A Quarta Turma do STJ, ao julgar
o REsp 1170239 em 01/07/2013, manteve decisão que
condenou a Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda. ao pagamento
solidário de indenização por danos morais a uma segurada e seu marido, por erro
médico na interpretação de um exame de ultrassonografia com translucência nucal
(TN). A médica, funcionária de uma clínica de radiologia credenciada da
operadora de plano de saúde, apontou, como resultado do exame, que o feto
poderia ser portador de Síndrome de Down. Porém, após novos exames,
constatou-se que o feto era normal e não apresentava nenhuma síndrome
cromossômica. Seguindo o relator, ministro Marco Buzzi, a Quarta Turma afirmou
que o STJ tem posição clara no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária entre a operadora de plano de saúde e o hospital (ou clínica)conveniado ou credenciado, em casos de má prestação de serviço, pelos prejuízos daí resultantes para o contratante do plano.
A segurada, o marido e a filha,
ainda por nascer, ajuizaram ação de indenização contra o Centro Radiológico da
Lagoa, do Rio de Janeiro, e a Golden Cross, pedindo a condenação das empresas
ao pagamento de indenização por danos morais a ser fixada judicialmente, em
virtude de erro médico ao interpretar erroneamente uma ultrassonografia com TN.
Embora tenha rebatido todas as alegações dos autores na ação de indenização, o
centro radiológico acabou firmando um acordo, homologado judicialmente, com a
segurada e o marido. O trato culminou na extinção do processo. A ação contra a
operadora de plano de saúde prosseguiu. O juízo da 37ª Vara Cível da comarca do
Rio de Janeiro julgou improcedente a ação indenizatória, entendendo ser
inviável a ocorrência de abalo psicológico da filha, ainda não nascida à época
dos fatos. Além disso, o diagnóstico de existência de anomalia teria surgido
das conclusões da segurada e do marido, já que nada nos autos contribuiu para
que se inferisse que a médica houvesse aventado essa possibilidade. Por fim, o
juiz considerou que o acordo celebrado entre os autores e o devedor solidário é
proveitoso ao outro, e por isso extinguiu a obrigação. Os autores apelaram da
sentença. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) proveu parcialmente o
pedido para condenar a Golden Cross a pagar a quantia de R$ 6 mil, dividida em
partes iguais entre eles e corrigida monetariamente. “A falha na prestação de
serviço, concernente a diagnóstico que indicou equivocadamente feto portador de
anomalia genética, enseja o dever de reparação moral”, concluiu o tribunal
estadual. Tanto os autores quanto a operadora do plano de saúde recorreram ao
STJ.
A segurada e o marido defenderam
a majoração da verba indenizatória, ao argumento de que fazem jus à integral
reparação do dano, não sendo razoável a fixação em R$ 6 mil, tão somente por
ter sido este o valor do acordo que levou à extinção do processo em relação ao
centro radiológico. Eles se insurgiram contra a rejeição do pedido de indenização
em relação à filha, argumentando que o bebê ainda no ventre materno, já dotado
de personalidade jurídica, passou por “dor, sofrimento e constrangimento o
suficiente para ter sua vida ameaçada e colocada em risco”. Por fim, defenderam
que a correção monetária e os juros de mora devem incidir desde o evento que
causou o dano e não a partir da decisão de segundo grau, por se tratar de
débito decorrente de ato ilícito. A Golden Cross, por sua vez, sustentou que o
tribunal fluminense foi omisso, pois embora instado, deixou de se manifestar
quanto à existência de dívida comum, notadamente porque o valor pretendido pela
segurada deveria ser arbitrado judicialmente. Quanto ao mérito da questão,
argumentou que, “inexistindo cobrança de valor certo ou determinado, a título
de indenização por danos morais, jamais se poderia afirmar que a transação
celebrada entre os recorridos e a primeira ré compreenderia pagamento parcial
da dívida”. Ambos os recursos foram rejeitados.
