A doação de bens feita em vida pelo pai aos filhos gerados no casamento, excluindo a filha fruto de outro relacionamento, é nula quanto à parte que obrigatoriamente deve ser destinada a ela por herança. Assim como os três meios-irmãos por parte de pai, a filha
também é herdeira necessária de um quarto da metade dos bens do genitor. Com
base nessa regra do direito civil brasileiro, a Terceira Turma do STJ, ao
julgar o REsp 1361983 em 27/03/2014, determinou que 6,25%
do valor bruto de dois imóveis, doados e posteriormente vendidos, sejam
entregues à herdeira que não foi contemplada na doação. Um terceiro imóvel deve
ser colocado em processo de inventário para partilha entre os herdeiros
necessários, resguardada a metade doada pela viúva aos seus próprios filhos.
Em 1992, o genitor e sua esposa
doaram aos filhos do casal três imóveis. Ele faleceu, e a filha não contemplada
com a doação requereu sua parte na Justiça, com uma ação declaratória de
nulidade de negócio jurídico. O juízo de primeiro grau julgou o pedido
procedente. Declarou a nulidade dos atos de transmissão da propriedade e
determinou o retorno dos bens ao espólio do falecido, para futura partilha em
inventário. A decisão foi mantida em segundo grau. Os irmãos recorreram ao STJ
alegando que metade dos imóveis foi doada pela mãe deles, de forma que a irmã
apenas por parte de pai não teria legitimidade para pedir em juízo a declaração
de nulidade do negócio. Sustentaram que, em relação à metade doada pelo pai
comum, a invalidade da doação deveria recair somente sobre a parte que excede o
que o genitor pode dispor livremente, que corresponde à metade de seu
patrimônio. Assim, a outra metade deve ser dividida entre os quatro herdeiros
necessários, cabendo a cada um 6,25% de cada um dos imóveis doados.
Para relatora do recurso,
ministra Nancy Andrighi, a autora tem legitimidade para propor a ação a fim de
obter sua parte na herança. Seu objetivo é a declaração de nulidade da doação
para posterior abertura de inventário dos bens deixados pelo pai falecido, com
sua inclusão no rol de herdeiros necessários. “O fato de a recorrida ter
realizado a cessão de direitos hereditários não lhe retira a qualidade de
herdeira, que é personalíssima, e, portanto, não afasta sua legitimidade para
figurar no polo ativo desta ação, porque apenas transferiu ao cessionário a titularidade
de sua situação jurídica, de modo a permitir que ele exija a partilha dos bens
que compõem a herança”, explicou a relatora.
Os recorrentes também alegaram no
recurso que houve julgamento fora do pedido feito na ação, pois foi declarada a
nulidade da doação com base no artigo 1.175 do Código Civil de 1916: “É nula a
doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a
subsistência do doador.” Nancy Andrighi afirmou que não se pode falar em
julgamento fora do pedido (extra petita), porque nulidades absolutas podem ser
conhecidas de ofício pelo julgador. Por outro lado, ela destacou que a
caracterização da doação universal de que trata o referido artigo exige a
demonstração de que o doador não tinha condições de garantir a própria
subsistência, o que não ocorreu no caso. Portanto, a situação nesse processo,
segundo a relatora, não é de julgamento extra petita nem de doação universal,
pois não se pode presumir que a após a doação o pai tenha assumido estado de
miserabilidade.
A jurisprudência do STJ
estabelece que a doação a descendente que exceder a parte da qual o doador, no
momento da liberalidade, poderia dispor em testamento é qualificada como
inoficiosa – portanto, nula. Segundo a relatora, houve clara preterição da
filha que ajuizou a ação, na medida em que todos os imóveis foram doados aos
meios-irmãos, não restando qualquer outro bem a ser inventariado quando aberta
a sucessão. Na hipótese julgada, quatro são os herdeiros necessários. Do
patrimônio total do pai deles, os três filhos do casamento poderiam receber em
doação até 87,5%: 50% correspondentes à parte com a qual o pai poderia fazer o
que quisesse, acrescidos das frações a que cada um obrigatoriamente tem
direito, ou seja, 12,5%. Considerando que o pai tinha metade dos imóveis – a
outra metade era de sua esposa –, a parte obrigatória de cada herdeiro do
genitor corresponde a 6,25% de cada imóvel. A fração restante da doação,
segundo Nancy Andrighi, é plenamente válida e eficaz.
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