se contamina pelo objetivo último do autor da demanda - no caso, a recuperação do crédito inadimplido.

A busca pela satisfação de um crédito pode ser feita por meio de instrumentos processuais distintos, cada um deles sujeito a prazo prescricional específico (ou à regra geral), conforme previsto na lei de regência.

No caso, o pedido é de busca e apreensão, e como tal deve ser analisado, independentemente. Na forma do art. 3º, § 8º, do Decreto-Lei n. 911/1969, "a busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior".

A jurisprudência desta Corte Superior, consolidada na Súmula n. 299/STJ, admite o ajuizamento de ação monitória fundada em cheque prescrito para que o credor reivindique o cumprimento de obrigação de pagar. Em tal hipótese, conquanto prescrita a pretensão que autorizava promover a execução do título extrajudicial, perdendo a cártula os seus atributos cambiários, contudo subsistindo a obrigação, tem o credor a possibilidade de ajuizar demanda distinta, cuja finalidade não é outra senão o cumprimento da obrigação pecuniária representada no documento.

Portanto, se prescrita a pretensão de cobrança de dívida civil, todavia existindo no ordenamento outro instrumento jurídico-processual com equivalente resultado, cujo exercício não tenha sido atingido pelo fenômeno prescricional, descabe subtrair do credor o direito à busca pela satisfação de seu crédito, por qualquer outro meio, sob pena de estender os efeitos da prescrição para o próprio direito subjetivo.

Na alienação fiduciária, a propriedade da coisa é transmitida ao credor, que outrossim se investe na posse indireta do bem. Em caso de descumprimento das obrigações contratuais, pode o fiduciário optar pelo ajuizamento de ação de cobrança - ou de execução, se aparelhado de título executivo - ou, à sua escolha, a busca e apreensão do bem dado em garantia.

Nessa última hipótese, assim o faz na qualidade de proprietário, exercendo uma das prerrogativas que lhe outorga o art. 1.228 da lei civil, qual seja "o direito de reavê-la (a coisa) do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". Com efeito, ocorrido o inadimplemento no âmbito de contrato garantido por alienação fiduciária, a posse transforma-se em injusta, o que autoriza a propositura da busca e apreensão.

Inaplicável, dessarte, a regra do art. 206, § 5º, I, do CC/2002, visto não tratar, este caso, de demanda que visa à "cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular".

Diversamente do que ocorre no campo tributário (CTN, art. 156, V), na esfera civil a prescrição nem sequer implica extinção da obrigação - não constitui, efetivamente, qualquer das hipóteses previstas no Título I, Livro I, da Parte Especial do CC/2002. Somente a pretensão é fulminada (CC/2002, art. 189), subsistindo a obrigação.

Conquanto instituída em caráter acessório, a garantia real não se esvaiu. O objeto principal do contrato, no caso, é a obrigação pecuniária, e não a pretensão de cobrança, esta sim extinta pelo fluxo do prazo prescricional.

segunda-feira, 24 de junho de 2024

"Desde que não ultrapassados os limites relativos à privacidade ou à intimidade daquele, cujas características são evidenciadas por meio de representação de caráter humorístico, não há falar em ofensa aos direitos da personalidade e, consequentemente, em dano moral indenizável"

 


Processo

REsp 1.678.441-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por maioria, julgado em 16/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL

Tema

Direito de imitação de pessoa pública. Preservação da esfera da intimidade. Trucagem de voz. Excesso. Dano indenizável. Censura prévia. Inadmissível.

DESTAQUE

Desde que não ultrapassados os limites relativos à privacidade ou à intimidade daquele, cujas características são evidenciadas por meio de representação de caráter humorístico, não há falar em ofensa aos direitos da personalidade e, consequentemente, em dano moral indenizável.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O livre exercício do direito de paródia, que corresponde à reprodução de obra literária, teatral ou musical, como previsto no art. 47 da Lei n. 9.610/1998, por extensão conceitual, confere o mesmo efeito à conduta de imitar, de forma intencional, determinado comportamento.

