A Terceira Turma do STJ, em 27/05/2013, considerou possível que a impenhorabilidade do bem de família atinja simultaneamente dois imóveis do devedor – aquele onde ele mora com sua esposa e outro no qual vivem as filhas, nascidas de relação extraconjugal. O recurso julgado foi interposto
pelo Ministério Público de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais (TJMG), que, por maioria, decidiu que a garantia legal da
impenhorabilidade só poderia recair sobre um único imóvel, onde o devedor
residisse com sua família.
No caso, o devedor, ao ser intimado da penhora, alegou que o
imóvel em que vivia era bem de família e indicou, em substituição, um segundo
imóvel. Após a substituição do bem penhorado, o devedor alegou que este também
era impenhorável por se tratar igualmente de bem de família. Disse que neste
segundo imóvel residiam suas duas filhas e a mãe delas. Como a Justiça não
reconheceu a condição de bem de família do segundo imóvel, a mãe, representando
as filhas, ofereceu embargos de terceiros para desconstituir a penhora
incidente sobre o imóvel em que residiam. Dessa vez, a pretensão teve êxito, e
a penhora foi afastada na primeira instância, mas o TJMG reformou a decisão. Por
maioria de votos, o TJMG decidiu que a relação concubinária do devedor não
poderia ser considerada entidade familiar, nos termos da legislação em vigor.
A Terceira Turma do STJ reformou esse entendimento,
considerando que a impenhorabilidade do bem de família visa resguardar não
somente o casal, mas o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de
separação dos membros da família, como na hipótese, a entidade familiar, para
efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge em duplicidade:
uma composta pelos cônjuges, e outra composta pelas filhas de um deles. O
relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, disse que o reconhecimento da
união estável como entidade familiar pela Constituição trouxe “importante
distinção entre relações livres e relações adulterinas”, mas essa distinção não
interfere na solução do caso analisado, pois o que está em questão é a
impenhorabilidade do imóvel onde as filhas residem. Afinal, lembrou o ministro,
a Constituição estabelece que os filhos, nascidos dentro ou fora do casamento,
assim como os adotados, têm os mesmos direitos. Segundo o relator, a
jurisprudência do STJ vem há tempos entendendo que a impenhorabilidade prevista
na Lei 8.009 não se destina a proteger a família em sentido estrito, mas, sim,
a resguardar o direito fundamental à moradia, com base no princípio da
dignidade da pessoa humana.
“Firme em tal
pensamento, esta Corte passou a abrigar também o imóvel de viúva sem filhos, de
irmãos solteiros e até de pessoas separadas judicialmente, permitindo, neste
caso, a pluralidade de bens protegidos pela Lei 8.009”, afirmou o relator. Para
ele, “o conceito de entidade familiar deve ser entendido à luz das alterações
sociais que atingiram o direito de família. Somente assim é que poderá haver
sentido real na aplicação da Lei 8.009”. Isso porque, explicou Villas Bôas
Cueva, o intuito da norma não é proteger o devedor contra suas dívidas,
tornando seus bens impenhoráveis, mas garantir a proteção da entidade familiar
no seu conceito mais amplo.
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