RESOLUÇÃO CFM nº 2.265/2019
Dispõe sobre o
cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga
a Resolução CFM nº 1.955/2010.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas
pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº
44.045, de 19 de julho de 1958, pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro 2004,
pelo Decreto nº 6.821/2009 e pela Lei nº 12.514, de 28 de outubro de 2011, e
CONSIDERANDO a competência normativa conferida pela Resolução CFM nº 1.931/2009, combinada ao artigo 2º da
Lei nº 3.268/1957, que tratam, respectivamente, da expedição de resoluções que
complementem o Código de Ética Médica e do zelo pertinente à fiscalização e
disciplina do ato médico;
CONSIDERANDO incongruência de gênero ou transgênero a não paridade entre a identidade de gênero e o sexo ao
nascimento;
CONSIDERANDO a Portaria GM/MS
nº 2.836/2011, que institui a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT)
no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS);
CONSIDERANDO a Portaria GM/MS
nº 2.803/2013, que redefine e amplia o Processo Transexualizador no SUS;
CONSIDERANDO a necessidade de atualizar a Resolução CFM
nº 1.955/2010 em relação ao estágio das ações de promoção do cuidado às pessoas com
incongruência de gênero ou transgênero, em especial da oferta de uma linha de
cuidado integral e multiprofissional de acolhimento, acompanhamento,
assistência hormonal ou cirúrgica e atenção psicossocial;
CONSIDERANDO a necessidade de o CFM disciplinar sobre o cuidado à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero
em relação às ações e condutas realizadas por profissionais médicos nos serviços
de saúde, seja na rede pública ou privada;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária de
20 de setembro de 2019,
RESOLVE:
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Art. 1º Compreende-se por transgênero ou incongruência
de gênero a não paridade entre a
identidade de gênero e o sexo ao nascimento, incluindo-se neste grupo
transexuais, travestis e outras expressões identitárias relacionadas à diversidade
de gênero.
§ 1º Considera-se
identidade de gênero o reconhecimento de cada pessoa sobre seu próprio gênero.
§ 2º Consideram-se
homens transexuais aqueles nascidos com o sexo feminino que se identificam como homem.
§ 3º Consideram-se
mulheres transexuais aquelas nascidas com o sexo masculino que se identificam como mulher.
§ 4º Considera-se
travesti a pessoa que nasceu com um sexo, identifica-se e apresenta-se
fenotipicamente no outro gênero, mas aceita sua genitália.
§ 5º Considera-se
afirmação de gênero o procedimento terapêutico multidisciplinar para a pessoa que necessita adequar seu corpo
à sua identidade de gênero por meio de hormonioterapia e/ou cirurgias.
Art. 2º A atenção integral à saúde do transgênero deve contemplar todas as suas necessidades, garantindo o acesso, sem
qualquer tipo de discriminação, às atenções básica, especializada e de urgência
e emergência.
Art. 3º A assistência médica destinada a promover atenção integral e
especializada ao transgênero inclui
acolhimento, acompanhamento, procedimentos clínicos, cirúrgicos e
pós-cirúrgicos.
Art. 4º A atenção especializada de cuidados específicos
ao transgênero de que trata esta Resolução
deve contemplar o acolhimento, o acompanhamento ambulatorial, a hormonioterapia
e o cuidado cirúrgico, conforme preconizado em Projeto Terapêutico Singular
norteado por protocolos e diretrizes vigentes.
Parágrafo único. O Projeto Terapêutico
Singular (Anexo I) que deverá ser elaborado é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas,
resultado da discussão de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar com o
indivíduo, abrangendo toda a rede assistencial na qual está inserido e
contemplando suas demandas e necessidades independentemente da idade.
Art. 5º A atenção médica especializada para o cuidado ao
transgênero deve ser composta por
equipe mínima formada por pediatra (em caso de pacientes com até 18 (dezoito)
anos de idade), psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista e
cirurgião plástico, sem prejuízo de outras especialidades médicas que atendam à
necessidade do Projeto Terapêutico Singular.
Parágrafo único. Os serviços de saúde devem
disponibilizar o acesso a outros profissionais
da área da saúde, de acordo com o Projeto Terapêutico Singular, estabelecido em
uma rede de cuidados e de acordo com as normatizações do Ministério da Saúde.
