É praticamente diária a veiculação de matérias jornalísticas
a respeito de investigações, suspeitas e escândalos envolvendo figuras públicas
– como magistrados, deputados, senadores, governadores e empresários –, que
despertam o interesse da população. O que interliga as publicações na mídia aos
processos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a discussão sobre
a existência de dano, e consequente necessidade de reparação civil, provocada
pelo confronto entre dois direitos fundamentais garantidos pela Constituição
Federal: acesso à informação e inviolabilidade da intimidade e da honra das
pessoas. Se de um lado os veículos defendem seu direito-dever de informar, de
tecer críticas e de estabelecer posicionamentos a respeito de temas de
interesse da sociedade, de outro lado, aqueles que foram alvo das notícias
sentem que a intimidade de suas vidas foi devassada, e a honra, ofendida.
A Constituição garante em seu artigo 5º, inciso X, que “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação”. Assegura, no mesmo artigo, a liberdade de manifestação do
pensamento, vedado o anonimato; a liberdade da expressão da atividade
intelectual e de comunicação, independentemente de censura ou licença, e o
acesso de todos à informação. Diz também, no artigo 220, que a manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofrerão qualquer
restrição, sob qualquer forma, processo ou veículo. Quando esses direitos
constitucionalmente assegurados entram em conflito e estabelecem o pano de
fundo de alguns processos judiciais, “a solução não se dá pela negação de
quaisquer desses direitos. Ao contrário, cabe ao legislador e ao aplicador da
lei buscar o ponto de equilíbrio onde os dois princípios mencionados possam
conviver, exercendo verdadeira função harmonizadora”, afirmou a ministra Nancy
Andrighi, no julgamento do Resp 984803.
De acordo com o ministro Raul Araújo, integrante da Quarta
Turma, a análise da incidência ou não de reparação civil por dano moral a
direitos de personalidade depende do exame de cada caso concreto. Para o
ministro, a liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e
crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu
exercício, compatíveis com o regime democrático. Araújo apontou que entre elas
estão o compromisso ético com a informação verossímil; a preservação dos
chamados direitos de personalidade, entre os quais se incluem os chamados
direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e a vedação de
veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar
a pessoa (Resp 801109). Esse entendimento foi aplicado no
julgamento do recurso da Editora Abril contra acórdão do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios (TJDFT) que fixou indenização por danos morais a
ser paga a magistrado por ofensa à sua honra em notícia publicada pela revista
Veja. A notícia criticou a atuação da autoridade, por meio da divulgação de
supostas irregularidades em sua conduta funcional. Além disso, mostrou que a
CPI do Judiciário havia encontrado indícios da prática de crimes, como
prevaricação, abuso de poder e improbidade administrativa, cometidos pelo
magistrado.
No STJ, o acórdão do TJDFT sofreu reforma. Os ministros
decidiram que não houve abuso no exercício da liberdade de imprensa, pois,
segundo eles, a “ácida” crítica foi baseada em levantamentos de fatos de
interesse público e principalmente por ter sido feita em relação a caso que
ostenta “gravidade e ampla repercussão social”. Para o ministro Raul Araújo,
relator do recurso, a divulgação de notícia sobre atos ou decisões do Poder
Público, ou de comportamento dos seus agentes, a princípio, não configura abuso
da liberdade de imprensa, desde que não seja referente a um núcleo essencial da
intimidade e da vida privada da pessoa ou que não prevaleça o intuito de
difamar, injuriar ou caluniar. Segundo o relator, é assegurado ao jornalista
emitir opinião e formular críticas, mesmo que “severas, irônicas ou impiedosas”,
contra qualquer pessoa ou autoridade, desde que narre fatos verídicos. “Porém,
quando os fatos noticiados não são verdadeiros, pode haver abuso do direito de
informar por parte do jornalista”, afirmou Raul Araújo. Ao analisarem o recurso
da Editora Abril, os ministros entenderam que houve dano moral, visto que o
sofrimento experimentado pelo magistrado estava evidente. Porém, ressaltaram
que esse fator não era suficiente para tornar o dano indenizável.