A imitação constitui representação por meio da qual características - gestos e vozes - de personalidade conhecida são reproduzidas e em geral utilizadas na seara da comicidade. Portanto, a representação humorística que explora caraterísticas pessoais de pessoa pública cujos traços individuais são imitados é tutelada pelo direito à livre expressão. Por isso, diferentemente da tutela da liberdade de manifestação do pensamento, que é assegurada à imprensa para a veiculação de fatos, pode ter conotação exagerada ou satírica.

Registre-se que, na ADI n. 4.815/DF, publicada em 10/6/2015, o STF deu interpretação ao art. 20 do Código Civil conforme à Constituição Federal para, "em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes)".

Nesse sentido, desde que não ultrapassados os limites relativos à privacidade ou à intimidade daquele cujas características são evidenciadas por meio de representação de caráter humorístico, não há falar em ofensa aos direitos da personalidade. Ademais, não deve ser admitida a censura prévia especialmente para obstar o exercício da livre expressão artística, tal como aquela promovida por imitador cômico.

Ressalte-se, ainda, que não é viável obrigar a demandada a não ofender ou mesmo se aproximar do demandante, pois o deferimento do pedido de tutela inibitória configuraria censura prévia. A propósito, já afirmou o STJ, no REsp n. 1.388.994/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 19/9/2013, que: "(...) A concessão de tutela inibitória para o fim de impor ao réu a obrigação de não ofender a honra subjetiva e a imagem do autor se mostra impossível, dada a sua subjetividade, impossibilitando a definição de parâmetros objetivos aptos a determinar os limites da conduta a ser observada. Na prática, estará se embargando o direito do réu de manifestar livremente o seu pensamento, impingindo-lhe um conflito interno sobre o que pode e o que não pode ser dito sobre o autor, uma espécie de autocensura que certamente o inibirá nas críticas e comentários que for tecer. Assim como a honra e a imagem, as liberdades de pensamento, criação, expressão e informação também constituem direitos de personalidade, previstos no art. 220 da CF/1988".

domingo, 23 de junho de 2024

L. 14.899/2024 - "Dispõe sobre a elaboração e a implementação de plano de metas para o enfrentamento integrado da violência doméstica e familiar contra a mulher, da Rede Estadual de Enfrentamento da Violência contra a Mulher e da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência; e altera a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, para determinar que o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas (Sinesp) armazene dados e informações para auxiliar nas políticas relacionadas com o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher"

 


Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a elaboração e a implementação de plano de metas para o enfrentamento integrado da violência doméstica e familiar contra a mulher, da Rede Estadual de Enfrentamento da Violência contra a Mulher e da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, bem como altera a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, para determinar que o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas (Sinesp) armazene dados e informações para auxiliar nas políticas relacionadas com o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão priorizar a elaboração e a implementação de plano de metas para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.

§ 1º A Rede Estadual de Enfrentamento da Violência contra a Mulher e a Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência terão a composição nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), podendo ser integradas por órgãos públicos de segurança, de saúde, de justiça, de assistência social, de educação e de direitos humanos e por organizações da sociedade civil.

§ 2º Somente terão acesso aos recursos federais relacionados à segurança pública e aos direitos humanos os entes federativos que apresentarem regularmente seus planos de metas para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

§ 3º O plano de metas será decenal, com atualização obrigatória a cada 2 (dois) anos, com vistas ao monitoramento da execução e dos resultados das metas e ações estabelecidas no período.

Art. 3º Os planos de metas deverão conter, de acordo com as competências constitucionais do ente:

I - meta de ações direcionadas ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, que deve englobar, no mínimo, uma ação integrada de formação entre os setores diretamente envolvidos, além de ações de treinamento com periodicidade definida que envolvam capacitação de recursos humanos dos setores diretamente relacionados à área;

II - inclusão de disciplina específica de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher nos cursos regulares das instituições policiais, bem como treinamento continuado, de forma integrada, entre os integrantes dos órgãos de segurança pública, que disponha de técnica de busca ativa, de abordagem, de encaminhamento e atendimento humanizado à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

III - plano de expansão das delegacias de atendimento à mulher, que contemple principalmente as regiões geográficas imediatas dos Estados;

