sábado, 17 de agosto de 2019

CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO NEOCOLPOVULVOPLASTIA LAUDOS MULTIDISCIPLINARES IMPRESCINDIBILIDADE DO TRATAMENTO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DIREITO AO REEMBOLSO DAS DESPESAS EFETUADAS

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO, OU REDESIGNAÇÃO SEXUAL, POR NEOCOLPOVULVOPLASTIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA CONSUMIDORA QUE MERECE ACOLHIDA. Consumidora transexual, portadora de desvio psicológico permanente de identidade sexual (CID10 - F64.0). Sentença de improcedência, ao fundamento de que a cirurgia em questão não foi incorporada ao rol de procedimentos obrigatórios da ANS. Error in judicando. Documento, no qual se escorou o juízo a quo, que se limita a afirmar a não obrigatoriedade de cobertura para histerectomia total abdominal com anexectomia bilateral para beneficiária do sexo feminino. Correspondência da ANS, em consulta formulada pela apelante, que vai de encontro ao referido documento, porquanto afirma a obrigatoriedade de cobertura de todos os procedimentos prescritos pelo médico que a acompanha (fls. 89/90 e 458/459). Preponderância do documento que atesta a cobertura obrigatória em relação ao que supostamente deixaria transparecer a não cobertura, até porque específico para o caso da apelante. Alegação da apelada de que a reunião dos procedimentos seria um sofisma para forçar a existência de cobertura que não procede. Em verdade, sofisma emprega a operadora ao tentar desnaturar as características do tratamento e afastar sua obrigação de cobertura. Transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia que consiste na conversão da genitália masculina em feminina, através de um procedimento complexo, que envolve a realização de diversas operações. Ainda que não conste, do rol da ANS, um código único referente à reunião de todas elas, estando cada uma elencada em dito rol - tal como ocorre na espécie -, é dever da operadora prestar a cobertura para suas realizações. E ainda que não houvesse cobertura obrigatória expressa, é entendimento majoritário, neste Tribunal, que o aludido elenco é meramente exemplificativo, e não taxativo. Laudos multidisciplinares (médicos, sociais e psicológicos) de fls. 89/99 que atestam a imprescindibilidade do tratamento prescrito à apelante, único capaz de promover sua cura, não havendo razão para sua negativa. Entendimento do médico que acompanha a paciente que deve prevalecer, à luz do Verbete Sumular nº 211. Ademais, o arcabouço constitucional e legal de nosso sistema jurídico é uníssono em amparar a pretensão autoral. É inconteste que a apelante é uma mulher aprisionada em um corpo masculino, com o qual não possui identificação anímica. Há farta comprovação atestando seu quadro clínico de disforia de gênero e a tendência à automutilação e/ou autoextermínio. Negativa de cobertura que viola frontalmente os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) e da preservação da saúde (art. 6º, caput). Intervenção cirúrgica que não é meramente estética e eletiva. Laudo médico atestando que as cirurgias conhecidas como neocolpovulvoplastia são o único tratamento para pacientes transexuais portadores de desvio psicológico permanente de identidade sexual, cuja inadequação psíquica ao sexo somático gera profundo sofrimento, tendente à mutilação corporal e até mesmo ao suicídio. Apelante que já conseguiu alterar seu nome junto ao registro civil. Argumentação da apelada de que não estaria obrigada a prestar cobertura para procedimento realizados por médicos não cooperados e em prestadores não credenciados que não merece guarida. Tese que é contraditória com a de que não tem obrigação regulamentar ou contratual de cobrir os procedimentos em cotejo. Não se ignora que, havendo profissional da especialidade, na rede credenciada, a opção por alguém de fora afasta, da operadora de plano de saúde, a obrigação de custear e/ou reembolsar as despesas do procedimento realizado. Entretanto, no caso concreto, limitou-se a apelada a afirmar que a apelante não buscou a rede credenciada, sem, no entanto, informar quais profissionais a ela vinculados que estariam aptos a realizar os procedimentos de neocolpovulvoplastia. Indelével, pois, tanto a necessidade dos procedimentos cirúrgicos em análise, quanto a obrigatoriedade de cobertura por parte da apelada. Tampouco cabe acolher a tese da operadora de limitação dos valores de cobertura. É certo ser válida a existência de limite de reembolsos para procedimentos efetuados fora da rede credenciada da operadora (art. 12, inc. VI, da Lei nº 9.656/98, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44/2001). Não é, entretanto, a hipótese presente. Limitação em escopo que valeria para hipóteses em que a rede credenciada não está apta, momentaneamente, para pronto atendimento, em caso de emergência ou urgência, ou para quando o beneficiário abre mão, sponte própria, de ser atendido por profissional credenciado. Não se cuidou de mera liberalidade da apelante na escolha de profissional não credenciado, mas sim, de recusa peremptória de cobertura por parte da apelada. Impossibilidade de limitação, no caso concreto, do montante a ser reembolsado à beneficiária, porquanto alternativa não lhe fora dada que não se socorrer a médico não cooperado. Reembolso que deve se dar na integralidade das despesas comprovadamente efetuadas pela consumidora. Dano moral. Atual orientação do e. STJ no sentido de que a negativa da operadora do plano de saúde de cobertura de procedimento médico, ou de reembolso de valores decorrentes de tratamento a que o beneficiário fora submetido, é situação hábil a causar distúrbios de ordem extrapatrimonial, cabendo compensação. Valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), que se mostra em sintonia com o princípio da razoabilidade, sendo adequado e proporcional às circunstâncias do caso concreto e harmônico com precedentes de minha própria relatoria em situações análogas. Inversão da sucumbência. PROVIMENTO DO RECURSO.

0047742-88.2015.8.19.0002 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). NILZA BITAR - Julg: 10/04/2019 - Data de Publicação: 11/04/2019

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