No
que diz respeito ao termo inicial do prazo prescricional nas demandas
por indenização do seguro DPVAT que envolvem invalidez permanente da
vítima: a) o termo inicial do prazo prescricional é a data em que o
segurado teve ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez; e
b) exceto nos casos de invalidez permanente notória, a ciência
inequívoca do caráter permanente da invalidez depende de laudo médico,
sendo relativa a presunção de ciência. Sobre o tema em análise,
o STJ editou a Súmula 278, segundo a qual “O termo inicial do prazo
prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve
ciência inequívoca da incapacidade laboral”. Com o advento desse
enunciado, sepultou-se o entendimento de que o termo inicial da
prescrição seria sempre a data do acidente, independentemente do tipo de
lesão. Persiste, porém, controvérsia no que se refere à necessidade, ou
não, de um laudo médico para que a vítima do acidente (beneficiária do
seguro) tenha ciência inequívoca da invalidez permanente (total ou
parcial). Essa controvérsia tem gerado três entendimentos
jurisprudenciais diversos. O primeiro considera que a invalidez
permanente depende de uma declaração médica, sem a qual não há como
presumir a ciência da vítima. No segundo há uma ligeira mitigação do
primeiro, pois se aceita a presunção de ciência inequívoca,
independentemente de laudo médico, mas somente nas hipóteses em que a
invalidez é notória, como nos casos de amputação de membro. O laudo
médico, nesses casos, serviria mais para aferir o grau de invalidez, do
que para constatá-la. Interessante destacar que o fato de a invalidez
permanente ser uma consequência imediata do acidente, não implica,
necessariamente, ciência inequívoca da vítima. A perda do baço, por
exemplo, somente chegará ao conhecimento de uma vítima leiga em Medicina
se essa informação lhe for prestada por um médico. Nesses casos, ainda
que a lesão seja imediata, a ciência da vítima só ocorrerá em momento
posterior. Voltando às teses acerca da ciência da invalidez, o terceiro
entendimento admite que essa ciência possa ser presumida, conforme as
circunstâncias do caso. Colhe-se da jurisprudência do STJ, por exemplo,
julgado no qual o Tribunal de origem entendeu que o longo decurso de
tempo entre o acidente e a data do laudo, além da não submissão das
vítimas a tratamento, permite que se presuma a ciência da invalidez.
Posto isso, cumpre verificar o enquadramento dos entendimentos
jurisprudenciais acima delineados nas hipóteses do art. 334 do CPC,
transcrito a seguir: “Não dependem de prova os fatos: I - notórios; II -
afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III -
admitidos, no processo, como incontroversos; IV - em cujo favor milita
presunção legal de existência ou de veracidade”. O primeiro
entendimento, que exige um laudo médico para que se considere a ciência
inequívoca da vítima, está de acordo com esse dispositivo legal (a contrario sensu),
pois o laudo médico é uma prova documental. O segundo entendimento
também está de acordo, pois o caráter permanente da invalidez em
hipóteses como amputação de membro constitui fato notório para a vítima,
enquadrando-se no inciso I, supra. O terceiro entendimento, contudo,
parece afrontar o disposto no art. 334 do CPC, por não haver norma legal
que autorize o julgador a presumir a ciência da invalidez a partir de
circunstâncias fáticas como o decurso do tempo, a não submissão a
tratamento ou a interrupção deste. Essa questão deve ser
contextualizada à realidade brasileira em que a maioria das vítimas se
submetem a tratamento médico e fisioterápico custeado pelo SUS (Sistema
Único de Saúde), que sabidamente é bastante demorado nesses casos em que
não há mais risco de vida. Desse modo, o fato de a vítima não persistir
no tratamento iniciado, não pode ser utilizado para fulminar seu
direito à indenização, se não há previsão legal nesse sentido. Há de se
ressaltar, ademais, que por mais que as vítimas sintam a redução em sua
capacidade laboral ao longo dos anos, esse fato não é suficiente para
autorizá-las a pleitear a indenização, pois a legislação do DPVAT exige
mais do que mera incapacidade laboral, exige invalidez “permanente”. E
esse caráter permanente da invalidez é inalcançável ao leigo em
Medicina. Para se afirmar que uma lesão é permanente, ou seja, sem
perspectiva terapêutica, é necessário concluir pela inviabilidade de
qualquer dos tratamentos disponíveis, o que não é possível sem
conhecimentos médicos. Frise-se que não se pode confundir ciência da
lesão (ou da incapacidade) com ciência do caráter permanente da
invalidez, pois esta última só é possível com auxílio médico. De outra
parte, cabe refletir sobre a possibilidade de manipulação do prazo
prescricional por parte da vítima. Há a preocupação de que a vítima,
depois de transcorrido o prazo prescricional, obtenha um novo laudo
médico e ajuíze a ação, omitindo, por má-fé, a existência de um laudo
médico mais antigo. Entretanto, cabe frisar que, no Direito brasileiro, a
má-fé não pode ser presumida. Então, caso a seguradora desconfie dessa
manipulação do prazo prescricional, cabe-lhe diligenciar junto ao IML
para saber se a vítima submeteu-se, ou não, a exame médico em data
anterior. Do contrário, há de prevalecer, como termo inicial da
prescrição, a data indicada no laudo médico apresentado pela vítima. REsp 1.388.030-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/6/2014.
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