segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

RESOLUÇÃO CFM nº 2.265/2019 - Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero




RESOLUÇÃO CFM nº 2.265/2019


Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010.


O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro 2004, pelo Decreto nº 6.821/2009 e pela Lei nº 12.514, de 28 de outubro de 2011, e

CONSIDERANDO a competência normativa conferida pela Resolução CFM nº 1.931/2009, combinada ao artigo 2º da Lei nº 3.268/1957, que tratam, respectivamente, da expedição de resoluções que complementem o Código de Ética Médica e do zelo pertinente à fiscalização e disciplina do ato médico;

CONSIDERANDO incongruência de gênero ou transgênero a não paridade entre a identidade de gênero e o sexo ao nascimento;

CONSIDERANDO a Portaria GM/MS nº 2.836/2011, que institui a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS);

CONSIDERANDO a Portaria GM/MS nº 2.803/2013, que redefine e amplia o Processo Transexualizador no SUS;


CONSIDERANDO a necessidade de atualizar a Resolução CFM nº 1.955/2010 em relação ao estágio das ações de promoção do cuidado às pessoas com incongruência de gênero ou transgênero, em especial da oferta de uma linha de cuidado integral e multiprofissional de acolhimento, acompanhamento, assistência hormonal ou cirúrgica e atenção psicossocial;

CONSIDERANDO o Parecer CFM nº 8/2013;

CONSIDERANDO a necessidade de o CFM disciplinar sobre o cuidado à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero em relação às ações e condutas realizadas por profissionais médicos nos serviços de saúde, seja na rede pública ou privada;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária de 20 de setembro de 2019,

RESOLVE:









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Art. 1º Compreende-se por transgênero ou incongruência de gênero a não paridade entre a identidade de gênero e o sexo ao nascimento, incluindo-se neste grupo transexuais, travestis e outras expressões identitárias relacionadas à diversidade de gênero.

§   Considera-se identidade de gênero o reconhecimento de cada pessoa sobre seu próprio gênero.

§   Consideram-se homens transexuais aqueles nascidos com o sexo feminino que se identificam como homem.

§  Consideram-se mulheres transexuais aquelas nascidas com o sexo masculino que se identificam como mulher.

§  Considera-se travesti a pessoa que nasceu com um sexo, identifica-se e apresenta-se fenotipicamente no outro gênero, mas aceita sua genitália.

§  Considera-se afirmação de gênero o procedimento terapêutico multidisciplinar para a pessoa que necessita adequar seu corpo à sua identidade de gênero por meio de hormonioterapia e/ou cirurgias.

Art. 2º A atenção integral à saúde do transgênero deve contemplar todas as suas necessidades, garantindo o acesso, sem qualquer tipo de discriminação, às atenções básica, especializada e de urgência e emergência.

Art. 3º A assistência médica destinada a promover atenção integral e especializada ao transgênero inclui acolhimento, acompanhamento, procedimentos clínicos, cirúrgicos e pós-cirúrgicos.

Art. 4º A atenção especializada de cuidados específicos ao transgênero de que trata esta Resolução deve contemplar o acolhimento, o acompanhamento ambulatorial, a hormonioterapia e o cuidado cirúrgico, conforme preconizado em Projeto Terapêutico Singular norteado por protocolos e diretrizes vigentes.

Parágrafo único. O Projeto Terapêutico Singular (Anexo I) que deverá ser elaborado é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, resultado da discussão de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar com o indivíduo, abrangendo toda a rede assistencial na qual está inserido e contemplando suas demandas e necessidades independentemente da idade.

Art. 5º A atenção médica especializada para o cuidado ao transgênero deve ser composta por equipe mínima formada por pediatra (em caso de pacientes com até 18 (dezoito) anos de idade), psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista e cirurgião plástico, sem prejuízo de outras especialidades médicas que atendam à necessidade do Projeto Terapêutico Singular.

Parágrafo único. Os serviços de saúde devem disponibilizar o acesso a outros profissionais da área da saúde, de acordo com o Projeto Terapêutico Singular, estabelecido em uma rede de cuidados e de acordo com as normatizações do Ministério da Saúde.

