DIREITO MARCÁRIO. Ação indenizatória. A hipótese dos autos diz acerca de possível ilicitude praticada pela empresa ré ("marketing de emboscada") durante os eventos que se iniciaram com a realização da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014. Inicialmente, para contextualizar o tema, muito embora a apelada afirme que a utilização das cores verde e amarela em suas campanhas publicitárias não pode ser vista como prática de "marketing de emboscada", a uma, porque os artigos 28 e 29, da Lei nº 5.700/71, garantem que todos se encontram autorizados a utilizar as cores nacionais sem quaisquer restrições, e a duas, porque a CBF não é proprietária das cores verde e amarela, não detendo, pois, qualquer exclusividade sobre o uso das mesmas em qualquer contexto, inclusive em camisas, bandeiras e comunicações publicitárias, logo, inapropriáveis por um único titular, não é o que se extrai da notória imitação do uniforme da "Seleção Brasileira de Futebol". Conforme se extrai de acórdão recente desta Câmara, "...é fato conhecido de qualquer profissional que trabalha com marcas e embalagens que as cores consistem em elemento de primeira importância posto possuírem a primazia no quesito identificação pelo público, gerando, assim íntimas associações das cores com marcas como o vermelho Ferrari, o vermelho Valentino, o vermelho Mac Donalds, o vermelho Comunista, entre outros. Salta aos olhos, por tais exemplos, que uma mesma cor foi utilizada como identificação de signos tão variados, a ponto de a cor da bandeira comunista, mundialmente reconhecida como tal, ser também a cor de duas marcas de luxo e, ainda, de um dos maiores símbolos do capitalismo americano, sem que nenhuma delas perca a sua força. Tal fato é tão evidente, que até países escolheram cores para suas bandeiras de acordo com a simbologia a elas vinculada, como foi o caso da Revolução Francesa cujos líderes que, tendo encontrado inspiração nos ideais de liberdade da Guerra de Independência Americana, adotaram as mesmas cores da bandeira dos Estados Unidos como símbolo, embora em formato diverso. Resta claro que todas as equipes esportivas representativas de nosso país usam cores da bandeira nacional, que não pode ser reclamada por qualquer empresa ou instituição. Ocorre que uma marca não se resume somente às cores, envolvendo formatos, desenhos e até posicionamento de tais características e este é, exatamente, o cerne da questão ora discutida. O fardamento utilizado pela seleção brasileira foi modificado após a derrota na copa de 1950, em concurso público criado em 1953 pela então CBD, visando substituir a camisa branca com calção azul, justamente para que a nova seleção se desvinculasse daquela memória de derrota, tendo sido escolhido o uniforme com a camisa amarela, desenhado por Aldyr Garcia Schlee que, por causa desta cor gerou o apelido de "seleção canarinho". Assim, a associação da camisa amarela com o calção azul veio a se estabelecer como elemento de identificação da seleção brasileira por sua repetição no correr dos anos, e por toda uma série de vitórias garantidas por grandes talentos que, infelizmente, não vêm se repetindo na história recente, e se tornou marca de grande força, pela associação do brasileiro com este esporte em particular. Já o segundo uniforme, com camisa azul, sempre teve dificuldades de aceitação pelo público, em face da força que aquela marca alcançou, gerando até superstições, ao ponto de, na copa de 1958, a equipe ter viajado sem o segundo uniforme, que, segundo as crônicas esportivas, teria sido improvisado na véspera de um dos jogos por um dos roupeiros. Desta forma, independentemente da aposição de brasões, escudos, símbolos à camisa, o padrão "camisa amarela de mangas curtas e calção azul real" está, na mente de todos os brasileiros, indissoluvelmente vinculado à seleção de futebol, gerenciada pela ora autora, o que faz com que esta configuração em particular se caracterize como marca, conclusão que se reforça pelo fato de os uniformes variarem de um ano para outro, com a utilização de golas e detalhes de acabamento nas camisas, e no comprimento e largura dos calções sem que