REsp 1.901.911-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021.
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
Tema
Operadora de plano de saúde. Cooperativa de trabalho médico. Ingresso de novo associado. Processo seletivo público. Previsão no estatuto social. Possibilidade. Princípio da porta aberta. Relativização.
É lícita a previsão, em estatuto social de cooperativa de trabalho médico, de processo seletivo público como requisito de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.
Cinge-se a controvérsia a definir se a cooperativa de trabalho médico pode limitar, por meio de processo seletivo público, o ingresso de novos associados ao fundamento de preservação da possibilidade técnica de prestação de serviços.
De início, vale destacar que a cooperativa de trabalho, como a de médicos, coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da venda - após a dedução de despesas - é distribuído, por equidade, aos associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).
Destaca-se que, em razão da incidência do princípio da livre adesão voluntária, o ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto, sendo, em regra, ilimitado o número de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços (arts. 4º, I, e 29 da Lei nº 5.764/1971).
Ademais, pelo princípio da porta aberta, consectário do princípio da livre adesão, não podem existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novo membro na cooperativa, devendo a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa, sobretudo porque a cooperativa não visa o lucro, além de ser um empreendimento que possibilita o acesso ao mercado de trabalhadores com pequena economia, promovendo, portanto, a inclusão social.
Entretanto, o princípio da porta aberta (livre adesão) não é absoluto, devendo a cooperativa de trabalho médico, que também é uma operadora de plano de saúde, velar por sua qualidade de atendimento e situação financeira estrutural, até porque pode ser condenada solidariamente por atos danosos de cooperados a usuários do sistema (a exemplo de erros médicos), o que impossibilitaria a sua viabilidade de prestação de serviços.
Dessa forma, a negativa de ingresso de profissional na cooperativa de trabalho médico não pode se dar somente em razão de presunções acerca da suficiência numérica de associados na região exercendo a mesma especialidade, havendo necessidade de estudos técnicos de viabilidade. Por outro lado, atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados.
Nessa mesma esteira de ideias, é lícita a previsão em estatuto social de cooperativa de trabalho médico de processo seletivo público e de caráter impessoal, exigindo-se conteúdos a respeito de ética médica, cooperativismo e gestão em saúde como requisitos de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, mesmo porque, por força de lei, o interessado deve aderir aos propósitos sociais do ente e preencher as condições estatutárias estabelecidas, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.
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