Art. 6º Na atenção médica especializada, o transgênero deverá ser informado e orientado previamente sobre os procedimentos e intervenções clínicas e cirúrgicas aos quais será submetido, incluindo seus riscos e benefícios.








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Parágrafo único. É obrigatório obter o consentimento livre e esclarecido, informando ao transgênero sobre a possibilidade de esterilidade advinda dos procedimentos hormonais e cirúrgicos para a afirmação de gênero.

Art. 7º Os familiares e indivíduos do vínculo social do transgênero poderão ser orientados sobre o Projeto Terapêutico Singular, mediante autorização expressa do transgênero, em conformidade com o Código de Ética Médica.

Art. 8º O acompanhamento dos familiares e indivíduos do vínculo social do transgênero deverá ser articulado com outros serviços de saúde ou socioassistenciais, com vistas a garantir a assistência integral caso não seja realizado pela mesma equipe que assiste ao transgênero.

Art. 9º Na atenção médica especializada ao transgênero é vedado o início da hormonioterapia cruzada antes dos 16 (dezesseis) anos de idade.

§   Crianças ou adolescentes transgêneros em estágio de desenvolvimento puberal Tanner I (pré-púbere) devem ser acompanhados pela equipe multiprofissional e interdisciplinar sem nenhuma intervenção hormonal ou cirúrgica.

§   Em crianças ou adolescentes transgêneros, o bloqueio hormonal só poderá ser iniciado a partir do estágio puberal Tanner II (puberdade), sendo realizado exclusivamente em caráter experimental em protocolos de pesquisa, de acordo com as normas do Sistema CEP/Conep, em hospitais universitários e/ou de referência para o Sistema Único de Saúde.

§  A vedação não se aplica a pacientes portadores de puberdade precoce ou estágio puberal Tanner II antes dos 8 anos no sexo feminino (cariótipo 46,XX) e antes dos 9 anos no sexo masculino (cariótipo 46,XY) que necessitem de tratamento com hormonioterapia cruzada por se tratar de doenças, o que está fora do escopo desta Resolução.

Art. 10. Na atenção médica especializada ao transgênero é permitido realizar hormonioterapia cruzada somente a partir dos 16 (dezesseis) anos de idade, de acordo com o estabelecido no Projeto Terapêutico Singular, sendo necessário o acompanhamento ambulatorial especializado, conforme preconiza a linha de cuidados específica contida no Anexo II desta Resolução.

Art. 11. Na atenção médica especializada ao transgênero é vedada a realização de procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero antes dos 18 (dezoito) anos de idade.

§  Os procedimentos cirúrgicos de que trata esta Resolução só poderão ser realizados após acompanhamento prévio mínimo de 1 (um) ano por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

§   É vedada a realização de procedimentos hormonais e cirúrgicos, descritos nesta Resolução, em pessoas com diagnóstico de transtornos mentais que os contraindiquem, conforme especificado no Anexo III desta Resolução.

§     A atuação do psiquiatra na equipe multiprofissional e interdisciplinar está discriminada no Anexo III desta Resolução.

§  Os procedimentos cirúrgicos reconhecidos para afirmação de gênero estão descritos no Anexo IV desta Resolução.

Art.12. Na atenção médica especializada ao transgênero os procedimentos clínicos e cirúrgicos descritos nesta Resolução somente poderão ser realizados a partir da




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assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido e, no caso de menores de 18 (dezoito) anos, também do termo de assentimento.

Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução CFM nº 1.955/2010, publicada no D.O.U. de 3 de setembro de 2010, Seção I, p. 109-10.

Brasília, DF, 20 de setembro de 2019.




CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA



HENRIQUE BATISTA E SILVA


Presidente


Secretário-geral























































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ANEXO I: PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR (PTS)

O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, resultado da discussão coletiva de equipe multiprofissional e interdisciplinar a partir da singularidade dos sujeitos assistidos. Assim, permite promover atenção em saúde integral.

