O Plenário negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 888815, com repercussão geral reconhecida, no
qual se discutia a possibilidade de o ensino domiciliar (homeschooling) ser considerado como meio lícito de
cumprimento, pela família, do dever de prover educação. Segundo o fundamentação adotada pela maioria dos
ministros, o pedido formulado no recurso não pode ser acolhido, uma vez que não há legislação que regulamente
preceitos e regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.
O recurso teve origem em mandado de segurança impetrado pelos pais de uma menina, então com 11 anos,
contra ato da secretária de Educação do Município de Canela (RS), que negou pedido para que a criança fosse
educada em casa e orientou-os a fazer matrícula na rede regular de ensino, onde até então havia estudado. O
mandado de segurança foi negado tanto em primeira instância quanto no Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul (TJ-RS). Para a corte gaúcha, inexistindo previsão legal de ensino na modalidade domiciliar, não haveria
direito líquido e certo a ser amparado no caso.
O relator do RE, ministro Luís Roberto Barroso, votou na última quinta-feira (6) no sentido do provimento do
recurso.
Ele considerou constitucional a prática de ensino domiciliar a crianças e adolescentes, em virtude da sua
compatibilidade com as finalidades e os valores da educação infanto-juvenil, expressos na Constituição de 1988.
Em seu voto, Barroso propôs algumas regras de regulamentação da matéria, com base em limites constitucionais.
O julgamento foi retomado nesta quarta-feira (12) com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que abriu a
divergência no sentido do desprovimento do recurso e foi seguido pela maioria dos ministros. Ele será o redator
do acórdão do julgamento. Ficaram vencidos o relator (integralmente) e o ministro Edson Fachin (parcialmente).
Ministro Alexandre de Moraes
Para o ministro Alexandre de Moraes, a Constituição Federal, em seus artigos 205 e 227, prevê a solidariedade
do Estado e da família no dever de cuidar da educação das crianças. Já o artigo 226 garante liberdade aos pais
para estabelecer o planejamento familiar. Segundo ele, o texto constitucional visou colocar a família e o Estado
juntos para alcançar uma educação cada vez melhor para as novas gerações. Só Estados totalitários, segundo o
ministro Alexandre, afastam a família da educação de seus filhos.
A Constituição, contudo, estabelece princípios, preceitos e regras que devem ser aplicados à educação, entre
eles a existência de um núcleo mínimo curricular e a necessidade de convivência familiar e comunitária. A
educação não é de fornecimento exclusivo pelo Poder Público. O que existe, segundo o ministro, é a
obrigatoriedade de quem fornece a educação de seguir as regras. Dentre as formas de ensino domiciliar, o
ministro ressaltou que a chamada espécie utilitarista, que permite fiscalização e acompanhamento, é a única que
não é vedada pela Constituição. Contudo, para ser colocada em prática, deve seguir preceitos e regras, que
incluam cadastramento dos alunos, avaliações pedagógicas e de socialização e frequência, até para que se evite
uma piora no quadro de evasão escolar disfarçada sob o manto do ensino domiciliar.
Por entender que não se trata de um direito, e sim de uma possibilidade legal, mas que falta regulamentação para
a aplicação do ensino domiciliar, o ministro votou pelo desprovimento do recurso.
Ministro Edson Fachin
Para o ministro Edson Fachin, o Estado tem o dever de garantir o pluralismo de concepções pedagógicas e,
sendo o ensino domiciliar um método de ensino, poderia ser escolhido pelos pais como forma de garantir a
educação dos filhos. O ministro revelou que estudos recentes demonstram que não há disparidade entre alunos
que frequentam escola daqueles que recebem ensino domiciliar. Para Fachin, não se pode rejeitar uma técnica
que se mostra eficaz, desde que atendidos os princípios constitucionais. Mesmo reconhecendo haver amparo ao
pluralismo de concepções pedagógicas, o ministro salientou que o Poder Judiciário não pode fixar parâmetros
para que um método possa se ajustar a regras de padrão de qualidade, como exige a Constituição.
O ministro votou pelo parcial provimento ao recurso, acolhendo a tese da constitucionalidade do direito de
liberdade de educação em casa. Porém, como a medida depende do reconhecimento de sua eficácia, divergiu do
relator quanto ao exercício do direito, impondo ao legislador que discipline a sua forma de execução e de
fiscalização no prazo máximo de um ano.
Ministra Rosa Weber
Ao votar com a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes , a ministra Rosa Weber lembrou que
enquanto a Constituição de 1946 previa que a educação dos filhos se dava no lar e na escola, a Carta de 1988
impôs um novo modelo, consagrado entre outros no artigo 208 (parágrafo 3º), segundo o qual “compete ao Poder
Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou
responsáveis, pela frequência à escola”. Esse modelo, segundo a ministra, foi regulamentado no plano
infraconstitucional por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), que falam na obrigatoriedade dos pais em matricularem seus filhos na rede regular de ensino.
