Recurso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) transferido para aplicação financeira deixa de ser verba alimentar e pode ser passível de penhora? Para a Terceira Turma do STJ,
no julgamento do REsp 1330567 em 14/06/2013, a resposta é sim. No
processo relatado pela ministra Nancy Andrighi, a Turma analisou minuciosamente
a questão da penhorabilidade de verbas rescisórias trabalhistas aplicadas em
fundo de investimento, em julgamento de recurso contra decisão do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul ao analisar embargos do devedor. No caso em
questão, o embargante sustentou que a transferência da verba rescisória
trabalhista para fundo de investimento não modifica sua natureza alimentar,
devendo ser mantida a sua impenhorabilidade. O tribunal gaúcho rejeitou o
recurso e ratificou a sentença. O devedor, então, recorreu ao STJ. Citando
vários precedentes, Nancy Andrighi ressaltou que o STJ possui jurisprudência
pacífica quanto à impenhorabilidade de verbas de natureza alimentar e de
depósitos em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos. Mas
admitiu que a jurisprudência ainda não se consolidou sobre valor advindo de
rescisão trabalhista transferido para fundo de investimento, sendo possível
encontrar decisões divergentes sobre o tema.
Como exemplo, ela citou decisão
da Quarta Turma que concluiu ser “inadmissível a penhora dos valores recebidos
a título de verba rescisória de contrato de trabalho e depositados em conta
corrente destinada ao recebimento de remuneração salarial (conta salário),
ainda que tais verbas estejam aplicadas em fundos de investimento, no próprio
banco, para melhor aproveitamento do depósito”. A mesma Quarta Turma também
decidiu que valores em caderneta de poupança e outros tipos de aplicações e
investimentos, “embora possam ter originalmente natureza alimentar, provindo de
remuneração mensal percebida pelo titular, perdem essa característica no
decorrer do tempo, justamente porque não foram utilizados para manutenção do
empregado e de sua família no período em que auferidos, passando a se
constituir em investimento ou poupança”. A Terceira Turma alcançou conclusão
semelhante ao consignar que, “ainda que percebidos a título remuneratório, ao
serem depositados em aplicações financeiras como a poupança, referidos valores
perdem a natureza alimentar, afastando a regra da impenhorabilidade”.
Para solucionar a controvérsia,
Nancy Andrighi fez uma análise sistemática do artigo 649 do Código de Processo
Civil, com base em duas premissas: se a verba manteve ou não o seu caráter
alimentar ou, pelo menos, se poderia se valer da impenhorabilidade conferida
aos depósitos em caderneta de poupança. Ela constatou que, apesar de a
impenhorabilidade das verbas alimentares não dispor expressamente até que ponto
elas permanecerão sob a proteção desse benefício, infere-se da redação legal
que somente manterão essa condição enquanto “destinadas ao sustento do devedor
e sua família”, ou seja, enquanto se prestarem ao atendimento das necessidades
básicas do devedor e seus dependentes. “Em outras palavras, na hipótese de
qualquer provento de índole salarial se mostrar, ao final do período – isto é,
até o recebimento de novo provento de igual natureza –, superior ao custo
necessário ao sustento do titular e seus familiares, essa sobra perde o caráter
alimentício e passa a ser uma reserva ou economia, tornando-se, em princípio,
penhorável”, destacou. Assim, afirmou a ministra em seu voto, não se mostra
razoável, como regra, admitir que verbas alimentares não utilizadas no período
para a própria subsistência sejam transformadas em aplicações ou investimentos
financeiros e continuem a gozar do benefício da impenhorabilidade.
Para a ministra, foi justamente
pelo fato de grande parte do capital acumulado pelas pessoas ser fruto do seu
próprio trabalho que o legislador criou uma exceção à regra, prevendo
expressamente que valores até o limite de 40 salários mínimos aplicados em caderneta
de poupança são impenhoráveis. “Caso contrário, se as verbas salariais não
utilizadas pelo titular para subsistência mantivessem sua natureza alimentar,
teríamos por impenhoráveis todo o patrimônio construído pelo devedor a partir
desses recursos”, enfatizou a relatora. Na avaliação da ministra Nancy
Andrighi, as aplicações superiores a 40 salários mínimos não foram contempladas
pela impenhorabilidade fixada pelo legislador para que efetivamente possam vir
a ser objeto de constrição, impedindo que o devedor abuse do benefício legal,
escudando-se na proteção conferida às verbas de natureza alimentar para se
esquivar do cumprimento de suas obrigações, a despeito de possuir condição
financeira para tanto. “O que se quis assegurar com a impenhorabilidade de
verbas alimentares foi a sobrevivência digna do devedor e não a manutenção de
um padrão de vida acima das suas condições, às custas do devedor”, concluiu a
relatora, ao negar provimento ao recurso especial. A decisão foi unânime.
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