O relator, ministro Marco Buzzi,
destacou que, se o contrato é fundado na prestação de serviços médicos e
hospitalares próprios ou credenciados, no qual a operadora de plano de saúde
mantém hospitais e emprega médicos ou indica um rol de conveniados, não há como
afastar sua responsabilidade solidária pela má prestação do serviço. Para o
ministro, a transação realizada entre o codevedor solidário e o credor somente
enseja a extinção da dívida em relação aos demais devedores se a referida
contratação abarcar a dívida comum, como um todo. Diversamente, caso a quitação
decorrente da transação referir-se apenas a parte da dívida, os demais
devedores permanecerão vinculados ao débito, solidariamente, descontado,
contudo, o valor do pagamento parcial.
Quanto ao acordo firmado entre os
autores e o centro radiológico, Marco Buzzi ressaltou que o instrumento
particular de transação, conforme reconhecido pelo Tribunal de origem, não
deixa margem de dúvida acerca da abrangência do pacto, consignando expressamente
que o acordo teve por finalidade encerrar o conflito de interesse existente
entre as partes contratantes, tão-somente, “perdurando assim o litígio somente
em face da Golden Cross”. O relator destacou ainda que, conforme preceitua o
artigo 843 do Código de Processo Civil, os termos de uma transação devem ser
interpretados restritivamente. Nessa medida, os direitos declarados ou
reconhecidos em tal contratação produzem efeitos em relação às partes nela
envolvidas, sem beneficiar ou prejudicar terceiros que dela não fizeram parte
(res inter alios acta). “Atendo-se aos termos pactuados, não se afigura
possível estender os efeitos da quitação conferida ao devedor solidário –
relativa, única e exclusivamente, à sua quota-parte da dívida em comum – ao
codevedor que, na transação, não interveio”, acrescentou.
Segundo o ministro, a doutrina e
a jurisprudência reconhecem que “o nascituro, ainda que considerado como
realidade jurídica distinta da pessoa natural, é igualmente titular de direitos
da personalidade (ao menos, reflexamente)”. Assim, ele é merecedor de toda a
proteção do ordenamento jurídico, destinada a garantir o desenvolvimento digno
e saudável no meio intrauterino e o consequente nascimento com vida. Dessa
forma, reconhece-se a possibilidade, em tese, de o nascituro vir a sofrer danos
morais, decorrentes da violação da dignidade da pessoa humana, desde que estes,
de alguma forma, comprometam o seu desenvolvimento. No caso, contudo, segundo o
relator, não se pode falar em dano moral suportado pelo nascituro, pois, no dia
seguinte ao recebimento do resultado do exame com a informação equivocada
quanto à síndrome cromossômica, a mãe foi submetida a novo exame que descartou
esse diagnóstico. “Não se olvida, tampouco se minimiza, o abalo psíquico que os
pais suportaram em virtude de tal equívoco, dano, contudo, que não se pode
estender ao nascituro”, entendeu. Para ele, o erro não pôs em risco a gestação
nem repercutiu na vida da criança, após seu nascimento, visto que os exames que
poderiam acarretar riscos à gravidez não foram feitos. O valor também foi um
ponto mantido pelo relator. Segundo ele, não há razão lógica para que os pais
considerem justo e razoável o valor de R$ 6 mil para que a clínica quite sua
parte da obrigação, mas entendam irrisório tal valor em relação à devedora
remanescente. Além disso, o valor arbitrado, no total de R$ 12 mil, não é
ínfimo, mas “razoável e proporcional aos danos suportados, guardadas as
peculiaridades do caso”.
Por fim, sobre a correção
monetária fixada pelo TJRJ, o ministro Buzzi ressalvou que o vínculo que une as
partes e do qual decorre o dever de indenizar é de natureza contratual, razão
pela qual os juros moratórios referentes à reparação por dano moral, incidem a
partir da citação. “A correção monetária do valor da indenização pelo dano
moral dá-se a partir da data em que restou arbitrada, no caso, por ocasião da
prolação do acórdão que julgou a apelação”, afirmou.
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