Art. 6º Na atenção médica especializada, o transgênero
deverá ser informado e orientado previamente
sobre os procedimentos e intervenções clínicas e cirúrgicas aos quais será
submetido, incluindo seus riscos e benefícios.
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Parágrafo único. É obrigatório obter o
consentimento livre e esclarecido, informando ao transgênero sobre a possibilidade de esterilidade advinda dos
procedimentos hormonais e cirúrgicos para a afirmação de gênero.
Art. 7º Os familiares e indivíduos do vínculo social do transgênero poderão ser
orientados sobre o Projeto
Terapêutico Singular, mediante autorização expressa do transgênero, em
conformidade com o Código de Ética Médica.
Art. 8º O acompanhamento dos familiares e indivíduos do
vínculo social do transgênero deverá
ser articulado com outros serviços de saúde ou socioassistenciais, com vistas a
garantir a assistência integral caso não seja realizado pela mesma equipe que
assiste ao transgênero.
Art. 9º Na atenção médica especializada ao transgênero é vedado o início da hormonioterapia cruzada antes dos 16
(dezesseis) anos de idade.
§ 1º Crianças
ou adolescentes transgêneros em estágio de desenvolvimento puberal Tanner I (pré-púbere) devem ser
acompanhados pela equipe multiprofissional e interdisciplinar sem nenhuma
intervenção hormonal ou cirúrgica.
§ 2º Em
crianças ou adolescentes transgêneros, o bloqueio hormonal só poderá ser iniciado a partir do estágio puberal
Tanner II (puberdade), sendo realizado exclusivamente em caráter experimental
em protocolos de pesquisa, de acordo com as normas do Sistema CEP/Conep, em
hospitais universitários e/ou de referência para o Sistema Único de Saúde.
§ 3º A
vedação não se aplica a pacientes portadores de puberdade precoce ou estágio puberal Tanner II antes dos 8 anos no
sexo feminino (cariótipo 46,XX) e antes dos 9 anos no sexo masculino (cariótipo
46,XY) que necessitem de tratamento com hormonioterapia cruzada por se tratar
de doenças, o que está fora do escopo desta Resolução.
Art. 10. Na atenção médica especializada ao transgênero é
permitido realizar hormonioterapia
cruzada somente a partir dos 16 (dezesseis) anos de idade, de acordo com o
estabelecido no Projeto Terapêutico Singular, sendo necessário o acompanhamento
ambulatorial especializado, conforme preconiza a linha de cuidados específica
contida no Anexo II desta Resolução.
Art. 11. Na atenção médica especializada ao transgênero é
vedada a realização de procedimentos
cirúrgicos de afirmação de gênero antes dos 18 (dezoito) anos de idade.
§ 1º Os
procedimentos cirúrgicos de que trata esta Resolução só poderão ser realizados após acompanhamento prévio mínimo de 1
(um) ano por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
§ 2º É
vedada a realização de procedimentos hormonais e cirúrgicos, descritos nesta Resolução, em pessoas com diagnóstico
de transtornos mentais que os contraindiquem, conforme especificado no Anexo
III desta Resolução.
§ 3º A
atuação do psiquiatra na equipe multiprofissional e interdisciplinar está discriminada no Anexo III desta
Resolução.
§ 4º Os
procedimentos cirúrgicos reconhecidos para afirmação de gênero estão descritos no Anexo IV desta Resolução.
Art.12. Na atenção médica
especializada ao transgênero os procedimentos clínicos e cirúrgicos descritos nesta Resolução somente poderão ser
realizados a partir da
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assinatura de termo de
consentimento livre e esclarecido e, no caso de menores de 18 (dezoito) anos,
também do termo de assentimento.
Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução CFM
nº 1.955/2010, publicada no D.O.U. de 3 de
setembro de 2010, Seção I, p. 109-10.
Brasília, DF, 20 de setembro de 2019.
CARLOS
VITAL TAVARES CORRÊA LIMA
HENRIQUE BATISTA E SILVA
Presidente
Secretário-geral
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ANEXO I: PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR (PTS)
O Projeto
Terapêutico Singular (PTS) é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas
articuladas, resultado da discussão coletiva de equipe multiprofissional e
interdisciplinar a partir da singularidade dos sujeitos assistidos. Assim,
permite promover atenção em saúde integral.