A ministra salientou que o mandado de segurança impetrado na instância de origem discute basicamente a
legislação infraconstitucional, que obriga os pais a procederem à matrícula dos filhos na rede regular de ensino. E
nesse aspecto, a ministra disse que não existe espaço para se conceder o pedido.
Ministro Luiz Fux
O ministro Luiz Fux também divergiu do relator e votou pelo desprovimento do recurso. Mas, em seu
entendimento, há inconstitucionalidade do ensino domiciliar em razão de sua incompatibilidade com dispositivos
constitucionais, dentre eles os que dispõem sobre o dever dos pais de matricular os filhos e da frequência à
escola, e o que trata da obrigatoriedade de matrícula em instituições de ensino. Fux citou ainda dispositivos da
LDB e do ECA que apontam no mesmo sentido, e até mesmo o regulamento do programa Bolsa Família, que
exige comprovação de frequência na escola para ser disponibilizado.
O ministro apontou ainda a importância da função socializadora da educação formal, que contribui para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
Ministro Ricardo Lewandowski
Em seu voto negando provimento ao recurso, o ministro Ricardo Lewandowski seguiu os fundamentos adotados
pelo ministro Luiz Fux. Ele ressaltou a importância da educação como forma de construção da cidadania e da vida
pública, por meio do engajamento dos indivíduos, numa perspectiva de cidadania ativa. Para Lewandowski, a
legislação brasileira é clara quanto ao assunto, afastando a possiblidade de individualização do ensino no formato
domiciliar. “A educação é direito e dever do Estado e da família, mas não exclusivamente desta, e deve ser
construída coletivamente”, afirmou. O risco seria a fragmentação social e desenvolvimento de “bolhas” de
conhecimento, contribuindo para a divisão do país, intolerância e incompreensão.
Ministro Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes também votou pelo desprovimentro do RE, destacando a dimensão constitucional da
questão, a qual fixa um modelo educacional mais amplo do que o domiciliar ou estatal isoladamente, devendo ser
alcançada multidimensionalmente. E ressaltou o custo que a adoção do ensino domiciliar traria para o sistema de
ensino, uma vez que exigiria a instituição de uma política de fiscalização e avaliação. Para ele, apenas por meio
de lei essa modalidade de ensino pode ser experimentada.
Ministro Marco Aurélio
O voto do ministro Marco Aurélio seguiu a mesma orientação e destacou a realidade normativa educacional
brasileira para concluir pela impossibilidade do ensino domiciliar. “Textos legais não permitem interpretações
extravagantes. Há uma máxima em hermenêutica segundo a qual onde o texto é claro não cabe interpretação”,
afirmou. Segundo ele, dar provimento ao recurso extraordinário implica afastar a aplicabilidade de preceitos que
não apresentam traços de inconstitucionalidade no ECA e na LDB. Para o ministro, decidir em sentido contrário,
com base em precedentes estrangeiros, pode levar a contradizer o esforço da sociedade brasileira para o avanço
da educação, trazendo de volta um passado no qual grande parcela dos jovens se encontrava distante do ensino.
Ministro Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli seguiu o voto do ministro Alexandre de Moraes, no sentido de negar provimento ao
recurso, mas não declarando a inconstitucionalidade desse modelo de educação. Ele disse que comunga das
premissas do voto do ministro Roberto Barroso e lembrou que, na realidade brasileira, sobretudo na zona rural,
ainda é grande o número de pessoas que foram alfabetizadas em casa ou pelos patrões e que nunca tiveram
acesso a uma certificação por isso. Citou, como exemplo, seu pai, que foi alfabetizado e aprendeu matemática em
casa, com o pai dele, e sua mãe, que ensinou filhos de colonos a ler e escrever e a fazer operações matemáticas.
“Essas crianças, hoje adultas, talvez não tenham recebido ainda nenhuma certificação de terem sido
alfabetizadas”, assinalou. No caso julgado, no entanto, o ministro destacou a dificuldade de constatar, de
imediato, a existência de direito líquido e certo que justificasse o provimento do recurso.
Ministra Cármen Lúcia
A presidente do STF também seguiu o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes. Ela ressaltou as
premissas do relator relativas à importância fundamental da educação, aos problemas relativos a ela na
sociedade brasileira e ao interesse dos educandos como centro da discussão. Mas, na ausência de um marco
normativo específico que possa garantir o bem-estar da criança, votou por negar provimento ao recurso
extraordinário, sem discutir a constitucionalidade do instituto.
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