A existência de usucapião a favor
do comprador do imóvel pode fundamentar a anulação de negócio jurídico de
compra e venda por erro essencial. O entendimento é da Quarta Turma ao rejeitar
recurso interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
que entendeu que a usucapião, apesar de ainda não reconhecida em sentença,
poderia anular o negócio por erro essencial do contratante. O erro essencial é
aquele sem o qual o contratante não concluiria o negócio. No caso analisado
pelo STJ, o comprador alegou que foi pressionado pela imobiliária a adquirir um
imóvel em cuja posse já estava havia 16 anos, e que chegou a pagar 216 parcelas
do contrato.
Tanto o juízo singular quanto o
tribunal local entenderam que o comprador foi induzido a adquirir um bem que já
lhe pertencia pelo decurso de prazo. O TJRS ainda reconheceu o direito à
devolução das parcelas. O vendedor alegou em recurso ao STJ que as partes
pactuaram livremente as condições do contrato e que não teria havido coação,
pois o objetivo era apenas regularizar a situação do invasor do imóvel. As
instâncias ordinárias entenderam que o comprador era pessoa simples, que não
tinha conhecimento de seu direito à declaração de domínio pela prescrição
aquisitiva.
O Código Civil de 1916
considerava anulável o ato jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação,
simulação ou fraude. Quanto ao erro, estabeleceu serem anuláveis os atos
jurídicos quando as declarações de vontade resultassem de erro substancial.
Segundo o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, o Código de 2002
manteve a regra de que o erro ou a ignorância é causa de anulação dos negócios
jurídicos. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o erro que motiva a
anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser perdoável em razão do
desconhecimento natural das particularidades do negócio jurídico pelo homem
mediano. Para ser desculpável, o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa
de inteligência mediana o cometeria.
No caso julgado, o relator
considerou que não parece crível que uma pessoa faria negócio para adquirir uma
propriedade que já é do seu domínio. “Parece ter havido também um induzimento
malicioso com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria
emitida se o declarante não tivesse sido ludibriado”, afirmou o ministro. Para
Salomão, é razoável que o comprador – auxiliar de serviços gerais, com baixo
nível de instrução e sem familiaridade com assuntos jurídicos – “não soubesse
que o exercício de sua posse no imóvel por um longo lapso temporal seria hábil
a lhe conferir a propriedade do bem”
O dolo que motiva a anulação do
negócio jurídico é tanto o comissivo quanto o omissivo, disse Salomão, ao
mencionar que o Código Civil de 1916, em seu artigo 94, já estabelecia que “nos
atos bilaterais o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou
qualidade que a outra parte haja ignorado constitui omissão dolosa”. O relator
observou ainda que, “preenchidos os requisitos da usucapião, há, de forma
automática, o direito à transferência do domínio, não sendo a sentença
requisito formal à aquisição da propriedade”. Ele explicou que, decorrido o
prazo previsto em lei, o possuidor passa a deter o domínio sobre o imóvel, e
que a sentença no processo de usucapião é meramente declaratória, servindo como
título para ser levado ao registro de imóveis.
Processo: REsp 1163118
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