IV - programa de monitoração eletrônica de agressores e acompanhamento de mulheres em situação de violência como mecanismo de prevenção integral e proteção estabelecidos pela Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);

V - programa de reeducação e acompanhamento psicossocial do agressor;

VI - expansão da monitoração eletrônica do agressor e disponibilização para a mulher em situação de violência de unidade portátil de rastreamento que viabilize a proteção da integridade física da mulher;

VII - implementação das medidas previstas na Lei nº 14.164, de 10 de junho de 2021, que inclui conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica e institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher;

VIII - expansão dos horários de atendimento dos institutos médicos legais e dos órgãos da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência;

IX - programa de qualificação continuada dos profissionais envolvidos;

X - realização de campanhas educativas;

XI - ações de articulação da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência no Município, no Estado ou na região;

XII - demais ações por ele consideradas necessárias para prevenção da violência contra a mulher e para atenção humanizada à mulher em situação de violência doméstica e familiar e a seus dependentes.

Art. 4º O plano de metas deverá conter a definição de um órgão responsável pelo seu monitoramento e pela coordenação da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.

Art. 5º O art. 35 da Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 35. ......................................................................................................

.....................................................................................................................

VI - enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Para fins de ampliação da integração dos dados e informações relacionados ao disposto no inciso VI do caput deste artigo, será garantida a interoperabilidade, no que couber, do Sinesp com o Registro Unificado de Dados e Informações sobre Violência contra as Mulheres, de que trata a Lei nº 14.232, de 28 de outubro de 2021, observadas as restrições de publicidade disciplinadas na legislação.”(NR)

Art. 6º Para os fins desta Lei, os Estados e o Distrito Federal que, no prazo de 1 (um) ano, contado da entrada em vigor desta Lei, aprovarem seus planos de metas serão considerados habilitados ao recebimento dos recursos federais nos termos do § 2º do art. 2º desta Lei.

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

Brasília, 17 de junho de 2024; 203º da Independência e 136º da República.

sábado, 22 de junho de 2024

"É possível a decretação do divórcio na hipótese em que um dos cônjuges falece após a propositura da respectiva ação, notadamente quando manifestou-se indubitavelmente no sentido de aquiescer ao pedido que fora formulado em seu desfavor"

 



QUARTA TURMA
Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2024, DJe 21/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Divórcio post mortem. Emenda constitucional n. 66/2010. Autonomia privada dos cônjuges. Manifestação de vontade do titular. Óbito do cônjuge durante a tramitação do processo. Dissolução do casamento. Direito potestativo. Exercício. Direito a uma modificação jurídica. Declaração de vontade do cônjuge. Reconhecimento e validação. Ação judicial de divórcio. Pretensão reconvencional. Herdeiros do cônjuge falecido. Legitimidade.

DESTAQUE

É possível a decretação do divórcio na hipótese em que um dos cônjuges falece após a propositura da respectiva ação, notadamente quando manifestou-se indubitavelmente no sentido de aquiescer ao pedido que fora formulado em seu desfavor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em verificar a possibilidade de decretação de divórcio na hipótese de falecimento de um dos cônjuges após a propositura da respectiva ação.

Após a edição da Emenda Constitucional n. 66/2010, permite-se a dissolução do casamento pelo divórcio independentemente de condições e exigências de ordem temporal previstas na Constituição ou por ela autorizadas, passando a constituir direito potestativo dos cônjuges, cujo exercício decorre exclusivamente da manifestação de vontade de seu titular.

Com a alteração constitucional, há preservação da esfera de autonomia privada dos cônjuges, bastando o exercício do direito ao divórcio para que produza seus efeitos de maneira direta, não mais se perquirindo acerca da culpa, motivo ou prévia separação judicial do casal. Origina-se, pois, do princípio da intervenção mínima do Estado em questões afetas às relações familiares.

A caracterização do divórcio como um direito potestativo ou formativo, compreendido como o direito a uma modificação jurídica, implica reconhecer que o seu exercício ocorre de maneira unilateral pela manifestação de vontade de um dos cônjuges, gerando um estado de sujeição do outro cônjuge.

