O artigo 38 da Lei 10.150/00 autoriza a Caixa Econômica Federal (CEF) a contratar na modalidade de arrendamento imobiliário especial, mas não a obriga a fazer esse contrato, ainda que o interessado preencha os requisitos legais. A Quarta Turma do STJ, ao julgar o REsp 1110907 em 09/08/2012, adotou esse entendimento, acompanhando de
forma unânime o voto da relatora do processo, ministra Isabel Gallotti. Uma
ex-mutuária do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) entrou com ação
pretendendo obrigar a CEF a contratar com ela na modalidade de
arrendamento mercantil com opção de compra. O imóvel que ela ocupava
estava para ser retomado pela CEF, mas a mutuária conseguiu ordem
judicial para suspender a desocupação. Para regularizar a situação,
tentou fechar contrato com a instituição financeira nos moldes do artigo
38, porém a CEF se recusou. Na primeira instância, o juiz
determinou que a CEF fechasse o contrato de arrendamento, pois este
seria um direito da ex-mutuária e não uma faculdade da instituição
financeira, desde que fossem atendidas as exigências relativas às
condições financeiras. No entanto, a CEF recorreu ao Tribunal Regional
Federal da 5ª Região e foi liberada da obrigação de contratar. Houve
então o recurso ao STJ. A ex-mutuária alegou que a CEF, de
acordo com a Lei 10.150, é obrigada a promover o arrendamento especial
sempre que o postulante preencher os requisitos para tanto. O Ministério
Público Federal deu parecer no sentido de que fosse provido o recurso
da ex-mutuária, com base no direito social à moradia e na natureza
jurídica de empresa pública detida pela CEF. Entretanto,
na visão da ministra Isabel Gallotti, a Lei 10.150 é clara em apenas
autorizar instituições financeiras a promover o arrendamento imobiliário
especial com opção de compra. Diz o artigo 38, textualmente (na
redação originária dada pela Medida Provisória 1.981-49/00): “Ficam as
instituições financeiras captadoras de depósitos à vista e que operem
crédito imobiliário autorizadas a promover arrendamento imobiliário
especial com opção de compra dos imóveis que tenham arrematado,
adjudicado ou recebido em dação em pagamento por força de financiamentos
habitacionais por elas concedidos.” O contrato pode ser feito com o
ex-proprietário, o ocupante ou com terceiros, com base em valor de
mercado. Citando precedente da Terceira Turma (REsp 1.164.528), a
ministra destacou que a CEF, empresa pública submetida ao regime
jurídico de direito privado, não é a única instituição financeira a
operar com mútuos habitacionais, devendo prevalecer na interpretação do
dispositivo legal o respeito à livre iniciativa e à liberdade
contratual. “O artigo 38 da Lei 10.150 é dispositivo que se
dirige às instituições financeiras em geral que operam no crédito
imobiliário, não sendo compatível com o sistema constitucional em vigor a
pretendida interpretação que imponha obrigação de contratar apenas à
empresa pública, em prejuízo do princípio da livre autonomia da vontade e
da igualdade constitucional de regime jurídico no campo do direito das
obrigações civis”, afirmou a relatora. Isabel
Gallotti também observou que, segundo o mesmo precedente do STJ, os
princípios administrativos da moralidade, do uso racional dos recursos
públicos e da segurança jurídica autorizam a interpretar como não
obrigatório o arrendamento imobiliário. “Isso porque, analisando a
questão sob o aspecto de que, numa empresa pública, o capital é público,
eventuais prejuízos causados por uma contratação forçada afetariam,
ainda que indiretamente, o interesse coletivo”, esclareceu. Outro
ponto levantado pela magistrada é que a Lei 10.150 não estabelece prazo
de duração para o contrato de arrendamento. Se houvesse uma imposição
legal de contratar, deveria haver um poder regulamentador de iniciativa
das partes. O mesmo ocorreria com outros critérios como o preço de
compra e valor da prestação. Segundo a ministra, o artigo 38 não
diz respeito a uma atividade vinculada, “capaz de obrigar qualquer
agente financeiro captador de depósito à vista e que opere crédito
imobiliário à promoção do arrendamento imobiliário especial com opção de
compra”. Ao concluir seu voto, Isabel Gallotti destacou que a
controvérsia tratada no recurso nada tem a ver com o Programa de
Arrendamento Residencial regido pela Lei 10.188/01, criado para suprir
necessidades de moradia da população de baixa renda. Nesse caso, em que
os recursos são da União, a CEF atua como operadora de programa público e
não como empresa pública em regime de direito privado, e a disciplina
legal é totalmente diversa daquela discutida no julgamento.
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