O PTS abrange o
sujeito em todas as etapas de seu acompanhamento, dando-lhe condições para que
participe ativamente do processo terapêutico, sendo corresponsável por seu
cuidado.
A criação de
vínculos com as pessoas assistidas é fundamental para uma atenção humanizada. É
importante articular as demandas dos sujeitos e as ações propostas pela equipe
multiprofissional e interdisciplinar. O PTS deve também incluir, sempre que
necessário, a participação da família e da rede social deste sujeito nos
processos de cuidado.
Cada pessoa
vivencia sua identidade de gênero de forma singular, sendo necessário
estabelecer metas para as ações em cuidado de saúde, assim como avaliações
sistemáticas das etapas do processo. O PTS será desenvolvido respeitando as
normatizações e diretrizes vigentes das especialidades médicas e áreas do
conhecimento envolvidas nesse cuidado. Na elaboração do PTS:
a) os profissionais da equipe ambulatorial serão
responsáveis pela primeira etapa do PTS;
b)
deve-se assegurar que todos os membros da equipe realizem atendimento à
pessoa com incongruência de gênero ou transgênero, para que identifiquem as
singularidades de cada caso;
c)
o PTS será elaborado em reunião de discussão da equipe multiprofissional
e interdisciplinar, com a participação da pessoa com incongruência de gênero ou
transgênero;
d)
o atendimento médico deve constar de anamnese, exame físico e psíquico
completos, incluindo na identificação do indivíduo nome social, nome de
registro, identidade de gênero e sexo ao nascimento;
e)
deverá constar a existência do histórico patológico, proporcionando os
devidos encaminhamentos necessários;
f)
considerando a fase peculiar do desenvolvimento, as ações sugeridas pelo
PTS deverão ser construídas com crianças, adolescentes e seus pais ou
responsável legal;
g)
a assistência disponibilizada para crianças e adolescentes deverá estar
articulada com as escolas e também com as instituições de acolhimento, quando
for o caso, considerando a importante dimensão desses serviços no
desenvolvimento infantil.
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ANEXO II: HORMONIOTERAPIA
Criança pré-púbere (estágio puberal Tanner I)
A incongruência
de gênero em crianças só pode ser definida após acompanhamento ao longo da
infância. Em criança pré-púbere é vedada qualquer intervenção envolvendo uso de
hormônios ou procedimentos cirúrgicos com a finalidade estabelecida de mudanças
corporais e genitais.
O médico, nas
competências de sua atuação junto à equipe multiprofissional e interdisciplinar
que assiste a criança pré-púbere, deve acompanhar, orientar, esclarecer e
facilitar o desenvolvimento da criança, envolvendo a família, cuidadores,
responsável legal, instituições de acolhimento e educacionais que tenham
obrigação legal pelo cuidado, educação, proteção e acolhimento da criança.
O envolvimento
dos pais, familiares, responsável legal ou instituições de acolhimento e
educacionais é fundamental na tomada de qualquer decisão do acompanhamento que
envolva a criança pré-púbere, respeitando os preceitos éticos e específicos de
cada área profissional envolvida.
Criança púbere ou adolescente (a partir do
estágio puberal Tanner II)
O bloqueio
puberal é a interrupção da produção de hormônios sexuais, impedindo o
desenvolvimento de caracteres sexuais secundários do sexo biológico pelo uso de
análogos de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH).
A hormonioterapia
cruzada é a forma de reposição hormonal na qual os hormônios sexuais e outras
medicações hormonais são administradas ao transgênero para feminização ou
masculinização, de acordo com sua identidade de gênero.
A faixa etária normal de
início de desenvolvimento da puberdade se dá dos 8 aos 13 anos de idade no sexo
feminino (cariótipo 46,XX) e dos 9 aos 14 anos de idade no sexo masculino
(cariótipo 46,XY).
No início da
puberdade, intensifica-se uma relação complexa estabelecida entre a criança ou
adolescente púbere e seu corpo não congruente com sua identidade de gênero,
podendo levar a sofrimento psíquico intenso e condutas corporais relacionadas a
tentativas de esconder os caracteres sexuais biológicos visando reconhecimento e
aceitação social que, muitas vezes, provocam agravos à saúde.