Na hipótese em que a esposa, embora não tenha sido autora da ação de divórcio, manifestou-se indubitavelmente no sentido de aquiescer ao pedido que fora formulado em seu desfavor e formulou pedido reconvencional, requerendo o julgamento antecipado e parcial do mérito quanto ao divórcio, é possível o reconhecimento e validação da sua vontade, mesmo após sua morte, conferindo especial atenção ao desejo de ver dissolvido o casamento.

Ademais, os herdeiros do cônjuge falecido possuem legitimidade para prosseguirem no processo e buscarem a decretação do divórcio post mortem, não se tratando de transmissibilidade do direito potestativo ao divórcio; o direito já foi exercido e cuida-se, tão somente, de preservar os efeitos que lhe foram atribuídos pela lei e pela declaração de vontade do cônjuge falecido.

sexta-feira, 21 de junho de 2024

"A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia)"

 


RECURSOS REPETITIVOS
Processo

REsp 1.954.382-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, por maioria, julgado em 5/6/2024. (Tema 1153).

REsp 1.954.380-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, por maioria, julgado em 5/6/2024 (Tema 1153).

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Verbas remuneratórias. Impenhorabilidade. Art. 833, IV, do CPC. Honorários advocatícios. Execução. Verba de natureza alimentar e prestação alimentícia. Distinção. Art. 833, § 2º, do CPC. Exceção não configurada. Tema 1153.

DESTAQUE

A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia).

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A análise do tema perpassa, necessariamente, pela interpretação dos arts. 85, § 14, e 833 do Código de Processo Civil de 2015, à luz das hipóteses legais das quais exsurge o dever de prestar alimentos.

O ordenamento processual civil em vigor, ao tempo em que estabelece a impenhorabilidade das verbas remuneratórias, trata de especificar as exceções a essa regra, assim disciplinando a matéria: "Art. 833. São impenhoráveis: [...] § 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º".

A solução da controvérsia está em reconhecer a existência de sutil, mas crucial, distinção entre as expressões "natureza alimentar" e "prestação alimentícia", a que se referem os arts. 85, § 14, e 833, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015, estando elas de fato interligadas por uma relação de gênero e espécie, como já defendido em alguns julgados desta Corte Superior, no entanto em sentido inverso, ou seja, a "prestação alimentícia" é que ressai como espécie do gênero "verba de natureza alimentar", e não o contrário.

Nessa linha de pensamento, os honorários advocatícios, apesar da sua inquestionável natureza alimentar, não se confundem com a prestação de alimentos, sendo esta última obrigação periódica, de caráter ético-social, normalmente lastreada no princípio da solidariedade entre os membros do mesmo grupo familiar, embora também possa resultar de condenações por ato ilícito e de atos de vontade.

Como bem salientou a Ministra Nancy Andrighi em seu voto apresentado no julgamento do REsp n. 1.815.055/SP, "(...) uma verba tem natureza alimentar quando é destinada para a subsistência de quem a recebe e de sua família, mas só é prestação alimentícia aquela devida por quem possui a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles efetivamente necessita".

Essa, segundo se entende, é a interpretação que mais se harmoniza com o ordenamento jurídico como um todo, de modo a conferir o privilégio legal somente a quem dele necessita para garantir sua própria sobrevivência e de seus dependentes a curtíssimo prazo.

Estender tal prerrogativa aos honorários advocatícios, e em consequência aos honorários devidos a todos os profissionais liberais, implicaria que toda e qualquer verba que guardasse alguma relação com o trabalho do credor ou com qualquer outra fonte de renda destinada ao seu sustento e de sua família também deveria ser reconhecida como tal, tornando regra a exceção que o legislador reservou apenas para situações extremas.

Tal compreensão não retira a possibilidade de penhora de parte das verbas remuneratórias elencadas no art. 833, IV, do CPC/2015, desde que seja preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, conforme entendimento firmado em precedentes da Corte Especial.

Em qualquer hipótese, portanto, independentemente da natureza jurídica do crédito executado e da pessoa do credor, será possível, em tese, a penhora tanto de parte das verbas de caráter remuneratório quanto de valores depositados em caderneta de poupança (e de outros a eles equiparados), especificadas nos incisos IV e X do art. 833 CPC/2015, caso se verifique, a partir da análise do caso concretamente examinado, que o ato de constrição judicial não retira do devedor a capacidade de manutenção de um mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor dele próprio e de seus dependentes.