O PTS abrange o sujeito em todas as etapas de seu acompanhamento, dando-lhe condições para que participe ativamente do processo terapêutico, sendo corresponsável por seu cuidado.

A criação de vínculos com as pessoas assistidas é fundamental para uma atenção humanizada. É importante articular as demandas dos sujeitos e as ações propostas pela equipe multiprofissional e interdisciplinar. O PTS deve também incluir, sempre que necessário, a participação da família e da rede social deste sujeito nos processos de cuidado.

Cada pessoa vivencia sua identidade de gênero de forma singular, sendo necessário estabelecer metas para as ações em cuidado de saúde, assim como avaliações sistemáticas das etapas do processo. O PTS será desenvolvido respeitando as normatizações e diretrizes vigentes das especialidades médicas e áreas do conhecimento envolvidas nesse cuidado. Na elaboração do PTS:

a)  os profissionais da equipe ambulatorial serão responsáveis pela primeira etapa do PTS;

b)  deve-se assegurar que todos os membros da equipe realizem atendimento à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero, para que identifiquem as singularidades de cada caso;

c)    o PTS será elaborado em reunião de discussão da equipe multiprofissional e interdisciplinar, com a participação da pessoa com incongruência de gênero ou transgênero;

d)  o atendimento médico deve constar de anamnese, exame físico e psíquico completos, incluindo na identificação do indivíduo nome social, nome de registro, identidade de gênero e sexo ao nascimento;

e)    deverá constar a existência do histórico patológico, proporcionando os devidos encaminhamentos necessários;

f)    considerando a fase peculiar do desenvolvimento, as ações sugeridas pelo PTS deverão ser construídas com crianças, adolescentes e seus pais ou responsável legal;

g)  a assistência disponibilizada para crianças e adolescentes deverá estar articulada com as escolas e também com as instituições de acolhimento, quando for o caso, considerando a importante dimensão desses serviços no desenvolvimento infantil.





















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ANEXO II: HORMONIOTERAPIA
Criança pré-púbere (estágio puberal Tanner I)

A incongruência de gênero em crianças só pode ser definida após acompanhamento ao longo da infância. Em criança pré-púbere é vedada qualquer intervenção envolvendo uso de hormônios ou procedimentos cirúrgicos com a finalidade estabelecida de mudanças corporais e genitais.

O médico, nas competências de sua atuação junto à equipe multiprofissional e interdisciplinar que assiste a criança pré-púbere, deve acompanhar, orientar, esclarecer e facilitar o desenvolvimento da criança, envolvendo a família, cuidadores, responsável legal, instituições de acolhimento e educacionais que tenham obrigação legal pelo cuidado, educação, proteção e acolhimento da criança.

O envolvimento dos pais, familiares, responsável legal ou instituições de acolhimento e educacionais é fundamental na tomada de qualquer decisão do acompanhamento que envolva a criança pré-púbere, respeitando os preceitos éticos e específicos de cada área profissional envolvida.

Criança púbere ou adolescente (a partir do estágio puberal Tanner II)

O bloqueio puberal é a interrupção da produção de hormônios sexuais, impedindo o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários do sexo biológico pelo uso de análogos de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH).

A hormonioterapia cruzada é a forma de reposição hormonal na qual os hormônios sexuais e outras medicações hormonais são administradas ao transgênero para feminização ou masculinização, de acordo com sua identidade de gênero.

A faixa etária normal de início de desenvolvimento da puberdade se dá dos 8 aos 13 anos de idade no sexo feminino (cariótipo 46,XX) e dos 9 aos 14 anos de idade no sexo masculino (cariótipo 46,XY).

No início da puberdade, intensifica-se uma relação complexa estabelecida entre a criança ou adolescente púbere e seu corpo não congruente com sua identidade de gênero, podendo levar a sofrimento psíquico intenso e condutas corporais relacionadas a tentativas de esconder os caracteres sexuais biológicos visando reconhecimento e aceitação social que, muitas vezes, provocam agravos à saúde.

