Não é nula a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a autorização do companheiro – a chamada outorga uxória, exigida no casamento. O entendimento é da Quarta Turma do STJ,
em 28/02/2014, ao julgar o REsp 1299894 interposto por uma empresa do
Distrito Federal. “É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do
casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de
modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as
vênias conjugais para a concessão de fiança”, afirmou o relator do caso,
ministro Luis Felipe Salomão.
A empresa ajuizou execução contra
a fiadora devido ao inadimplemento das parcelas mensais, de dezembro de 2006 a
novembro de 2007, relativas a aluguel de imóvel comercial. Com a execução, o
imóvel residencial da fiadora foi penhorado como garantia do juízo. Inconformada,
a fiadora opôs embargos do devedor contra a empresa, alegando nulidade da
fiança em razão da falta de outorga uxória de seu companheiro, pois convivia em
união estável desde 1975. O companheiro também entrou com embargos de terceiro.
O juízo da 11ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília
rejeitou os embargos da fiadora, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal
(TJDF) reformou a sentença. “Em que pese o Superior Tribunal de Justiça
entender não ser cabível à fiadora alegar a nulidade da fiança a que deu causa,
ao companheiro é admitida a oposição de embargos de terceiro quando não prestou
outorga uxória na fiança prestada por seu par”, afirmou o TJDF. Como foram
acolhidos os embargos do companheiro, para declarar nula a fiança prestada pela
fiadora sem a outorga uxória, o TJDF entendeu que deveria julgar procedentes os
embargos apresentados pela própria fiadora, a fim de excluí-la da execução.
No STJ, a empresa sustentou a
validade da fiança recebida sem a outorga uxória, uma vez que seria impossível
ao credor saber que a fiadora vivia em união estável com o seu companheiro. O
ministro Salomão, em seu voto, registrou que o STJ, ao editar e aplicar a
Súmula 332 – a qual diz que a fiança prestada sem autorização de um dos
cônjuges implica a ineficácia total da garantia –, sempre o fez no âmbito do
casamento. Se alguém pretende negociar com pessoas casadas, é necessário que
saiba o regime de bens e, eventualmente, a projeção da negociação no patrimônio
do consorte. A outorga uxória para a prestação de fiança, por exemplo, é
hipótese que demanda “absoluta certeza, por parte dos interessados, quanto à
disciplina dos bens vigentes, segurança que só se obtém pelo ato solene do
casamento”, segundo o relator.
Ao analisar os institutos do
casamento e da união estável à luz da jurisprudência, Salomão disse que não há
superioridade familiar do primeiro em relação ao segundo, mas isso não
significa que exista uma “completa a inexorável coincidência” entre eles. “Toda
e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisada a
partir da dupla concepção do que seja casamento – por um lado, ato jurídico
solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo
ordenamento jurídico, e, por outro lado, uma entidade familiar, das várias
outras protegidas pela Constituição”, afirmou o ministro. “O casamento, tido
por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da união estável –
também uma entidade familiar –, porquanto não há famílias timbradas como de
segunda classe pela Constituição de 1988”, comentou. Salomão concluiu que só
quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que se tornam
visíveis suas diferenças em relação à união estável, “e apenas em razão dessas
diferenças que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se
justifica”. Para o relator, a questão da anuência do cônjuge a determinados
negócios jurídicos se situa exatamente neste campo em que se justifica o
tratamento diferenciado entre casamento e união estável.
Luis Felipe Salomão não
considerou nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união
estável, sem a outorga uxória, mesmo que tenha havido a celebração de escritura
pública entre os consortes. Ele explicou que a escritura pública não é o ato
constitutivo da união estável, “mas se presta apenas como prova relativa de uma
união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina”. Como
a escritura da união estável não altera o estado civil dos conviventes,
acrescentou Salomão, para tomar conhecimento dela o contratante teria de
percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, “o que se mostra inviável e
inexigível”.
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