A suspensão da prescrição de pretensão indenizatória só ocorre quando há relação de prejudicialidade entre as esferas cível e criminal. Para tanto, é fundamental que exista processo penal em curso ou, pelo menos, a tramitação de inquérito policial. Esse
foi o entendimento da Terceira Turma do STJ ao interpretar o artigo 200 do Código Civil, em julgamento do REsp 1180237 em 07/08/2012. Em agosto de 2002, na cidade de Várzea Grande
(MT), uma carreta pertencente à Transportadora Solasol colidiu com um
motociclista. Em fevereiro de 2006, o condutor da motocicleta ajuizou
ação de indenização para a reparação dos danos morais e estéticos
sofridos. Em primeira instância, o juiz reconheceu a ocorrência
da prescrição prevista no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do CC de
2002. De acordo com o dispositivo, a pretensão de reparação civil
prescreve em três anos. A contagem do prazo trienal começou a correr a
partir da entrada em vigor do CC/02 (11 de janeiro de 2003), visto que o
acidente aconteceu em data anterior. Insatisfeito
com a decisão, a vítima do acidente apelou ao Tribunal de Justiça de
Mato Grosso (TJMT), que deu provimento ao recurso para afastar o
reconhecimento da prescrição. O tribunal se baseou no artigo 200
do CC, segundo o qual, “quando a ação se originar de fato que deva ser
apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva
sentença definitiva”. Em seu entendimento, o prazo prescricional da
pretensão indenizatória não havia sequer iniciado, já que não havia ação
penal no caso. A Sul América Companhia Nacional de Seguros,
seguradora contratada pela transportadora, interpôs recurso especial no
STJ, pretendendo que a decisão de segunda instância fosse reformada. De
acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso
especial, o tribunal de segundo grau não deveria ter aplicado a regra
prevista no artigo 200 do CC ao caso, em razão da “inexistência de
relação de prejudicialidade entre as esferas cível e criminal”, pois não
foi instaurado inquérito policial ou iniciada ação penal. O
relator explicou que o enunciado deve ser interpretado de acordo com o
princípio da independência relativa entre os juízos cível e criminal,
consagrado pelo artigo 935 do CC: “A responsabilidade civil é
independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a
existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas
questões se acharem decididas no juízo criminal.” “A
independência entre os juízos cível e criminal, afirmada pelo artigo 935
do CC, é apenas relativa, pois existem situações em que a decisão
proferida na esfera criminal pode interferir diretamente na decisão
proferida no juízo cível, fazendo neste, aliás, coisa julgada”, afirmou
Sanseverino. Ele mencionou que o principal efeito civil de uma
sentença penal é produzido pela condenação criminal, pois a sentença
penal condenatória vincula a decisão da Justiça civil, ou seja, torna
certa a obrigação de reparação dos danos. “O próprio Código
Penal, em seu artigo 91, I, diz que são efeitos extrapenais da
condenação criminal tornar certa a obrigação de reparação de danos”,
afirmou. Sanseverino citou também a regra do artigo 63 do Código
de Processo Penal (CPP), que segue a mesma linha. De acordo com o
dispositivo, caso haja sentença condenatória transitada em julgado, o
ofendido, seu representante ou os herdeiros poderão promover a execução,
na Justiça civil, da reparação do dano sofrido. Ele lembrou que
esse entendimento, de que a independência dos juízos cível e criminal é
relativa, também vale para algumas situações de absolvição criminal,
como nas hipóteses do artigo 65 do CPP: se o ato ilícito é praticado em
estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de
dever legal ou no exercício regular de um direito. A
regra do artigo 200 do CC tem por finalidade “evitar a possibilidade de
soluções contraditórias entre os juízos cível e criminal, especialmente
quando a solução do processo penal seja determinante do resultado do
processo cível”, explicou o relator. Ele observou a lesão
corporal culposa – produzida pelo acidente de que trata o processo –
constitui infração de menor potencial ofensivo, com pena máxima de dois
anos, e depende de representação do ofendido para abertura de ação
penal. Essa representação tem prazo decadencial de seis meses,
conforme prevê o artigo 38 do CPP. “Consequentemente, não havendo
qualquer notícia no processo dessa representação, cujo prazo decadencial
já transcorreu, não se mostra possível a aplicação da regra do artigo
200 do CC”, explicou o relator. Como a verificação das
circunstâncias fáticas não era prejudicial à ação indenizatória e, além
disso, não houve representação do ofendido, o relator entendeu que não
ocorreu a suspensão da prescrição prevista no artigo 200. A Terceira
Turma, em decisão unânime, deu provimento ao recurso especial para
restabelecer a sentença integralmente.
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