É  frequente a automedicação com hormônios sexuais, o uso de silicone industrial, faixas peitorais, binders e outros métodos para realizar mudanças corporais relacionadas aos caracteres sexuais secundários compatíveis com sua identidade de gênero, sem recomendação ou acompanhamento médico.

O acompanhamento adequado nessa fase de desenvolvimento pode prevenir cirurgias corretivas no futuro e o surgimento de morbidades, tais como anorexia nervosa, fobia social, depressão, comportamento suicida, uso abusivo de drogas e transtornos de conduta relacionados à vivência corporal.

O bloqueio puberal ou a hormonioterapia cruzada, sob a responsabilidade de médico endocrinologista, ginecologista ou urologista, todos com conhecimento científico específico, só se dará na vigência de acompanhamento psiquiátrico, com anuência da equipe e do responsável legal pelo adolescente, segundo os termos e protocolos de acompanhamento de púberes ou adolescentes transgêneros.

O bloqueio do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas será prescrito por médico endocrinologista, ginecologista ou urologista, todos com conhecimento científico específico, integrante da equipe multiprofissional envolvida no PTS, com o diagnóstico e o





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acompanhamento da criança púbere ou adolescente transgênero, sendo realizado com a anuência de seu responsável legal.

A hormonioterapia cruzada em adolescentes será prescrita por endocrinologista, ginecologista ou urologista, todos com conhecimento científico específico, integrante da equipe multiprofissional envolvida no PTS e com a anuência do adolescente e do seu responsável legal, e só poderá ser instituída a partir da conclusão do diagnóstico de incongruência de gênero.

O bloqueio do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas e a hormonioterapia cruzada poderão ser interrompidos a qualquer momento por decisão médica, do menor ou do seu responsável legal.

Adulto (a partir de 18 anos)

A hormonioterapia cruzada no adulto deverá ser prescrita por médico endocrinologista, ginecologista ou urologista, todos com conhecimento científico específico, e tem por finalidade induzir características sexuais compatíveis com a identidade de gênero. Assim, objetiva-se:

a)   reduzir os níveis hormonais endógenos do sexo biológico, induzindo caracteres sexuais secundários compatíveis com a identidade de gênero;

b)   estabelecer hormonioterapia adequada que permita níveis hormonais fisiológicos compatíveis com a identidade de gênero.

As doses dos hormônios sexuais a serem adotadas devem seguir os princípios da terapia de reposição hormonal para indivíduos hipogonádicos de acordo com o estágio puberal. Não são necessárias doses elevadas de hormônios sexuais para atingir os objetivos descritos da hormonioterapia cruzada e os efeitos desejados, além de estarem associadas a efeitos colaterais. Os hormônios utilizados são:

a)   a testosterona, para induzir o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários masculinos nos homens transexuais;

b)   o estrogênio, para induzir o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários femininos nas mulheres transexuais e travestis;

c)    o antiandrógeno, que pode ser utilizado para atenuar o crescimento dos pelos corporais e as ereções espontâneas até a realização da orquiectomia.

O uso de estrógenos ou testosterona deve ser mantido ao longo da vida do indivíduo, monitorando-se os fatores de risco.

A pessoa com incongruência de gênero ou transgênero deve demonstrar esclarecimento e compreensão dos efeitos esperados e colaterais da hormonioterapia cruzada, assim como capacidade de realizá-la de forma responsável.



















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ANEXO III: ACOMPANHAMENTO PSIQUIÁTRICO

Criança pré-púbere (estágio puberal Tanner I)

A identidade de gênero se estabelece em idade próxima aos quatro anos de idade, e o diagnóstico de incongruência de gênero (transgênero) só pode ser definido mediante acompanhamento ao longo do toda a infância. As manifestações podem variar no decorrer das diversas fases da infância e suas diferentes faixas etárias. Em casos de dúvida diagnóstica e ausência de morbidades, nenhuma intervenção deve ser instituída, mantendo-se a devida observação.

