Apelação cível. Direito civil.
Direito intelectual. Pretensão de condenação da ré ao pagamento de
indenização por danos materiais, morais e obrigação de fazer. Distintas
causas de pedir. A primeira relativa ao direito de patente. A segunda
atinente a negócio jurídico em fase pré-contratual. Sentença de
improcedência. Apelo da parte autora. Análise das preliminares suscitadas
pela ré em sede de contrarrazões ao recurso. Preliminar de incompetência da
justiça brasileira. Delimitação da competência que já foi objeto de
julgamento pelo colendo stj no resp. N° 1.888.053/rj. Tribunal superior que
reconheceu a prevalência da jurisdição brasileira. Preliminar que não se
conhece. Preliminares de nulidade da citação e da existência de cláusula
compromissória. Matérias que não foram objeto de argumentação própria em sede
de contrarrazões. Inobservância do princípio da dialeticidade. Não
conhecimento que se impõe. Prejudicial suscitada em contrarrazões sobre
eventual a ocorrência do fenômeno da prescrição trienal, com fundamento no
artigo 206, § 3°, v do código civil. Hipótese dos autos que cuida de negócio
jurídico de grande monta. Necessária maturação e desenvolvimento da
negociação que se protrai no tempo. Natureza continuada das tratativas
negociais que alcança todo o período de negociação. Dano continuado.
Prejudicial rejeitada. Mérito. Ré/apelada (fifa) sustenta a natureza de
consumidora e pugna pela incidência do cdc. Recorrida que não se enquadra no
conceito de consumidora previsto no artigo 2° do diploma consumerista.
Vulnerabilidade não caracterizada. Ré que ostenta caráter privilegiado na
relação jurídica. Evidente assimetria material. Apelada que detém o controle
de todo o cenário futebolístico mundial. Empresa autora que necessita do
relacionamento com a fifa para firmar a tecnologia no esporte. Relação de
dependência. Estrutura do futebol hierarquicamente vinculada e subordinada à
ré. Litígio entre particulares em condições desiguais. Análise
fático-probatória. Fato notório que nas partidas havia grande dificuldade de
os árbitros em fazer respeitar a distância regulamentar das barreiras,
notadamente no momento da cobrança de faltas. Impossibilidade de realizar
marcações permanentes no campo de jogo. Novidade desenvolvida pela empresa
autora cuja demarcação é temporária e auxilia o árbitro a manter a disciplina
durante os eventos. Invento patenteado a partir do ano 2000 em diversos
países. Tecnologia que ao longo dos anos (2000-2009) foi se consolidando no
mercado nacional, sul-americano e, posteriormente, recebendo maior
notoriedade mundial. Invenção aprovada pela international football
association board - ifab. Ré fifa que nos anos de 2012 e 2013 solicita a
inovação da parte autora para realização de novos testes em campeonatos das
categorias "sub-17" e "sub-20". Desnecessidade de novas
testagens do produto, ante a consolidação mercadológica anterior. Exigência
da ré/apelada com a finalidade de transferência de expertise. Reuniões
presenciais com preposto da ré/apelada. Início das tratativas negociais.
E-mail enviado pela fifa que comprova o início da relação pré-contratual, com
a verificação das patentes. Documento revela que a própria ré seria capaz de
negociar as patentes com outras empresas multinacionais e afirma que as
relações negociais são uma "prática comum". Vantajosa posição
negocial da fifa que lhe permitiu maiores poderes de negociação sobre o
equipamento da empresa brasileira. Copa do mundo de futebol realizada no
brasil de 2014. Elementos de convicção demonstram que em janeiro de 2014 foi
encaminhada proposta da fifa à autora para compra da patente no montante de
us$ 500.000,00. Parte autora que classificou a proposta como
"humilhante". Valor que não se mostra condizente com a tecnologia a
ser aplicada em mercado global com todas as despesas a ela inerentes.
Prosseguimento das tratativas. Parte autora cedeu gratuitamente as
"latas de spray de barreira" para treinamento da arbitragem e para
todos os jogos da copa do mundo realizada no brasil. Contrato de cessão
gratuita do material. Negócio jurídico que se insere em uma esfera comercial
maior. Necessária interpretação do negócio jurídico à luz da boa-fé negocial.
Ré/apelada que em conduta não condizente com a prática consuetudinária,
encobriu o rótulo das latas de modo a impedir que a marca da autora fosse demonstrada
no cenário da competição. Prática comercial de obliteração. Findada a copa do
mundo com a utilização gratuita do material, a ré fifa não prossegue nas
tratativas negociais. Envio de comunicado da autora/apelante em julho de
2014. Resposta da ré em setembro do respectivo ano colocando fim às
tratativas. Conjunto probatório indica que após promessa de aquisição e
negociação da patente, utilização do material ao longo de anos, transferência
de expertise e ocultação da marca da autora, a apelada pôs fim às
negociações. Pretensão afeta ao direito de patente. Análise que se limita ao
invento e a prejuízos ocorridos em território nacional. Causa de pedir
relativa à ulterior negociação entre a fifa e a comex que se encontra
prejudicada. Pretensão afeta às relações negociais. Má-fé configurada. Ofensa
ao artigo 422 do código civil. Incidência do enunciado n° 170 da iii jornada
de direito civil. Precedentes do colendo stj. Contribuição do direito
germânico. Lealdade (treu ou treue) e crença (glauben ou glaube). Exame dos
pedidos. Danos materiais. (i) gastos com passagens, hospedagem e alimentação.
Despesas ordinárias e próprias da negociação contratual. Requerimento que se
revela contraditório com a pretensão indenizatória pelo uso das "latas
de spray de barreira". Vedação ao enriquecimento sem causa.
Indeferimento que se impõe. Manutenção da sentença nesse ponto. (ii)
reparação pelo uso do invento. Produto aplicado em todos os torneios e
eventos. Constatação da responsabilidade civil por má-fé nas tratativas
pré-contratuais que torna a condenação da ré inarredável. Quantum a ser
arbitrado em liquidação de sentença. Limitação a eventos ocorridos em
território nacional a contar de 23/05/2012, até o término da exclusividade da
patente em território nacional. Cálculo que abrange todos os eventos
organizados pela fifa e/ou pelas organizações hierarquicamente subordinadas.
Juros a contar da citação. Correção monetária a partir do efetivo prejuízo.
Precedentes. (iii) contratos de patrocínio, associação de imagem e corolários.
Reparação que se impõe, ante o caráter indissociável da conduta imputada à
ré. Quantum a ser arbitrado em liquidação de sentença com aprofundamento
probatório. Danos morais. Pessoa jurídica. Honra objetiva. Inteligência do
artigo 52 do código civil. Incidência da súmula n° 227 do colendo stj.
Conduta da ré que fere a legítima expectativa e avilta o nome da autora ao
ocultar a marca durante o maior evento esportivo ocorrido no país. Tarja
preta no produto que desonra o nome e a história da empresa na construção do
invento. Dano in re ipsa. Montante que se fixa em r$ 50.000,00. Juros a
contar da citação. Correção monetária a partir do arbitramento. Sucumbência
mínima da parte autora. Inteligência do artigo 86 do cpc. Recurso
parcialmente provido. |
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0314313-89.2017.8.19.0001 - APELAÇÃO |
DÉCIMA QUARTA
CÂMARA CÍVEL |
Des(a). FRANCISCO
DE ASSIS PESSANHA FILHO - Julg: 27/10/2021 - Data de Publicação: 29/10/2021 |
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