A ação pauliana – processo movido pelo credor contra devedor insolvente que negocia bens que seriam utilizados para pagamento da dívida numa ação de execução – não pode prejudicar terceiros que adquiriram esses bens de boa-fé. Assim, na impossibilidade de desfazer o negócio, a Justiça deve impor a
todos os participantes da fraude a obrigação de indenizar o credor pelo valor
equivalente ao dos bens alienados. O entendimento foi firmado no julgamento do REsp 1100525 em 24/04/2013, pela Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso relatado pelo
ministro Luis Felipe Salomão. A controvérsia foi suscitada pelos compradores de
três terrenos negociados pela empresa Alfi Comércio e Participações Ltda. A
venda dos imóveis havia sido anulada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul (TJRS), em ação pauliana ajuizada pelo Banco do Brasil.
No caso julgado, ficou constatada fraude contra o banco,
credor de dívidas no valor de R$ 471.898,21 oriundas de cédulas de crédito
industrial contratadas em 1995 pela Pregosul Indústria e Comércio Ltda., cuja
falência foi decretada. Segundo os autos, um casal de fiadores da Pregosul deu os
imóveis em pagamento à Companhia Siderúrgica Belgo Mineira. Depois, dentro de
um acordo judicial, ficou acertada a devolução dos imóveis. Porém, a pedido do
casal, em vez de retornarem para seu patrimônio pessoal, os bens foram
transferidos pela Belgo Mineira à empresa Alfi Comércio e Participações,
constituída apenas dois meses antes em nome da filha do casal. Por fim, a Alfi
vendeu os imóveis a terceiros. Conforme constatado pelas instâncias ordinárias, a Alfi foi
criada especificamente para receber a propriedade dos imóveis e evitar que tais
bens ficassem sujeitos a penhora na execução das dívidas. Na primeira instância, a ação pauliana do Banco do Brasil
foi julgada procedente, para anular todos os atos jurídicos fraudulentos e
declarar sem eficácia a venda dos imóveis pela Alfi aos últimos adquirentes,
mesmo reconhecendo que estes agiram de boa-fé. De acordo com as conclusões do
juiz, a Belgo Mineira sabia da situação do casal e teve participação ativa na
fraude. Quanto aos últimos compradores, o juiz afirmou que teriam de
buscar indenização por perdas e danos em ação própria. O TJRS manteve a
decisão.
Em recurso ao STJ, os compradores alegaram, entre outros
pontos, que os imóveis foram adquiridos “na mais cristalina boa-fé” de uma
empresa que não possuía qualquer restrição, ônus ou gravame; e que a transação
foi cercada de todas as cautelas e formalizada com auxílio e orientação de
corretor de imóveis, o que impediria a anulação do negócio. Com base em precedentes e doutrina sobre o instituto da
fraude contra credores, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que os últimos
compradores, cuja boa-fé foi reconhecida na sentença, não poderiam ser
prejudicados pelo desfazimento do negócio. Segundo o ministro, como houve alienação onerosa do bem, a
solução adotada pelo TJRS contrariou dispositivo legal que estabelece que,
anulado o ato, as partes serão restituídas ao estado em que antes se
encontravam, e não sendo isso possível, o credor será indenizado no valor
equivalente.
“Em concordância com o decidido no Recurso Especial 28.521,
relatado pelo ministro Ruy Rosado, cabe resguardar os interesses dos terceiros
de boa-fé e condenar os réus que agiram de má-fé”, destacou o relator em seu
voto. Salomão lembrou que, naquele caso, o STJ aplicou por
analogia o artigo 158 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos
(correspondente ao artigo 182 do código atual), para concluir que, se o autor
da ação pauliana pediu a anulação dos atos fraudulentos, o que ele pretende em
essência é recompor o patrimônio do devedor. “Inviabilizado o restabelecimento do status quo ante, pela
transferência do bem a terceiro de boa-fé, inatingível pela sentença de
procedência do pedido, entende-se que o pleito compreendia implicitamente a
substituição do bem pelo seu equivalente”, disse o ministro. Nesses casos,
acrescentou, cabe condenar todos os que agiram de má-fé a indenizar o autor da
ação pauliana, porque contribuíram para a insolvência do devedor. Assim, de forma unânime, a Turma deu parcial provimento ao
recurso dos compradores, para condenar o casal de fiadores, a Alfi e a Belgo
Mineira a indenizar o Banco do Brasil pelo valor equivalente aos imóveis
transmitidos em fraude contra o credor, a ser apurado em liquidação.
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