O envolvimento dos pais, familiares ou responsável legal é obrigatório no acompanhamento de crianças, respeitando os preceitos éticos e específicos de cada área profissional envolvida. O psiquiatra inserido na equipe multiprofissional e interdisciplinar responsável por acompanhar a criança deve se ater a observar, orientar, esclarecer e formular diagnóstico e psicoterapia – quando indicada –, assegurando o desenvolvimento da criança com diagnóstico de incongruência de gênero. Tais atitudes devem envolver não só a criança, mas também a família, cuidadores, responsável legal, escolas e outras possíveis instituições que tenham obrigação legal pelo cuidado, educação, proteção e acolhimento da criança.

Criança púbere ou adolescente (a partir do estágio puberal Tanner II)

Compreender e respeitar o que crianças e adolescentes manifestam a respeito de como se identificam é dever médico e aspecto essencial do cuidado à saúde.

O acompanhamento psiquiátrico dos adolescentes será realizado por profissional capacitado e integrante da equipe multiprofissional e interdisciplinar envolvida no Projeto Terapêutico Singular do púbere ou adolescente.

O acompanhamento psiquiátrico visa, além da formulação diagnóstica específica, o diagnóstico das morbidades, quando existentes, assim como seu tratamento, estando estabelecido no Projeto Terapêutico Singular.

Cabe ao médico psiquiatra, integrante da equipe de atendimento multiprofissional e interdisciplinar, elaborar laudos, relatórios ou atestados que se façam necessários.

Adulto (a partir de 18 anos)

A vulnerabilidade psíquica e social do indivíduo com incongruência de gênero ou transgênero é, em geral, intensa. São elevados os índices de morbidades existentes nessa população, entre eles transtornos depressivos graves, abuso/dependência de álcool e outras substâncias químicas, transtornos de personalidade, transtornos de estresse pós-traumático e transtornos de ansiedade.

O acompanhamento psiquiátrico será realizado por médico psiquiatra integrante de equipe multiprofissional. Caberá a ele formular diagnóstico, identificar morbidades, realizar diagnósticos diferenciais, prescrever medicamentos e indicar e executar psicoterapia, se necessário.

Após avaliação psiquiátrica, serão contraindicadas a hormonioterapia e/ou cirurgia nas seguintes condições: transtornos psicóticos graves, transtornos de personalidade graves, retardo mental e transtornos globais do desenvolvimento graves.

Cabe ao médico psiquiatra, junto à equipe multiprofissional e interdisciplinar, avaliar periódica e sequencialmente a evolução do indivíduo, mesmo após o encaminhamento para a cirurgia de afirmação de gênero e sua realização, pelo período mínimo de 1 (um) ano.










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ANEXO IV: PROTOCOLOS CIRÚRGICOS

É  vedada a realização de procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero em pacientes menores de 18 (dezoito) anos de idade.

A hormonioterapia é obrigatoriamente utilizada sob supervisão endocrinológica, ginecológica ou urológica no período pré-operatório, devendo ser avaliado se as transformações corporais atingiram o estágio adequado para indicar os procedimentos cirúrgicos.

Os procedimentos cirúrgicos para a afirmação de gênero são os seguintes:

1.  Procedimentos de afirmação de gênero do masculino para o feminino: 1.1 Neovulvovaginoplastia

A neovulvovaginoplastia primária compreende: orquiectomia bilateral, penectomia, neovaginoplastia, neovulvoplastia.

A neovaginoplastia com segmento intestinal só deverá ser realizada quando da falha ou impossibilidade do procedimento primário.

Deve ser avaliada a condição da pele e prepúcio (balanopostites/fimose) com objetivo de planejar a técnica cirúrgica de neovaginoplastia e a adequada disponibilidade de tecidos saudáveis. Além disso, deve ser realizada depilação definitiva da pele da haste peniana.

1.2 Mamoplastia de aumento

A mamoplastia de aumento poderá ser realizada nas mulheres transexuais e nas travestis, de acordo com o Projeto Terapêutico Singular.

