segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Ex-empregado mantido no plano de saúde por mais de dez anos após a demissão, por liberalidade do ex-empregador e com assunção de custeio integral do serviço, não poderá ser excluído da cobertura do seguro

 TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.879.503-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/09/2020, DJe 18/09/2020

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Plano de saúde coletivo empresarial. Rompimento do vínculo empregatício. Manutenção do ex-empregado e sua esposa como beneficiários do plano de saúde por 10 anos. Exclusão indevida pelo ex-empregador. Responsabilidade pela confiança. Abuso do direito. Supressio.

Destaque

Ex-empregado mantido no plano de saúde por mais de dez anos após a demissão, por liberalidade do ex-empregador e com assunção de custeio integral do serviço, não poderá ser excluído da cobertura do seguro.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia a definir a obrigação de o ex-empregador em manter, com base na proteção da confiança (supressio), o plano de saúde oferecido ao ex-empregado, transcorridos mais de 10 anos do rompimento do vínculo empregatício.

Com efeito, não se nega que o art. 30, § 1º, da Lei n. 9.656/1998 permite que o ex-empregado demitido e seu grupo familiar se mantenham no plano de saúde coletivo empresarial, após o rompimento do vínculo empregatício, pelo período de um terço do tempo de permanência como beneficiários, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses.

Há, no entanto, uma circunstância relevante na hipótese, o empregado e sua esposa permaneceram, depois da demissão do primeiro, vinculados ao mesmo plano, nas mesmas condições, por mais dez anos, tendo, apenas, assumido o custeio integral do serviço, circunstância que, segundo o Tribunal de origem, é apta "a despertar no autor a confiança legítima na manutenção vitalícia do benefício". O desate da controvérsia exige, portanto, a análise desse cenário à luz da chamada responsabilidade pela confiança.

Confiança, a propósito, é, na lição doutrinária, "a face subjetiva do princípio da boa-fé"; "é a legítima expectativa que resulta de uma relação jurídica fundada na boa-fé"; e, por isso, segundo a doutrina, "frustração é o sentimento que ocupa o lugar de uma expectativa não satisfeita".

A responsabilidade pela confiança constitui, portanto, uma das vertentes da boa-fé objetiva, enquanto princípio limitador do exercício dos direitos subjetivos, e coíbe o exercício abusivo do direito, o qual, no particular, se revela como uma espécie de não-exercício abusivo do direito, de que é exemplo a supressio. A supressio, por usa vez, indica a possibilidade de se considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gerar no devedor a legítima expectativa de que esse não exercício se prorrogará no tempo.

Implica, assim, a redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer determinado direito ou faculdade, criando para a outra a percepção válida e plausível – a ser apurada casuisticamente – de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.

Convém ressaltar, nessa toada, que o abuso do direito – aqui caracterizado pela supressio – é qualificado pelo legislador como espécie de ato ilícito (art. 187 do CC/2002), no qual, em verdade, não há desrespeito à regra de comportamento extraída da lei, mas à sua valoração; o agente atua conforme a legalidade estrita, mas ofende o elemento teleológico que a sustenta, descurando do dever ético que confere a adequação de sua conduta ao ordenamento jurídico.

Sob essa ótica, verifica-se que o ex-empregado e sua esposa se mantiveram vinculados ao contrato de plano de saúde por 10 anos, superando – e muito – o prazo legal que autorizava a sua exclusão, o que, evidentemente, despertou naqueles a justa expectativa de que não perderiam o benefício oferecido pelo ex-empregador.

E, de fato, o exercício reiterado dessa liberalidade, consolidado pelo decurso prolongado do tempo, é circunstância apta a criar a confiança na renúncia do direito de excluir o ex-empregado e seu grupo familiar do contrato de plano de saúde, de tal modo que, esse exercício agora, quando já passados 10 anos, e quando os beneficiários já contavam com idade avançada, gera uma situação de desequilíbrio inadmissível entre as partes, que se traduz no indesejado sentimento de frustação. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a exclusão do ex-empregado e sua esposa do plano de saúde coletivo empresarial.



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