Dessa forma, fixa-se a seguinte tese repetitiva: A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia).

quinta-feira, 20 de junho de 2024

"É abusiva a negativa de tratamento essencial ao controle de doença degenerativa do sistema nervoso, apenas por ser o medicamento administrável na forma oral em ambiente domiciliar, quando, entre outras circunstâncias, esteja incluído no rol da ANS e faça parte de específico tratamento escalonado pelo qual o paciente necessariamente precisa passar para ter direito ao fornecimento de fármaco de cobertura obrigatória"

 


Processo

AgInt no AREsp 2.251.773-DF, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para o acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO DA SAÚDE

Tema
 

Plano de saúde. Medicamento de uso oral pertencente ao rol da ANS. Essencial para o tratamento de doença degenerativa. Específico tratamento escalonado. Custeio. Negativa da operadora. Abusividade.

DESTAQUE

É abusiva a negativa de tratamento essencial ao controle de doença degenerativa do sistema nervoso, apenas por ser o medicamento administrável na forma oral em ambiente domiciliar, quando, entre outras circunstâncias, esteja incluído no rol da ANS e faça parte de específico tratamento escalonado pelo qual o paciente necessariamente precisa passar para ter direito ao fornecimento de fármaco de cobertura obrigatória.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia cinge-se sobre a possibilidade de recusa da operadora de plano de saúde em fornecer o medicamento "fingolimode" para tratamento de esclerose múltipla, por se tratar de fármaco de uso domiciliar administrado na via oral, para o qual não haveria previsão legal ou contratual de cobertura obrigatória.

Consoante previsão contida no artigo 10, VI, da Lei n. 9.656/1998, o plano-referência de assistência à saúde não é obrigado a custear o "fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas c do inciso I e g do inciso II do art. 12", que versam sobre medicamentos antineoplásicos, ou tratamento em "home care". O artigo 17, parágrafo único, VI, da Resolução Normativa n. 465/2021 da ANS traz previsão no mesmo sentido.

Na hipótese, a autora não faz uso de medicamento antineoplásico, tampouco conta com assistência por meio de "home care", pretendendo apenas ter custeado o medicamento fingolimode para uso oral.

Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior é iterativa no sentido de que é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida ("home care") e os incluídos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para esse fim. Nesse sentido: AgInt no AgInt no REsp n. 2.071.979/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 2/5/2024 e AgInt no AREsp n. 1.771.350/PR, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023.

O caso em exame, todavia, apresenta peculiaridades que justificam a aplicação de entendimento diverso. A indicação feita pelo médico assistente da recorrente estabelece a imprescindibilidade da terapia com o específico medicamento fingolimode em dose diária. Ademais, em consulta ao bulário eletrônico da Anvisa, constata-se que o medicamento fingolimode conta com o devido registro tanto para a versão original como para as versões genéricas e é expressamente indicado para o tratamento de esclerose múltipla, estando disponível apenas sob a forma de cápsula, administrável via oral, não havendo alternativa na modalidade injetável.

Em que pese o referido fármaco não esteja previsto como de cobertura obrigatória para o tratamento de esclerose múltipla no Rol de Procedimentos de Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (Anexo II da RN n. 465/2021), a aludida normativa contempla o uso do fingolimode como segunda ou terceira linha de tratamento, pelas quais o paciente necessariamente precisa passar para ter direito ao fornecimento de fármaco de cobertura obrigatória (Natalizumabe) em terceira ou quarta linha de tratamento, quando houver falha terapêutica, eventos adversos ou falta de adesão nas linhas anteriores.

Na espécie, há relatório médico esclarecendo que o paciente já fez uso prévio de terapia injetável, com utilização de outros fármacos, sem sucesso; atesta, ainda, que o caso não se enquadra nas diretrizes clínicas para indicação da terapia endovenosa e conclui reiterando a imprescindível necessidade da medicação oral prescrita.

