A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1068824 e o REsp 1120971 em 06/03/2012, condenou a Editora Abril ao pagamento de R$ 500 mil por danos morais ao senador e ex-presidente Fernando Collor. O motivo foi um
artigo que ofendia o ex-presidente, veiculado numa das revistas de
maior circulação do país, a Veja. Além da editora, foram condenados
Roberto Civita, presidente do conselho de administração e diretor
editorial, e André Petry, autor do artigo em que o ex-presidente foi
tachado de “corrupto desvairado”. O artigo de opinião intitulado
“O Estado Policial”, publicado na edição impressa de março de 2006, bem
como na internet, comparava atitudes dos governos Collor e Lula – no
primeiro, diante das denúncias feitas pelo motorista Eriberto França; no
segundo, em relação às denúncias do caseiro Francenildo Costa. Durante
as comparações, o articulista falou sobre as “traficâncias” de Collor e o
chamou de “corrupto desvairado”. Collor ajuizou ação de
indenização por danos morais alegando que havia sido atingido por “uma
série de calúnias, injúrias e difamações”. A sentença julgou o pedido
improcedente, entendendo que o objetivo do jornalista não era atingir a
honra do ex-presidente, e sim criticar o modo como as denúncias do
caseiro foram abafadas, o que não aconteceu com o motorista. Além
disso, o juiz destacou que Collor foi absolvido pelo STF apenas por questões processuais e sem apreciação dos
fatos, e que “o episódio histórico que envolveu o fim do seu mandato
[como presidente] ainda está marcado na mente das pessoas”. O
entendimento do juízo de primeiro grau foi de que, confrontados os
valores constitucionais do direito à imagem e da liberdade de imprensa,
deve prevalecer a liberdade de imprensa. Porém, na apelação, a
sentença foi reformada. O TJRJ
entendeu que a simples publicação da expressão “corrupto desvairado”
configura dano moral, mesmo porque o ex-presidente foi absolvido das
acusações. Quanto ao confronto dos dois valores constitucionais, o
tribunal estadual decidiu que deveria prevalecer o direito à honra, pois
estaria claro “o propósito ofensivo da matéria”. Seguindo essa opinião,
o TJRJ fixou a indenização em R$ 60 mil. Tanto
o ex-presidente quando a editora recorreram ao STJ. Para Collor, a
indenização foi fixada com “excessiva parcimônia”. Para ele, o tribunal
estadual não levou em consideração a qualificação das partes envolvidas,
a repercussão do dano causado e o lucro da editora com a publicação do
artigo. A Editora Abril, por sua vez, queixou-se de que o TJRJ
não havia se manifestado sobre a liberdade de expressão, nem sobre a
licitude da divulgação de informação inspirada pelo interesse público
(Lei de Imprensa). Para a editora, o artigo não traz mentiras ou fatos
passíveis de indenização. A Abril ainda argumentou que Collor deveria
“ter vergonha de ter sido protagonista das maiores acusações feitas
contra um presidente da República, e não da divulgação desse mesmo fato
pela imprensa, que apenas exerceu o seu dever constitucional de
informação”. O ministro
Sidnei Beneti, relator de ambos os recursos, destacou que, como a Lei
de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal (julgamento
do STF), o recurso da editora ficou privado desse fundamento. A
jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, por conta da posição
do STF, não se pode alegar violação aos dispositivos da Lei de Imprensa
em recurso especial. No memorial fornecido pela editora ao
relator, entretanto, a Lei de Imprensa não foi mais citada. A Abril
sustentou que houve violação aos artigos 186 e 188, inciso I, do Código
Civil. Segundo o ministro, foi apenas no memorial que a editora
sustentou expressamente a violação dos referidos artigos, e tal
referência não pode suprir a omissão de invocação no recurso especial,
pois o memorial não é levado ao conhecimento da parte contrária, e,
portanto, o contraditório constitucional estaria infringido se o
memorial fosse considerado para suprir o que não foi alegado no recurso.
Porém, novamente sobre o não acolhimento constitucional da Lei
de Imprensa, a jurisprudência do STJ entende que, nos julgamentos
provindos dos tempos dessa lei, devem ser examinados os argumentos de
fundo, ensejados pelo recurso. O ministro Sidnei Beneti destacou
que a análise do recurso especial não seria reexame de prova, mas
apenas exame valorativo com base em fato certo – no caso, o artigo
escrito e publicado – para verificar se este possuiria, ou não, caráter
ofensivo. No entendimento
da Terceira Turma do STJ, o termo usado pela revista – “corrupto
desvairado” – é, sim, ofensivo. O ministro relator lembrou que o termo
ofensivo ainda foi destacado pela revista, pois aparece no “olho” –
recurso de diagramação que realça uma parte do texto considerada
marcante – da edição impressa e digital. É justamente essa parte de
destaque que chama mais a atenção do leitor, mesmo aquele que não lê o
artigo em seu conteúdo integral, ou apenas folheia a revista. Segundo
Beneti, o termo usado não é pura crítica; é também injurioso. Por esse
motivo é impossível concordar com qualquer motivo alegado pela editora,
como o interesse público à informação. A injúria, de acordo com o
ministro, é a conduta mais objetiva e inescusável das três modalidades
de ofensa à honra – injúria, calúnia e difamação – e, por esse motivo,
não admite exceção de verdade. Na injúria, não há atribuição de fato,
mas de qualidade negativa do sujeito passivo. Portanto, ainda
que o ex-presidente Collor tenha sido absolvido apenas por questões
processuais, e não por afastamento da acusação de corrupção, e que tenha
sofrido impeachment, a ofensa não deixa de existir – e é injúria. Quanto
ao valor da reparação, a Turma entendeu que o desestímulo à injúria
deveria ser enfatizado, pois a expressão “corrupto desvairado” poderia
ter sido evitada. Além disso, o desestímulo ao escrito injurioso em
veículo de comunicação com uma das maiores circulações do país autoriza a
fixação de indenização mais elevada. O ministro Beneti e o
ministro Paulo de Tarso Sanseverino se posicionaram no sentido de
aumentar o valor para R$ 150 mil. No entanto, os ministros Nancy
Andrighi, Massami Uyeda e Villas Bôas Cueva votaram para fixar a
indenização em R$ 500 mil.
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