se perca a identidade que é mantida pelo uso das cores e seu posicionamento na roupa". Neste sentido, a presente lide vai de encontro às teses formuladas pela empresa ré, já que se beneficiou de campanhas publicitárias ("SEU LUGAR NA COPA"; "CARINHO INSPIRA"; "SELEÇÃO DO CARINHO"; "MINHA PRIMEIRA COPA") veiculadas no contexto de um massivo evento esportivo, associadas aos sentimentos traduzidos pelos torcedores identificados com a Seleção Brasileira de Futebol, escalada para participar da Copa do Mundo da FIFA 2014. Pelo exposto, e o acervo probatório traz de forma contundente, através dos documentos apresentados no presente feito, ao permitir observar que o uso de tais campanhas publicitárias empreendidas pela empresa ré não se restringiam a uma camisa amarela, mas claramente alusivas ao conjunto visual do uniforme e de tudo que é associado à "Seleção Brasileira de Futebol", na medida em que assim se caracteriza no imaginário popular. A força do futebol como meio de atingir e influenciar o consumidor brasileiro, ao ponto de ser, segundo o dito popular, "paixão nacional", chega até mesmo a ser reconhecida pelo agir da ré, através da publicidade de temáticas correlatas ao esporte de clamor social fartamente reproduzido em suas propagandas. Ao que se pode inferir, manifesta é a utilização indevida de marca alheia, em apropriação indevida, ilicitude evidente, com uso momentâneo e oportuno de grande apelo popular, por intermédio da imagem afetuosa que a população guarda da "Seleção Brasileira de Futebol", para obtenção de benefícios particulares, não se restringindo a lide a uma mera apropriação de símbolos nacionais e genéricos e seu livre gozo, mas, especialmente, à garantia do respeito aos direitos constitucionais da liberdade de associação e contratação e de propriedade reconhecidos no art. 5º de nossa Carta Magna. Deste modo, a conduta da ré pode ser perfeitamente definida como se convencionou chamar de "Marketing de Emboscada por Associação", que nada mais é do que divulgar marcas, produtos ou serviços, de forma dissimulada, com o fito de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com eventos ou símbolos oficiais, sem autorização dos respectivos órgãos diretamente vinculados e responsáveis, havendo larga violação ao direito disposto no art. 87 da Lei n° 9.615/98 ("Lei Pelé"). Desta forma, merece acolhimento o pedido autoral, quanto ao pedido ressarcitório, em razão do art. 209 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, diante da violação de direito de propriedade, e da jurisprudência consolidada no Egrégio STJ que identifica o dano como decorrente da própria violação do direito, Resp nº 1.661.176 ( demonstração do dano se confunde com a demonstração da existência do fato ), AgRg no AResp nº 51.913 ( o dano pode ser presumido ), Resp nº 1.635.556 ( o dano patrimonial causado configura-se com a violação do direito ), modelo de dano in re ipsa, surgindo com o próprio fato ilícito, sendo certo que o arbitramento do quantitativo, dentro da regra mandatória do art. 210 do referido diploma legal, apurados na fase de liquidação de sentença. No mais, em relação ao pleito de cessação de fabricação e distribuição de objetos e veiculação de campanhas publicitárias e afins pela ré apelada, com temáticas que façam referência à Seleção Brasileira de Futebol, tendo em vista o encerramento há mais de três anos dos eventos relacionados à Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014, e não obstante o cenário fático da obrigação de não fazer já tenha se exaurido, a procedência do pedido é medida que se impõe, como consequência do reconhecimento de uso indevido do direito de propriedade. Recurso provido. |
0198416-18.2014.8.19.0001 - APELAÇÃO |
NONA CÂMARA CÍVEL |
Des(a). ADOLPHO CORREA DE ANDRADE MELLO JUNIOR - Julg: 24/10/2017 |
Blog de direito civil dos professores Carlos Nelson Konder e Cintia Muniz de Souza Konder
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
DIREITO MARCÁRIO MARKETING DE EMBOSCADA POR ASSOCIAÇÃO VIOLAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE DANO MORAL IN RE IPSA
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