Os ministros também entenderam que o veículo apenas cumpriu
a missão de informar, ao julgar o Resp 1191875, da relatoria do ministro Sidnei
Beneti. O Jornal o Dia teceu críticas à atitude de um magistrado (então
presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ) que foi fotografado
ao lado de um empresário preso pela Polícia Federal, acusado dos crimes de
tráfico de influência e de desvio de recursos públicos. O magistrado ajuizou
ação de indenização, que foi julgada improcedente em primeiro grau. Na
apelação, o TJRJ reverteu a decisão e condenou o jornal a indenizar a
autoridade em R$ 5 mil. No STJ, a Terceira Turma reformou a decisão de segundo
grau e afirmou não ter sido configurada atividade moralmente ofensiva, mas mera
notícia jornalística. Para os ministros, não houve qualquer intenção de ofender
ou de lesar moralmente a autoridade, mas apenas de retratar o sentimento da
sociedade diante de um fato incomum: o presidente de um tribunal de justiça
posar para foto ao lado de um acusado de envolvimento em crimes de tráfico de
influência e de desvio de dinheiro público. Nesse caso, decidiram que não houve
“ânimo ofensivo” na crítica por parte da imprensa e que faltou dolo específico,
necessário à configuração do dano moral.
No julgamento de um recurso especial da Infoglobo
Comunicações, editora do jornal O Globo, o ministro Antonio Carlos Ferreira, da
Quarta Turma, considerou de caráter sensacionalista reportagem sobre um
desembargador fluminense. Essa condição gerou a obrigação de reparar o dano
causado (Resp 645729). O jornal divulgou notícia sobre a
concessão da entrevista do magistrado à revista G Magazine, fazendo crer que
esse ato estaria revestido de uma conduta ilícita ou imoral. Também insinuou
que, em virtude desse fato, a cúpula do tribunal de justiça queria deportá-lo
para Portugal. Informação falsa, já que o magistrado havia sido contemplado com
uma bolsa de estudos nesse país. Os ministros da Quarta Turma concluíram que
mesmo não tendo havido dolo em macular a imagem da autoridade, no mínimo houve
a culpa pelo teor sensacionalista da nota publicada, o que extrapola o
exercício regular do direito de informar. Assim, os ministros concordaram com o
dever de indenizar, mas deram parcial provimento ao recurso da editora para
reduzir de R$ 100 mil para R$ 50 mil o valor dos danos morais. Segundo o
ministro Antonio Carlos, é pacífica a jurisprudência no sentido de que o STJ
pode alterar o valor dos danos morais quando fixados de maneira exagerada, sem
que isso implique revolvimento do conteúdo fático-probatório.
Ao julgar o Resp 1068824, os ministros do STJ também
consideraram que a imprensa extrapolou o dever de informar. O recurso foi
interposto pela Editora Abril contra acórdão do TJRJ que condenou a editora ao
pagamento de indenização a ex-presidente da República por danos morais. A
revista Veja publicou matéria jornalística referindo-se ao ex-presidente
Fernando Collor de Mello como “corrupto desvairado” e, de acordo com o ministro
Sidnei Beneti, relator do recurso, não se tratou de “pura crítica”, suportável
ao homem público, mas sim, de injúria. A injúria, tipificada no artigo 140 do
Código Penal, de acordo com o ministro Beneti, possui reduzida margem de defesa
entre as modalidades de crime contra a honra, “pois não admite exceção de
verdade”. Segundo o ministro, a injúria materializa-se na própria
exteriorização oral, escrita ou fática de palavras aptas a ofender. Para o
ministro, poucas hipóteses excluem a responsabilidade pela injúria: “a prolação
de palavras em revide imediato, ou em momento de ânimo exacerbado,
evidentemente não se aplica ao caso da escrita por profissional categorizado,
perito na arte de usar as palavras com extensão e compreensão correspondentes
às ideias nelas contidas”.
Para ministra Nancy Andrighi, “a liberdade de informação
deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados
manipula, em vez de formar a opinião pública”. Deve atender também ao interesse
público, “pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em
sociedade” (Resp 896635). No Resp 1297567, os ministros da Terceira Turma
discutiram a potencialidade ofensiva de reportagem publicada em jornal de
grande circulação, que apontou envolvimento ilícito de magistrado com
empresário ligado ao desabamento do edifício Palace II, no Rio de Janeiro. Na
matéria constou que, de acordo com informações da Polícia Federal e do
Ministério Público, o juiz teria beneficiado o ex-deputado Sérgio Naya em ação
relativa às indenizações das vítimas do acidente. O recurso foi interposto pela
Infoglobo Comunicação e Participações contra acórdão do TJRJ que reconheceu
excesso na matéria veiculada e ofensa à honra do juiz, condenando a empresa ao
pagamento de indenização por danos morais. No STJ, o entendimento do segundo
grau foi reformado. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, decidiu que
o veículo foi diligente na divulgação e não atuou com abuso ou excessos.