Efetivamente, a orientação da médica assistente, ao prescrever o tratamento com fingolimode em segunda linha, está em consonância tanto com o disposto no Anexo II da RN n. 465/2021, transcrito em linhas anteriores, como com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o tratamento de esclerose múltipla, elaborado pelo Ministério da Saúde, que considera critérios de eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade das tecnologias recomendadas.

Ressalta-se que o fingolimode é fornecido pelo SUS, sendo possível extrair do Relatório de Recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC, acostado aos autos, informações relevantes acerca das diferenças entre as formas de administração das terapias disponíveis (oral ou injetável), inclusive que a administração do medicamento por via oral é mais eficaz, sobretudo porque propicia maior adesão ao tratamento.

A corroborar todas as circunstâncias acima referidas, as quais indicam a necessidade de cobertura do fármaco fingolimode, não é adequado exigir que a recorrente passe, de plano, para a etapa subsequente de tratamento, na contramão das recomendações dos órgãos técnicos e da médica assistente.

É absolutamente desarrazoado submetê-la a sofrível tratamento injetável, realizado em ambiente hospitalar, quando pode fazer uso de tratamento via oral, mais prático, indolor e sem gastos com deslocamento e dispêndio de tempo, além de representar custo inferior para a operadora do plano de saúde, não afetando o equilíbrio contratual.

Desse modo, embora a situação clínica da recorrente não se amolde ao conceito legal de emergência médica - relativo a casos que indiquem risco imediato de vida ou dano irreparável à saúde do paciente, declarado por médico - não havendo se falar, portanto, em violação ao art. 35-C da Lei n. 9.656/1998, de rigor, todavia, concluir que a negativa de cobertura, na hipótese, revela-se abusiva.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

"A instituição financeira não pode ser responsabilizada pelo roubo de que o cliente fora vítima, em via pública, após chegada ao seu destino portando valores recentemente sacados diretamente no caixa bancário, porquanto evidencia-se fato de terceiro, que exclui a responsabilidade objetiva, por se tratar de caso fortuito externo"

 


QUARTA TURMA
Processo

AgInt no AREsp 1.379.845-BA, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Responsabilidade civil. Instituição financeira. Roubo cometido contra cliente em via pública. Fortuito externo. Excludente de responsabilidade objetiva.

DESTAQUE

A instituição financeira não pode ser responsabilizada pelo roubo de que o cliente fora vítima, em via pública, após chegada ao seu destino portando valores recentemente sacados diretamente no caixa bancário, porquanto evidencia-se fato de terceiro, que exclui a responsabilidade objetiva, por se tratar de caso fortuito externo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir se a instituição financeira deve ou não ser responsabilizada por roubo contra cliente, após este transitar por via pública e chegar ao seu destino, no caso estacionamento do prédio onde se situa o escritório da empresa do correntista, pelo fato de estar de posse de valores, em espécie, recentemente sacados diretamente no caixa bancário.

No julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.197.929/PR, a Segunda Seção do STJ assentou a tese de que as instituições bancárias respondem de forma objetiva pelos danos causados aos correntistas, decorrentes de fraudes praticadas por terceiros, caracterizando-se como fortuito interno.

Ademais, a matéria se encontra sumulada neste Tribunal Superior, no Verbete n. 479, in verbis: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Nessa senda, constata-se que o referido entendimento se aplica tão somente nos casos de fortuito interno, razão pela qual a jurisprudência do STJ admite a responsabilidade objetiva dos bancos por crimes ocorridos no interior de suas agências, em razão do risco inerente à atividade, que abrange guarda e movimentação de altos valores em espécie.

Todavia, esse entendimento jurisprudencial não se aplica à hipótese presente, em que, a vítima, após sacar uma quantia na agência bancária, supostamente teria sido seguida por todo o percurso pelos criminosos até o estacionamento do prédio onde se situa o escritório de sua empresa e, só após chegar a este local, fora anunciado o assalto. Dessa forma, tendo em conta os contornos fáticos delineados pela instância de origem, em um cenário em que o correntista é vítima de crime de roubo em local distante das dependências do banco onde, anteriormente, efetivara saque de dinheiro em espécie, não se revela a responsabilidade da instituição financeira pela ocorrência do crime contra o correntista tempos depois e quilômetros de distância.