É frequente a automedicação com
hormônios sexuais, o uso de silicone industrial, faixas peitorais, binders e outros métodos para realizar
mudanças corporais relacionadas aos caracteres sexuais secundários compatíveis
com sua identidade de gênero, sem recomendação ou acompanhamento médico.
O acompanhamento
adequado nessa fase de desenvolvimento pode prevenir cirurgias corretivas no
futuro e o surgimento de morbidades, tais como anorexia nervosa, fobia social,
depressão, comportamento suicida, uso abusivo de drogas e transtornos de
conduta relacionados à vivência corporal.
O bloqueio
puberal ou a hormonioterapia cruzada, sob a responsabilidade de médico
endocrinologista, ginecologista ou urologista, todos com conhecimento
científico específico, só se dará na vigência de acompanhamento psiquiátrico,
com anuência da equipe e do responsável legal pelo adolescente, segundo os
termos e protocolos de acompanhamento de púberes ou adolescentes transgêneros.
O bloqueio do
eixo hipotálamo-hipófise-gônadas será prescrito por médico endocrinologista,
ginecologista ou urologista, todos com conhecimento científico específico,
integrante da equipe multiprofissional envolvida no PTS, com o diagnóstico e o
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acompanhamento da
criança púbere ou adolescente transgênero, sendo realizado com a anuência de
seu responsável legal.
A hormonioterapia cruzada em
adolescentes será prescrita por endocrinologista, ginecologista ou urologista,
todos com conhecimento científico específico, integrante da equipe
multiprofissional envolvida no PTS e com a anuência do adolescente e do seu
responsável legal, e só poderá ser instituída a partir da conclusão do
diagnóstico de incongruência de gênero.
O bloqueio do eixo
hipotálamo-hipófise-gônadas e a hormonioterapia cruzada poderão ser
interrompidos a qualquer momento por decisão médica, do menor ou do seu
responsável legal.
Adulto (a partir de 18 anos)
A hormonioterapia cruzada no
adulto deverá ser prescrita por médico endocrinologista, ginecologista ou
urologista, todos com conhecimento científico específico, e tem por finalidade
induzir características sexuais compatíveis com a identidade de gênero. Assim,
objetiva-se:
a) reduzir os níveis hormonais
endógenos do sexo biológico, induzindo caracteres sexuais secundários
compatíveis com a identidade de gênero;
b) estabelecer hormonioterapia
adequada que permita níveis hormonais fisiológicos compatíveis com a identidade
de gênero.
As doses dos
hormônios sexuais a serem adotadas devem seguir os princípios da terapia de
reposição hormonal para indivíduos hipogonádicos de acordo com o estágio
puberal. Não são necessárias doses elevadas de hormônios sexuais para atingir
os objetivos descritos da hormonioterapia cruzada e os efeitos desejados, além
de estarem associadas a efeitos colaterais. Os hormônios utilizados são:
a) a testosterona, para induzir
o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários masculinos nos homens
transexuais;
b) o estrogênio, para induzir o
desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários femininos nas mulheres
transexuais e travestis;
c) o antiandrógeno, que pode ser
utilizado para atenuar o crescimento dos pelos corporais e as ereções
espontâneas até a realização da orquiectomia.
O uso de
estrógenos ou testosterona deve ser mantido ao longo da vida do indivíduo,
monitorando-se os fatores de risco.
A pessoa com incongruência de
gênero ou transgênero deve demonstrar esclarecimento e compreensão dos efeitos
esperados e colaterais da hormonioterapia cruzada, assim como capacidade de
realizá-la de forma responsável.
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ANEXO III: ACOMPANHAMENTO PSIQUIÁTRICO
Criança pré-púbere (estágio puberal Tanner I)
A identidade de gênero se
estabelece em idade próxima aos quatro anos de idade, e o diagnóstico de incongruência
de gênero (transgênero) só pode ser definido mediante acompanhamento ao longo
do toda a infância. As manifestações podem variar no decorrer das diversas
fases da infância e suas diferentes faixas etárias. Em casos de dúvida
diagnóstica e ausência de morbidades, nenhuma intervenção deve ser instituída,
mantendo-se a devida observação.
