As Lojas Americanas deverão ser
despejadas do Barra Shopping, empreendimento integrante da rede de shopping
centers Multiplan, localizado na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. A decisão
foi da Terceira, que entendeu que as Americanas violaram o contrato de aluguel
estabelecido com o shopping ao instalar em seu interior pontos de venda de
produtos pela internet. Como essas vendas eram faturadas em nome de empresa
diversa, o valor não entrava na base de cálculo do aluguel. No contrato de
locação assinado em 1980, ficou acordado que o valor do aluguel seria um
percentual do faturamento bruto da loja. O contrato está vigente até os dias
atuais, após sucessivas renovações.
De acordo com o processo, em 1999
a rede varejista instalou no interior da loja terminais de computadores que
permitiam que os clientes fizessem compras pela internet, no site
americanas.com. Entretanto, os produtos adquiridos por meio do site eram
faturados por outra empresa e a receita não era contabilizada no faturamento da
loja do Barra Shopping, o que reduzia o valor do aluguel. Alegando infração
contratual, a rede Multiplan moveu ação de despejo contra as Lojas Americanas.
A ação foi julgada improcedente pelo juízo de primeira instância, pois
considerou que a Multiplan consentiu com a manutenção das vendas via internet
ao promover as renovações contratuais posteriores à instalação dos terminais. De
acordo com o juízo, as bases de cálculo do faturamento bruto mensal poderiam
ser alteradas, mas isso deveria ser tratado em ação própria. Inicialmente, a
sentença foi reformada em grau de apelação pelo Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (TJRJ), que determinou o despejo com base na infração contratual. Na
sequência, ao julgar embargos infringentes, o tribunal fluminense recuperou os
fundamentos da sentença e deu razão às Americanas.
Inconformada, a Multiplan
apresentou recurso no STJ. Alegou ofensa aos artigos 9º, inciso II; 13,
parágrafo 1º; e 23, inciso II, da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato). Sustentou
que, ao instalar terminais para venda de produtos pela internet em nome de empresa
diversa, a recorrida se utilizou do imóvel locado para fim diverso do
convencionado. Alegou ainda que não houve consentimento tácito da Multiplan com
a instalação dos terminais. O ministro João Otávio de Noronha, relator do
recurso, observou que o lojista que se estabelece em um shopping center usufrui
do planejamento, da organização e da clientela que frequenta o complexo. Portanto,
para o ministro, existe mais que um simples contrato de locação, por meio do
qual haveria remuneração fixa em troca da cessão do imóvel comercial. Trata-se
de uma “relação associativa na qual a colaboração entre os lojistas e o
empreendimento é necessária para concretizar-se esse modelo de exploração
comercial”, afirmou.
De acordo com Noronha, a cobrança
de aluguel percentual proporcional ao faturamento bruto mensal da atividade
comercial, nos contratos de locação de loja em shopping center, representa um
rateio do sucesso, que em parte é possibilitado pela estrutura e planejamento
oferecidos pelo empreendedor. Segundo o ministro, a conduta da locatária ao
mascarar o faturamento obtido com as vendas feitas pela internet no interior da
loja, computando-o em nome de outra empresa, “feriu o combinado acerca da
contraprestação devida pelo uso do espaço locado”. Além disso, violou o artigo
9º, inciso II, da Lei do Inquilinato, autorizando o desfazimento da locação. Para
Noronha, é “nítida” a infração ao contrato, pois os ganhos “vêm sendo
dissimulados para frustrar o integral percebimento do valor da locação”. O
ministro mencionou que houve também infração ao dever geral de boa-fé dos
contratantes, visto que “não se pode dizer que age com pureza de intenções
aquele que toma atitudes ciente de que irá prejudicar o outro contratante,
burlando o meio de cálculo do pagamento contratado”.
O relator afastou ainda o
entendimento do TJRJ que considerou que as renovações contratuais implicavam
consentimento tácito do shopping em relação às vendas pela internet e revelavam
seu interesse em continuar com o negócio. De acordo com o ministro, as
renovações contratuais não significam necessariamente que o shopping sabia que
os terminais eram usados para comércio eletrônico e que as vendas eram
faturadas para outra empresa. O relator explicou que o interesse na
continuidade da relação jurídica perdura apenas enquanto se julga que a outra
parte vem cumprindo o acordo. Todavia, a descoberta de sonegação de parte do
pagamento “não obriga que o contratante permaneça vinculado àquele que vem procurando
mascarar o valor da contraprestação efetivamente devida”, disse o ministro. Para
o ministro Noronha, houve infração ao dever geral de boa-fé dos contratantes.
Processo: REsp 1295808
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