A doação de bens feita em vida pelo pai aos filhos gerados
no casamento, excluindo a filha fruto de outro relacionamento, é nula quanto à
parte que obrigatoriamente deve ser destinada a ela por herança. Assim como os
três meios-irmãos por parte de pai, a filha também é herdeira necessária de um
quarto da metade dos bens do genitor. Com base nessa regra do direito civil
brasileiro, a Terceira Turma do STJ, em 27/03/2014, determinou que 6,25% do
valor bruto de dois imóveis, doados e posteriormente vendidos, sejam entregues
à herdeira que não foi contemplada na doação. Um terceiro imóvel deve ser
colocado em processo de inventário para partilha entre os herdeiros
necessários, resguardada a metade doada pela viúva aos seus próprios filhos.
Em 1992, o genitor e sua esposa doaram aos filhos do casal
três imóveis. Ele faleceu, e a filha não contemplada com a doação requereu sua
parte na Justiça, com uma ação declaratória de nulidade de negócio jurídico. O
juízo de primeiro grau julgou o pedido procedente. Declarou a nulidade dos atos
de transmissão da propriedade e determinou o retorno dos bens ao espólio do
falecido, para futura partilha em inventário. A decisão foi mantida em segundo
grau. Os irmãos recorreram ao STJ alegando que metade dos imóveis foi doada
pela mãe deles, de forma que a irmã apenas por parte de pai não teria
legitimidade para pedir em juízo a declaração de nulidade do negócio. Sustentaram
que, em relação à metade doada pelo pai comum, a invalidade da doação deveria
recair somente sobre a parte que excede o que o genitor pode dispor livremente,
que corresponde à metade de seu patrimônio. Assim, a outra metade deve ser
dividida entre os quatro herdeiros necessários, cabendo a cada um 6,25% de cada
um dos imóveis doados.
Para relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a autora
tem legitimidade para propor a ação a fim de obter sua parte na herança. Seu
objetivo é a declaração de nulidade da doação para posterior abertura de
inventário dos bens deixados pelo pai falecido, com sua inclusão no rol de
herdeiros necessários. “O fato de a recorrida ter realizado a cessão de
direitos hereditários não lhe retira a qualidade de herdeira, que é
personalíssima, e, portanto, não afasta sua legitimidade para figurar no polo
ativo desta ação, porque apenas transferiu ao cessionário a titularidade de sua
situação jurídica, de modo a permitir que ele exija a partilha dos bens que
compõem a herança”, explicou a relatora.
Os recorrentes também alegaram no recurso que houve
julgamento fora do pedido feito na ação, pois foi declarada a nulidade da
doação com base no artigo 1.175 do Código Civil de 1916: “É nula a doação de
todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do
doador.” Nancy Andrighi afirmou que não se pode falar em julgamento fora do
pedido (extra petita), porque nulidades absolutas podem ser conhecidas de
ofício pelo julgador. Por outro lado, ela destacou que a caracterização da
doação universal de que trata o referido artigo exige a demonstração de que o
doador não tinha condições de garantir a própria subsistência, o que não
ocorreu no caso. Portanto, a situação nesse processo, segundo a relatora, não é
de julgamento extra petita nem de doação universal, pois não se pode presumir
que a após a doação o pai tenha assumido estado de miserabilidade.
A jurisprudência do STJ estabelece que a doação a descendente
que exceder a parte da qual o doador, no momento da liberalidade, poderia
dispor em testamento é qualificada como inoficiosa – portanto, nula. Segundo a
relatora, houve clara preterição da filha que ajuizou a ação, na medida em que
todos os imóveis foram doados aos meios-irmãos, não restando qualquer outro bem
a ser inventariado quando aberta a sucessão. Na hipótese julgada, quatro são os
herdeiros necessários. Do patrimônio total do pai deles, os três filhos do
casamento poderiam receber em doação até 87,5%: 50% correspondentes à parte com
a qual o pai poderia fazer o que quisesse, acrescidos das frações a que cada um
obrigatoriamente tem direito, ou seja, 12,5%. Considerando que o pai tinha
metade dos imóveis – a outra metade era de sua esposa –, a parte obrigatória de
cada herdeiro do genitor corresponde a 6,25% de cada imóvel. A fração restante
da doação, segundo Nancy Andrighi, é plenamente válida e eficaz.
A notícia refere-se aos seguintes processos: REsp 1361983
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