O envolvimento dos pais,
familiares ou responsável legal é obrigatório no acompanhamento de crianças,
respeitando os preceitos éticos e específicos de cada área profissional
envolvida. O psiquiatra inserido na equipe multiprofissional e interdisciplinar
responsável por acompanhar a criança deve se ater a observar, orientar,
esclarecer e formular diagnóstico e psicoterapia – quando indicada –,
assegurando o desenvolvimento da criança com diagnóstico de incongruência de
gênero. Tais atitudes devem envolver não só a criança, mas também a família,
cuidadores, responsável legal, escolas e outras possíveis instituições que
tenham obrigação legal pelo cuidado, educação, proteção e acolhimento da
criança.
Criança púbere ou adolescente (a partir do estágio puberal Tanner II)
Compreender e respeitar o que
crianças e adolescentes manifestam a respeito de como se identificam é dever
médico e aspecto essencial do cuidado à saúde.
O acompanhamento psiquiátrico
dos adolescentes será realizado por profissional capacitado e integrante da
equipe multiprofissional e interdisciplinar envolvida no Projeto Terapêutico
Singular do púbere ou adolescente.
O acompanhamento psiquiátrico
visa, além da formulação diagnóstica específica, o diagnóstico das morbidades,
quando existentes, assim como seu tratamento, estando estabelecido no Projeto
Terapêutico Singular.
Cabe ao médico psiquiatra,
integrante da equipe de atendimento multiprofissional e interdisciplinar,
elaborar laudos, relatórios ou atestados que se façam necessários.
Adulto (a partir de 18 anos)
A vulnerabilidade psíquica e
social do indivíduo com incongruência de gênero ou transgênero é, em geral,
intensa. São elevados os índices de morbidades existentes nessa população,
entre eles transtornos depressivos graves, abuso/dependência de álcool e outras
substâncias químicas, transtornos de personalidade, transtornos de estresse
pós-traumático e transtornos de ansiedade.
O acompanhamento psiquiátrico
será realizado por médico psiquiatra integrante de equipe multiprofissional.
Caberá a ele formular diagnóstico, identificar morbidades, realizar
diagnósticos diferenciais, prescrever medicamentos e indicar e executar
psicoterapia, se necessário.
Após avaliação psiquiátrica,
serão contraindicadas a hormonioterapia e/ou cirurgia nas seguintes condições:
transtornos psicóticos graves, transtornos de personalidade graves, retardo
mental e transtornos globais do desenvolvimento graves.
Cabe ao médico psiquiatra,
junto à equipe multiprofissional e interdisciplinar, avaliar periódica e
sequencialmente a evolução do indivíduo, mesmo após o encaminhamento para a
cirurgia de afirmação de gênero e sua realização, pelo período mínimo de 1 (um)
ano.
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ANEXO IV: PROTOCOLOS CIRÚRGICOS
É vedada a realização de
procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero em pacientes menores de 18
(dezoito) anos de idade.
A hormonioterapia
é obrigatoriamente utilizada sob supervisão endocrinológica, ginecológica ou
urológica no período pré-operatório, devendo ser avaliado se as transformações
corporais atingiram o estágio adequado para indicar os procedimentos
cirúrgicos.
Os procedimentos cirúrgicos para a afirmação de
gênero são os seguintes:
1. Procedimentos de afirmação de
gênero do masculino para o feminino: 1.1 Neovulvovaginoplastia
A neovulvovaginoplastia
primária compreende: orquiectomia bilateral, penectomia, neovaginoplastia,
neovulvoplastia.
A neovaginoplastia com
segmento intestinal só deverá ser realizada quando da falha ou impossibilidade
do procedimento primário.
Deve ser avaliada
a condição da pele e prepúcio (balanopostites/fimose) com objetivo de planejar
a técnica cirúrgica de neovaginoplastia e a adequada disponibilidade de tecidos
saudáveis. Além disso, deve ser realizada depilação definitiva da pele da haste
peniana.
1.2 Mamoplastia de aumento
A mamoplastia de aumento
poderá ser realizada nas mulheres transexuais e nas travestis, de acordo com o
Projeto Terapêutico Singular.
2. Procedimentos de afirmação de
gênero do feminino para o masculino: 2.1 Mamoplastia bilateral
2.2 Cirurgias pélvicas: histerectomia e ooforectomia
bilateral
2.3 Cirurgias genitais
2.3.1 Neovaginoplastia, que
pode ser realizada em conjunto com a histerectomia e ooforectomia bilateral ou
em momentos cirúrgicos distintos.
