A Quarta Turma do STJ, ao julgar o REsp 1036530, determinou que uma financeira,
cedente em contrato de leasing, forneça ao último comprador do veículo os documentos necessários à transferência de propriedade do bem junto ao Detran,
sob pena de multa diária de R$ 200. A decisão foi dada pela maioria do
colegiado, que seguiu o entendimento do ministro Luis Felipe Salomão ao julgar
o caso de um recorrente que comprou de outro particular veículo objeto de
leasing. O comprador assumiu as prestações que restavam e quitou o veículo.
Porém, a financeira não liberou a declaração de quitação de contrato para que
ele pudesse efetuar a transferência do automóvel no Detran, sob a alegação de
que não havia sido cientificada sobre a venda e de que não havia anuído
expressamente com a cessão.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) entendeu que
o contrato entre os particulares não produziu qualquer efeito jurídico perante
a instituição financeira, pois não houve anuência expressa por parte dela em
relação à transferência do carro, nem em relação à cessão dos direitos e
obrigações do negócio jurídico para esse último comprador. Por isso, para o
tribunal catarinense, aquele que comprou o carro, assumindo as prestações que
faltavam, não possui legitimidade ativa para acionar a financeira em nome
próprio. Inconformado, o comprador entrou com recurso especial no STJ. Alegou
que a anuência da instituição financeira é exigida apenas para que se possa
avaliar a credibilidade do cessionário em relação ao cumprimento do pacto, mas
não se justifica quando o contrato de arrendamento mercantil já está totalmente
pago.
De acordo com o ministro Salomão, apesar de a doutrina
afirmar que a anuência do cedente é elemento necessário para a validade do
negócio jurídico celebrado entre os particulares, a especificidade do caso
permite chegar a outro entendimento. Salomão explicou que a finalidade da
manifestação da financeira reside na possibilidade de análise da capacidade
econômico-financeira do cessionário, para “não correr o risco de eventual
inadimplemento – nesse ponto, assemelhando-se à figura do assentimento na
assunção de dívida”.
Salomão ressaltou que, nesse caso específico, a obrigação
relativa ao contrato está quitada, por isso “a manifestação positiva de vontade
do cedido em relação à cessão contratual torna-se irrelevante, perdendo sua
razão de ser, haja vista que a necessidade de anuência ostenta forte viés de
garantia na hipótese de inadimplemento pelo cessionário”. O ministro lembrou
também que a anuência do cedido não precisa ser prévia ou simultânea à
manifestação da vontade dos contraentes, “podendo perfeitamente ser-lhe
posterior, como, por exemplo, no caso dos autos, por ocasião do envio do recibo
de compra e venda ao cedente, em que reconhece o recebimento do valor total do
veículo arrendado”. Segundo Salomão, o fato de a instituição financeira ter
sido cientificada da cessão somente quando recebeu a solicitação, pelo
recorrente, da declaração de quitação e da remessa dos documentos necessários
ao registro da transferência da propriedade do veículo junto ao Detran “não tem
o condão de invalidar o negócio jurídico em tela”. O ministro afirmou que, com
base no princípio da boa-fé objetiva, o cedido deve reconhecer o direito do
cessionário que, “de forma leal e proativa, adimpliu a obrigação insculpida no
contrato originário, e agora ainda está sofrendo com a demanda judicial para
ver reconhecido seu direito”. Para Salomão, a financeira não pode se negar a
reconhecer o direito à transferência da propriedade de um bem pelo qual o
recorrente pagou.
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