“Embora não seja expressamente
referida na legislação pertinente como requisito para configuração da união
estável, a fidelidade está ínsita ao próprio dever de respeito e lealdade entre
os companheiros.” A conclusão é da Terceira Turma, que negou o reconhecimento
de união estável porque o falecido mantinha outro relacionamento estável com
terceira. Uma mulher interpôs recurso especial contra acórdão do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, que já havia negado o pedido de reconhecimento por
entender que o relacionamento da autora da ação com o finado teria sido apenas
um namoro, sem objetivo de constituição de família. No recurso, a autora
sustentou que manteve convivência pública, duradoura e contínua com o finado de
julho de 2007 até o seu falecimento, em 30 de novembro de 2008, e que o dever
de fidelidade não estaria incluído entre os requisitos necessários à
configuração da união estável. A outra companheira contestou a ação, alegando
ilegitimidade ativa da autora, que seria apenas uma possível amante do
falecido, com quem ela viveu em união estável desde o ano 2000 até o seu
falecimento. Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, a
controvérsia do recurso consistia em definir se a união estável pode ser
reconhecida entre as partes, mesmo diante da inobservância do dever de
fidelidade pelo falecido, que mantinha outro relacionamento estável com
terceira, sendo que os dois relacionamentos simultâneos foram efetivamente
demonstrados nos autos. A ministra reconheceu que tanto a Lei 9.278/96 como o
Código Civil não mencionam expressamente a observância do dever de fidelidade
recíproca para que possa ser caracterizada a união estável, mas entendeu que a
fidelidade é inerente ao dever de respeito e lealdade entre os companheiros. “Conforme
destaquei no voto proferido no REsp 1.157.273, a análise dos requisitos para
configuração da união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente
em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de
esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, e também a
fidelidade”, ressaltou. Para a ministra, uma sociedade que apresenta como
elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade – que
integra o conceito de lealdade e respeito mútuo – para inserir no âmbito do
direito de família relações afetivas paralelas. Citando precedentes, Nancy
Andrighi admitiu que a jurisprudência do STJ não é uníssona ao tratar do tema e
alertou que, ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o
juiz, atento às peculiaridades de cada caso, “decidir com base na dignidade da
pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na
liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da
monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade”. A ministra concluiu
o voto ressaltando que seu entendimento não significa dizer que a relação
mantida entre a recorrente e o falecido mereça ficar sem qualquer amparo
jurídico: “Ainda que ela não tenha logrado êxito em demonstrar, nos termos da
legislação vigente, a existência da união estável, poderá pleitear em processo
próprio o reconhecimento de uma eventual sociedade de fato.” O voto da relatora
foi acompanhado de forma unânime na Turma e reforçado por um comentário do
ministro Sidnei Beneti. Para ele, divergir da relatora neste caso seria
legalizar a “poligamia estável”.
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