2.3.2 – Faloplastias
a) Metoidoplastia, que
compreende retificação e alongamento do clitóris após estímulo hormonal, sendo
considerada o procedimento de eleição para faloplastia.
b) Neofaloplastia
com retalho microcirúrgico de antebraço ou retalho de outras regiões. É
considerada experimental, devendo ser realizada somente mediante as normas do
Sistema CEP/Conep.
Para complementar
as faloplastias (metoidoplastia e neofaloplastia) são realizadas uretroplastia
em um ou dois tempos com enxertos de mucosa vaginal/bucal ou enxerto/retalhos
genitais, escrotoplastia com pele dos grandes lábios e colocação de prótese
testicular em primeiro ou segundo tempo.
3. Outros procedimentos
destinados a adequação corporal para a afirmação de gênero devem ser avaliados
de acordo com o Projeto Terapêutico Singular.
4. Os indivíduos já afirmados em
seu gênero, tendo cumprido o PTS (com a devida comprovação documental), poderão
realizar procedimentos complementares para o gênero afirmado com médicos de sua
escolha.
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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM Nº 2.265/2019
De acordo com a 11ª edição da
Classificação Internacional das Doenças, define-se incongruência de gênero ou
transgênero como a não paridade entre a identidade de gênero e o sexo ao
nascimento. Incluem-se nesse grupo transexuais, travestis e outras expressões
identitárias relacionadas à diversidade de gênero.
Em 1966, Harry Benjamin
definiu o termo transexual e foi responsável pela sensibilização sobre a necessidade
da atenção à saúde das pessoas transexuais à época. Graças a Benjamin, se
afirmou cientificamente a ideia de que as pessoas transexuais não deveriam ser
sujeitas a terapias conversivas, consolidando a terapêutica focada na
possibilidade de transição somática, utilizada até hoje.
Dados epidemiológicos sobre a
transexualidade sugerem uma prevalência na vida de 1:37.000 para o sexo
masculino ao nascimento, e de 1:103.000 para o sexo feminino ao nascimento.
Existe uma grande variabilidade das estimativas de prevalência devido a
problemas diagnósticos, características transculturais e falta de acesso a
serviços especializados.
A pessoa transexual, em
maiores ou menores proporções, enfrenta algumas possibilidades relacionadas à
sua condição que podem causar sofrimento, como ter que lidar com as questões do
desenvolvimento sexual em um corpo que percebem incongruente com o gênero com o
qual se identificam, inclusive em idades bem precoces, quando os recursos
emocionais ainda são frágeis. A vulnerabilidade psíquica e social do indivíduo
transgênero é, em geral, intensa. São elevados os índices de morbidades
existentes nessa população, entre eles transtornos depressivos graves,
abuso/dependência de álcool e outras substâncias químicas, transtornos de personalidade,
transtornos de estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade e, em
situações extremas, suicídio.
A atenção integral à saúde da
pessoa com incongruência de gênero ou transgênero deve contemplar todas as suas
necessidades de saúde, garantindo, ao longo da vida, o acesso, sem qualquer
discriminação, às atenções básica, especializada e de urgência e emergência.
Assim, o Conselho
Federal de Medicina vem, por esta Resolução, disciplinar o cuidado à pessoa
transgênero em relação às ações e condutas de profissionais médicos em serviços
de saúde públicos ou privados. A linha de cuidados específicos de que trata
esta Resolução deve contemplar o acolhimento, o acompanhamento ambulatorial, a
hormonioterapia e o cuidado cirúrgico, conforme preconizado em Projeto
Terapêutico Singular norteado pelos protocolos e diretrizes vigentes.
Participaram das discussões
que levaram à elaboração desta Resolução representantes do Ministério da Saúde,
do Conselho Federal de Psicologia, do Conselho Federal de Serviço Social, da
Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), do Instituto
Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat), da Rede Nacional de Pessoas Trans do
Brasil (Rede Trans Brasil), do Fórum Nacional de Pessoas Trans Negras e Negros
(Fonatrans), além de pais de crianças e adolescentes transexuais.
LEONARDO SÉRVIO LUZ
Relator
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