Atendeu ainda ao dever de veracidade e de relevância ao interesse público. De
acordo com a ministra, “a sociedade tem o direito de ser informada acerca de
investigações em andamento sobre supostas condutas ilícitas praticadas por
magistrado que atua em processo de grande repercussão nacional, ligado ao
desabamento do edifício Palace II”. Para os ministros da Turma, a matéria deixa
claro que as informações tiveram como fonte as investigações da Polícia Federal
e do Ministério Público, além de mencionar investigação perante o Conselho da
Magistratura. “Ainda que posteriormente o magistrado tenha sido absolvido das
acusações, quando a reportagem foi veiculada, as investigações mencionadas
estavam em andamento”, ressaltaram.
Segundo Nancy Andrighi, o veículo de comunicação afasta a
culpa quando busca fontes fidedignas, exerce atividade investigativa, ouve as
partes interessadas e não deixa dúvidas quanto à veracidade do que divulga. Entretanto,
a ministra lembra que esse cuidado de verificar a informação antes de
divulga-la não pode chegar ao ponto de impedir a veiculação da matéria até que
haja certeza “plena e absoluta” da sua veracidade, sob pena de não conseguir
cumprir sua missão, que é informar com celeridade e eficácia. Na Quarta Turma,
o entendimento é o mesmo. De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, “o
dever de veracidade ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa não deve
consubstanciar-se dogma absoluto, ou condição peremptoriamente necessária à
liberdade de imprensa, mas um compromisso ético com a informação verossímil, o
que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas” (Resp 680794).
Para caracterização do dano moral é necessário que haja
distorção da verdade ou ânimo de ofender. O valor da indenização é passível de
revisão pelo STJ quando for irrisório ou exorbitante, sem que isso implique
análise de matéria fática (Resp 693172). A revisão do valor da indenização
por dano moral foi o cerne de dois recursos da relatoria do ministro Raul
Araújo: o Resp 863993 e o Resp 685933. Neles os ofendidos pediam a elevação
do valor arbitrado pelos tribunais de origem. Para o ministro Raul Araújo, é
inadmissível, em regra, utilizar-se do recurso especial para examinar valor
fixado a título indenizatório. “Todavia, em hipóteses excepcionais, a
jurisprudência deste Tribunal tem autorizado a reavaliação do montante
arbitrado nas ações de reparação de dano, quando for verificada a exorbitância
ou o caráter irrisório da importância, flagrante ofensa aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade”, afirmou (REsp 863.993). O ministro Aldir
Passarinho Junior, atualmente aposentado, resumiu o tema da seguinte forma: “a
intromissão do Superior Tribunal de Justiça na revisão do dano moral somente
deve ocorrer em casos em que a razoabilidade for abandonada, denotando um valor
indenizatório abusivo, a ponto de implicar enriquecimento indevido, ou
irrisório, a ponto de tornar inócua a compensação pela ofensa efetivamente
causada” (REsp 879.460).
A discussão sobre a existência do dano moral e a necessidade
de reparação é regida pelo Código Civil, que, em seu artigo 186, estabelece os
pressupostos básicos da responsabilização civil. O código diz que comete ato
ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que seja de ordem exclusivamente
moral. No artigo 927, o código fixa a obrigação da reparação ao causador do
dano. A Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa), apesar de mencionada com frequência nos
recursos julgados pelo STJ, não foi recepcionada pela Constituição Federal.
Porém, como o entendimento foi declarado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) –
na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130 – apenas no ano
2009, ela foi utilizada para fundamentar as ações até aquela data. O ministro
Sidnei Beneti é categórico ao afirmar a impossibilidade de extração de
fundamento da Lei de Imprensa. “Não se acolhe alegação recursal de violação dos
dispositivos da Lei de Imprensa, porque o STF, ao julgar a ADPF 130, já firmou
que todo conjunto dessa lei não foi recepcionado pela Constituição Federal de
1988, de maneira que esse fundamento do recurso deixou de existir no
ordenamento jurídico”, afirmou (REsp 1.068.824).
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