Com efeito, cuida-se de evidente fortuito externo, o qual afasta o nexo de causalidade e, portanto, afasta a responsabilidade civil objetiva da instituição financeira, especialmente pela razão de que o crime não foi praticado no interior do estabelecimento bancário.

Em casos semelhantes à hipótese, o Superior Tribunal de Justiça já firmou jurisprudência no sentido de que o banco não pode ser responsabilizado por crime ocorrido em via pública, tendo em vista que o risco inerente à atividade exercida pela instituição financeira não a torna responsável pelo crime sofrido pelo correntista fora das suas dependências.

terça-feira, 18 de junho de 2024

"A instalação de lojas do mesmo ramo em shopping center não configura, por si só, atividade predatória nem ofensa ao tenant mix, desde que que essa opção não implique desrespeito aos contratos firmados com os lojistas"

 


Processo

REsp 2.101.659-RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Contrato de locação. Shopping center. Instalação de lojista do mesmo ramo. Não configuração de atividade predatória nem ofensa ao tenant mix.

DESTAQUE

A instalação de lojas do mesmo ramo em shopping center não configura, por si só, atividade predatória nem ofensa ao tenant mix, desde que que essa opção não implique desrespeito aos contratos firmados com os lojistas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O contrato de locação em shopping center tem índole marcadamente empresarial. Os sujeitos da relação obrigacional são empresários (pressuposto subjetivo) e seu objeto decorre da atividade empresarial por eles exercida (pressuposto objetivo).

Essa constatação atinge diretamente a forma como o contrato deve ser interpretado, pois a atividade empresarial é caracterizada pelo risco e regulada pela lógica da livre concorrência, devendo prevalecer nesses ajustes, salvo situação excepcional, a autonomia da vontade e o princípio do pacta sunt servanda.

tenant mix, por sua vez, refere-se à organização do espaço e é uma das principais características de um shopping center. Nesse contexto, cabe ao empreendedor a escolha das lojas que comporão o empreendimento, a instalação de áreas de lazer e a realização de propaganda e promoções. Essas estratégias servem para atrair o maior número de consumidores ao empreendimento e alcançar a melhor lucratividade, finalidade que atende aos interesses dos lojistas e do próprio shopping, que faz jus ao recebimento de aluguel calculado sobre o faturamento.

Apesar de, em um primeiro momento, parecer que a concorrência entre lojas no mesmo shopping center não é a melhor estratégia, o fato é que em empreendimentos maiores é comum a presença de lojas do mesmo segmento concorrendo entre si, instaladas lado a lado, ou frente a frente, como no caso das lanchonetes de fast food, lojas de sapato e roupas, trazendo atratividade para o shopping, beneficiando os consumidores e, portanto, os demais lojistas.

Sob essa perspectiva, não está vedado ao empreendedor do shopping, caso entenda que a concorrência trará benefícios para a organização das lojas (tenant mix), optar pela instalação de lojas concorrentes, desde que essa opção não implique desrespeito aos contratos firmados com os lojistas. De fato, cabe ao lojista avaliar se os custos para participar daquele empreendimento, no qual pode enfrentar alguma concorrência, compensam.

Não é possível, porém, garantir que o aumento do número de clientes e das vendas resultará no incremento dos lucros dos lojistas, pois várias causas concorrem para esse fim, a exemplo do presente caso em que o faturamento do estabelecimento já estava em declínio antes mesmo da instalação do segundo lojista de mesmo ramo de atividade.

No caso, o contrato previa expressamente a possibilidade de ampliação e revisão do tenant mix e haviam sido inaugurados diversos centros de compras na região ao redor do shopping ora recorrente, de modo que a alteração e ampliação do tenant mix não pode ser considerada uma conduta desarrazoada, violadora da boa-fé objetiva. Ainda, foi constatado que o faturamento do estabelecimento já vinha em declínio antes mesmo da instalação do segundo lojista de mesmo ramo de atividade, não tendo sido efetivamente constatada a violação do contrato firmado entre as partes ou do tenant mix, diante da necessidade de enfrentamento das novas situações de mercado.