2.  Procedimentos de afirmação de gênero do feminino para o masculino: 2.1 Mamoplastia bilateral
2.2 Cirurgias pélvicas: histerectomia e ooforectomia bilateral
2.3 Cirurgias genitais

2.3.1 Neovaginoplastia, que pode ser realizada em conjunto com a histerectomia e ooforectomia bilateral ou em momentos cirúrgicos distintos.
2.3.2 – Faloplastias

a) Metoidoplastia, que compreende retificação e alongamento do clitóris após estímulo hormonal, sendo considerada o procedimento de eleição para faloplastia.

b) Neofaloplastia com retalho microcirúrgico de antebraço ou retalho de outras regiões. É considerada experimental, devendo ser realizada somente mediante as normas do Sistema CEP/Conep.

Para complementar as faloplastias (metoidoplastia e neofaloplastia) são realizadas uretroplastia em um ou dois tempos com enxertos de mucosa vaginal/bucal ou enxerto/retalhos genitais, escrotoplastia com pele dos grandes lábios e colocação de prótese testicular em primeiro ou segundo tempo.

3.  Outros procedimentos destinados a adequação corporal para a afirmação de gênero devem ser avaliados de acordo com o Projeto Terapêutico Singular.

4.  Os indivíduos já afirmados em seu gênero, tendo cumprido o PTS (com a devida comprovação documental), poderão realizar procedimentos complementares para o gênero afirmado com médicos de sua escolha.





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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM Nº 2.265/2019

De acordo com a 11ª edição da Classificação Internacional das Doenças, define-se incongruência de gênero ou transgênero como a não paridade entre a identidade de gênero e o sexo ao nascimento. Incluem-se nesse grupo transexuais, travestis e outras expressões identitárias relacionadas à diversidade de gênero.

Em 1966, Harry Benjamin definiu o termo transexual e foi responsável pela sensibilização sobre a necessidade da atenção à saúde das pessoas transexuais à época. Graças a Benjamin, se afirmou cientificamente a ideia de que as pessoas transexuais não deveriam ser sujeitas a terapias conversivas, consolidando a terapêutica focada na possibilidade de transição somática, utilizada até hoje.

Dados epidemiológicos sobre a transexualidade sugerem uma prevalência na vida de 1:37.000 para o sexo masculino ao nascimento, e de 1:103.000 para o sexo feminino ao nascimento. Existe uma grande variabilidade das estimativas de prevalência devido a problemas diagnósticos, características transculturais e falta de acesso a serviços especializados.

A pessoa transexual, em maiores ou menores proporções, enfrenta algumas possibilidades relacionadas à sua condição que podem causar sofrimento, como ter que lidar com as questões do desenvolvimento sexual em um corpo que percebem incongruente com o gênero com o qual se identificam, inclusive em idades bem precoces, quando os recursos emocionais ainda são frágeis. A vulnerabilidade psíquica e social do indivíduo transgênero é, em geral, intensa. São elevados os índices de morbidades existentes nessa população, entre eles transtornos depressivos graves, abuso/dependência de álcool e outras substâncias químicas, transtornos de personalidade, transtornos de estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade e, em situações extremas, suicídio.

A atenção integral à saúde da pessoa com incongruência de gênero ou transgênero deve contemplar todas as suas necessidades de saúde, garantindo, ao longo da vida, o acesso, sem qualquer discriminação, às atenções básica, especializada e de urgência e emergência.

Assim, o Conselho Federal de Medicina vem, por esta Resolução, disciplinar o cuidado à pessoa transgênero em relação às ações e condutas de profissionais médicos em serviços de saúde públicos ou privados. A linha de cuidados específicos de que trata esta Resolução deve contemplar o acolhimento, o acompanhamento ambulatorial, a hormonioterapia e o cuidado cirúrgico, conforme preconizado em Projeto Terapêutico Singular norteado pelos protocolos e diretrizes vigentes.

Participaram das discussões que levaram à elaboração desta Resolução representantes do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Psicologia, do Conselho Federal de Serviço Social, da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat), da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil), do Fórum Nacional de Pessoas Trans Negras e Negros (Fonatrans), além de pais de crianças e adolescentes transexuais.


LEONARDO SÉRVIO LUZ
Relator







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