Caso ocorra esvaziamento do patrimônio do devedor em ofensa ao princípio da boa-fé, a impenhorabilidade do imóvel ocupado pela família pode ser afastada. A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1299580 em 12/06/2012, adotou
essa posição em recurso movido por sócio de uma construtora contra
julgado do TJRJ. A Turma, de
forma unânime, negou o recurso do sócio. O recurso refere-se à
ação de execução ajuizada em 1995 por consumidor que entrou num plano de
aquisição de imóvel ainda na planta, a ser construído pela empresa.
Porém, mesmo após o pagamento de parte substancial do valor do
apartamento, as obras não foram iniciadas. Verificou-se que a
construtora havia alienado seu patrimônio e não teria como cumprir o
contrato. Em 2011, foi pedida a desconsideração da personalidade
jurídica da empresa, de modo que a obrigação pudesse ser cumprida com o
patrimônio pessoal dos sócios. Após a desconsideração, o imóvel
residencial de um dos sócios foi penhorado. Essa penhora foi impugnada
pelo empresário sob o argumento que se trata de bem de família, único
que teria para residir. Entretanto, o TJRJ considerou que houve
esvaziamento patrimonial, com a intenção de evitar a quitação do débito.
Também considerou que a parte não conseguiu afastar a presunção de
fraude à execução. Houve
então o recurso ao STJ, com a alegação de ofensa ao artigo 3º da Lei
8.009/90, que estabelece ser impenhorável o bem de família. Segundo a
defesa, o artigo estende a impenhorabilidade contra débitos
trabalhistas, fiscais e de execução civil. Também invocou o artigo 593
do Código de Processo Civil (CPC), que define a alienação ou oneração de
bens como fraude de execução se há ação pendente sobre eles. Todavia,
a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, afirmou que nenhuma
norma do sistema jurídico pode ser entendida apartada do princípio da
boa-fé. “Permitir que uma clara fraude seja perpetrada sob a sombra de
uma disposição legal protetiva implica, ao mesmo tempo, promover
injustiça na situação concreta e enfraquecer, de maneira global, o
sistema de especial proteção objetivado pelo legislador”, afirmou. Ela
destacou que o consumidor tentou adquirir sua moradia de boa-fé e, mais
de 15 anos depois, ainda não havia recuperado o valor investido. Nancy
Andrighi também observou que, segundo os autos, o consumidor estaria
inadimplente e correndo risco de perder o imóvel em que reside com sua
família. “Há, portanto o interesse de duas famílias em conflito, não
sendo razoável que se proteja a do devedor que vem obrando contra o
direito, de má-fé”, asseverou. Para a ministra, quando o sócio da
construtora alienou seus bens, exceto o imóvel em que residia, durante o
curso do processo, houve não só fraude à execução mas também à Lei
8.009/90. Na visão da magistrada, houve abuso do direito, que deve ser
reprimido. Por fim, ela refutou o argumento de que as alienações
ocorreram antes do decreto de desconsideração da personalidade jurídica
e, portanto, seriam legais. A ministra apontou que, desde o processo de
conhecimento, a desconsideração já fora deferida e o patrimônio pessoal
do sócio já estava vinculado à satisfação do crédito do consumidor.
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